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Capítulo 3 Abordagem teórico-metodológica

3.4 O processo de entrevista

Para Pinheiro (2000) o processo de entrevista é interativo em sua essência. Esta característica torna-se particularmente relevante no caso da entrevista semi-estruturada, que foi o modelo utilizado neste trabalho. A entrevista semi-estruturada é conduzida com base em um roteiro previamente elaborado, no entanto, ao longo do processo de interação, este roteiro é atualizado a partir da relação que se estabelece entre entrevistador e entrevistado.

O roteiro de entrevista utilizado no presente estudo foi elaborado com base na literatura sobre relações de trabalho e no instrumento construído por Kim (2008), que era destinado à coleta de dados junto a executivos em relações informais de trabalho. A revisão da literatura sobre o tema possibilitou a identificação de questões relevantes a serem investigadas. A versão final do roteiro de entrevista ficou com 32 questões. A condução da entrevista no presente trabalho foi bastante complexa devido à grande quantidade de informações levantadas. O tipo de entrevista realizada nesta pesquisa foi semi-estruturada e em profundidade; como é comum neste tipo de entrevista, várias vezes os entrevistados, ao responderem uma pergunta, acabaram falando sobre questões que ainda não tinham sido formuladas. Foi recorrente também que o entrevistado falasse sobre temas relacionadas à pergunta feita, mas ao final não respondesse a pergunta elaborada, fazendo com que a entrevistadora tivesse que fazer novamente a mesma pergunta. Outra ocorrência freqüente era a repetição de conteúdos já discutidos previamente. Assim, o roteiro elaborado não foi seguido de maneira rígida, pois a ordem dos conteúdos a serem discutidos foi adaptada sempre que necessário.

Todos estes fatores fizeram com que, em alguns casos, houvesse questões não respondidas. Por outro lado, esta dinâmica possibilitou o aparecimento de conteúdos extremamente interessantes que não haviam sido previstos. Como resultado deste processo, o roteiro utilizado nas entrevistas foi modificado ao longo da coleta de dados. Alguns temas que não

constavam no roteiro inicial mostraram-se importantes e foram acrescentados à sua versão final, como foi o caso, por exemplo, do seguro de vida e seguro profissional. Devido à inclusão posterior destas questões, nem todas as entrevistas contêm informações sobre estes temas.

As respostas do entrevistado resultam de diversos fatores, que atuam de forma conjunta no momento da entrevista. Alguns destes fatores são de natureza relativamente estável, como por exemplo experiência profissional, experiência pessoal, personalidade, momento de vida. Outros fatores importantes, no entanto, são extremamente dinâmicos e muitas vezes imprevisíveis. O momento da entrevista, o humor do entrevistado no dia da entrevista, a relação que se estabelece entre entrevistador e entrevistado e a disponibilidade de tempo para a realização da entrevista são alguns exemplos de variáveis importantes que interferem nesta dinâmica.

Segundo Pinheiro (2000) a entrevista é um processo de interação que ocorre em um contexto que é continuamente negociado. O locutor assume uma posição e posiciona também o outro. Durante a interação escolhem-se os assuntos a serem abordados e as palavras a serem utilizadas. Escolhe-se o tom de voz, o que falar, como falar, o que revelar. Esta seleção em parte é feita antes da entrevista, mas em grande medida é o resultado de um processo de interação e negociação que ocorre continuamente ao longo da mesma.

A entrevista na forma como foi conduzida neste trabalho pode ser caracterizada como uma ação pela qual se estabeleceu uma relação, e na qual tanto o entrevistador quanto o entrevistado assumiram alternadamente a posição de sujeito. A entrevistadora acredita que na maioria dos casos provavelmente o processo de entrevista afetou as duas partes envolvidas. Pode-se dizer que ao final do processo entrevistador e entrevistado saíram um pouco diferentes do que entraram, pois informações e conhecimentos foram trocados.

Um aspecto particularmente relevante é o processo de reflexão que pode acontecer durante a entrevista. Desta forma pode-se dizer que as respostas do entrevistado são um produto da relação que se estabelece entre o entrevistador e o entrevistado. Elas são elaboradas na presença do entrevistador e a partir de suas intervenções, ou seja, são dependentes e influenciadas pelo contexto estabelecido. Como as entrevistas foram semi-estruturadas e em profundidade, provavelmente, para a grande maioria dos entrevistados, as respostas dadas

sobre um mesmo assunto seriam diferentes dependendo do entrevistador e da forma como a pergunta foi feita.

As respostas às perguntas feitas durante a entrevista não são um “produto acabado” que será entregue mediante o estímulo adequado. Podemos dizer que as respostas são um “produto em construção”: a experiência prévia do entrevistado é o insumo para as respostas a serem dadas. No entanto, é o processo de entrevista que faz com que o entrevistado faça conexões entre suas experiências, opiniões e sentimentos e articule, no momento da entrevista, a resposta que ele julga adequada.

Um comentário de um dos entrevistados ilustra este processo:

Eu tô pensando aqui, eu acho que a grande ressalva foi essa história, eu contei a história toda, eu falei, gente, nunca tinha tido tanta clareza disso, que eu tinha feito uma trajetória, sonhava com ela e eu mesma mudei o curso por conta de uma queda de grana, que não foi minha, foi do mercado e, nossa, foi bom pra mim! (Entrevista 12).

A pesquisadora procurou lidar com estes diversos elementos de forma a minimizar possíveis efeitos negativos no processo de entrevista. O perfil profissional do entrevistado foi detalhadamente checado antes da marcação da entrevista. Conforme explicado anteriormente, o processo de identificação de possíveis entrevistados foi conduzido de forma minuciosa. As pessoas que aceitavam participar da pesquisa sabiam que a entrevista tinha uma estimativa de tempo de duração em torno de 1 hora. A pesquisadora pedia que os possíveis entrevistados marcassem a entrevista no local, dia e hora que lhes fosse mais conveniente. No caso do surgimento de algum imprevisto por parte do entrevistado, a entrevista era remarcada de acordo com a sua conveniência. Grande parte das entrevistas foi feita na residência do entrevistado; os outros locais foram: recepção da residência do entrevistado, residência da pesquisadora, local de trabalho do entrevistado, cafeteria, bar, praça pública e faculdade. Pode-se dizer que todas as entrevistas ocorreram em um ambiente agradável, e nenhum entrevistado manifestou pressa em terminar.

- Deixa eu ver o que que falta. Falta pouca coisa.

Não, não estou com muita pressa. A gente pode falar, continuar e tal. (Entrevista 20).

O tempo médio de entrevista foi de 1 hora e 20 minutos, com um tempo mínimo de 52 minutos e um tempo máximo de 2 horas e 2 minutos. Antes do início da entrevista a

pesquisadora pedia autorização para gravar. Nenhum dos entrevistados se opôs ao pedido e todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas.

Uma vez que o possível entrevistado aceitava participar do trabalho a pesquisadora iniciava um processo de tentativa de marcação de entrevista que muitas vezes se estendeu por mais de um mês, e em algumas vezes levou até três meses, envolvendo vários telefonemas e e-mails. Esta foi uma tarefa complexa, pois mais de 90% das entrevistas do grupo estudado foram feitas fora da cidade de residência da pesquisadora, o que acarretou uma série de viagens com o objetivo de coleta de dados.

Ao total foram feitas 14 viagens a São Paulo, duas viagens ao Rio de Janeiro e duas viagens a Brasília. Em função da necessidade de realização de viagens para a maior parte da coleta de dados, sempre que possível procurava-se marcar mais de uma entrevista para cada deslocamento, de forma a maximizar o aproveitamento do tempo e dos recursos envolvidos no processo de transporte. Todos estes fatos fizeram com que a coleta de dados fosse onerosa em termos financeiros.

Apesar disto, a entrevistadora teve um enorme prazer ao conhecer as diferentes histórias e trajetórias dos entrevistados, e ao final da coleta de dados ela sentiu um misto de alívio (pelo dever cumprido) e vazio (mas acabou?). O sentimento predominante que permaneceu ao fim do processo foi de uma certa surpresa e contentamento. Apesar de sua formação em Psicologia e de sua experiência profissional e pessoal prévia, as entrevistas chamaram sua atenção para a existência de uma diversidade enorme de trajetórias e de emoções associadas às mesmas, as quais, no dia-a-dia, não nos damos conta que existem. Os entrevistados, ao relembrar sua vida, trouxeram relatos nos quais muitas vezes predominava uma grande satisfação com o percurso profissional e as escolhas realizadas.

O ato de pesquisar leva o indivíduo ao conhecimento de realidades distintas, propiciando um aprendizado significativo, o que para a autora deste trabalho foi bastante gratificante. De acordo com Freitas (2001), uma característica bastante comum às pessoas que escolhem a carreira acadêmica é o prazer associado ao conhecimento, a curiosidade e o encanto com a descoberta. A pesquisa realizada nesta tese possibilitou que a pesquisadora vivenciasse uma diversidade de emoções diferentes: curiosidade, surpresa, desânimo, animação, entre outras. Todos estes sentimentos tornam o processo de pesquisa uma experiência única que, ao nos

colocar em contato com múltiplas experiências pessoais, nos permite conhecer a grande capacidade de superação e adaptação de alguns indivíduos. Para a pesquisadora, um outro elemento importante do processo de coleta de dados foi a percepção das limitações inerentes aos modelos teóricos existentes, vis-à-vis a complexidade característica da realidade (WHETTEN, 2003).

A trajetória da pesquisadora, com o predomínio de vínculos CLT, é muito mais padrão do que a da maioria dos entrevistados. Ao final, alguns pensamentos e idéias ficaram soltos em sua mente: existem diversos percursos profissionais diferentes, como será que teria sido se eu tivesse feito diferente? Será que outros caminhos me dariam mais satisfação profissional de uma forma geral?

Para a pesquisadora, a experiência de fazer a pesquisa foi bastante gratificante. Relembrando uma das entrevistadas quando se refere a uma experiência profissional: “e então, o trabalho foi bom ou foi apenas uma experiência válida?” (Entrevista 12). Definitivamente fazer a pesquisa não foi apenas bom, foi ótimo!