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CAPÍTULO 3 – DEONTOLOGIA DO PROCESSO

3.2 CONCEITOS QUE SEDIMENTAM O DIREITO: MORAL, ÉTICA, BOA-FÉ

3.2.3 Ética

A justificativa do tópico, que a partir de agora tenta-se dissertar encontra-se refletida nas palavras de Ovídio Baptista da Silva, que aponta a ética,207 como requisito indispensável a prosperidade processual, na forma como se deduz pela transcrição seguinte, de sua autoria: “A doutrina processual civil encontra-se engajada na luta pela recuperação dos valores éticos que as doutrinas positivistas procuram eliminar do Direito. As tendências atuais, tanto dos códigos de direito material quanto do processo vêm priorizando o componente ético como elemento ineliminável do fenômeno jurídico.”208

Como se pode constatar, os estudos da lealdade processual e da litigância de má-fé, desenvolvidos adiante, não dispensam uma incursão pela ética, mesmo que sucintamente, para que se possa adiante perquirir o dever-ser da lealdade processual e da litigância judicial.

A ética, também por alguns é considerada uma

ciência, que tem por objeto o juízo de apreciação, enquanto este se aplica à distinção entre o bem e o mal. Historicamente a palavra ética foi aplicada à moral sob todas as suas formas, quer como ciência, quer como arte de dirigir a conduta...Pode-se dizer que há três conceitos distintos a separar: Moral é o conjunto das prescrições admitidas numa época e numa sociedade determinada, o esforço para conformar-se a essas prescrições, a exortação a segui-las.Ética ciência que toma por objeto a apreciação sobre os tais qualificados como bons e maus.209

Ética é uma palavra de origem grega (ethiké ou ethos), também do latim (ethica, ethicos), tendo como significado uso, costume, caráter. Pode-se associar a

207“Parte da filosofia que trata da moral e dos costumes humanos, ou do dever-ser. Modo de proceder

ou de comportar-se do indivíduo, consentâneo com os princípios deontológicos, dentro do grupo social ou da classe a que pertence: ética profissional, ética forense.”(p. 440). In Dicionário de tecnologia jurídica, de Pedro Nunes, 11ª ed. rev. atual., Rio de Janeiro: Livraria Freitas Bastos S/A, 1982. Diz-se também que a ética é a “parte da filosofia prática que tem por objetivo elaborar um reflexão sobre os problemas fundamentais da moral (finalidade e sentido da vida, os fundamentos da obrigação e do dever, natureza do bem e do mal, o valor da consciência moral, etc.), mas fundada num estudo metafísico do conjunto das regras de conduta consideradas como universalmente válidas.”(in Dicionário Básico de Filosofia, de Hilton Japiassú e Danilo Marcondes, p. 90). O Aurélio no seu formato eletrônico, versão 3.0, considera a ética como sendo o “estudo dos juízos de apreciação referentes à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal, seja relativamente a determinada sociedade, seja de modo absoluto.”

208BAPTISTA DA SILVA, Ovídio A. Prefácio da obra intitulada Improbidade Processual –

comportamento das partes e de seus procuradores no processo civil, da lavra de Fabio Milman, publicada pela Editora Forense, São Paulo, 2007, p. 1.

209In Vocabulário técnico e crítico da filosofia, de Andre Lalande, traduzido por Fátima de Sá Correr e

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ética à moral, constituindo-se aquela como a ciência que desta trata, ou do “comportamento moral do homem na sociedade”.210

Igualmente, é termo que evoca muitos outros, relacionados com práticas sociais coletivamente aceitas e individualmente exercidas. Assim, quando se fala em ética, ocorrem valores que a sociedade elegeu, tais como decência, honradez, probidade, os quais se agregam às condutas do homem. Importa dizer que os homens, ao se conduzirem com estes valores, estabelecem a cisão entre as demais espécies, pois somente a pessoa humana tem a consciência de seu agir – dinamizado pela intenção, propósito e a própria ação. As demais espécies, desprovidas desta consciência, têm instintos, como o de sobrevivência, que faz com que bandos de um mesmo grupo de animais, se digladiem entre si, para saciarem suas necessidades primárias.

A moral sugestiva da razão, e a ética, que congrega as posturas morais, conferem ao homem uma conduta pautada com os hábitos sociais, ajustadas a uma vida coletiva, acentuadamente no que concerne ao respeito ao semelhante. Desde os primórdios, a tendência é uma consolidação desses valores, que são incorporados pelo direito e passam a se constituir em normas de observância cogente.

É possível estabelecer uma relação entre a ética e o direito, porquanto existe todo um percurso deontológico que convergiu para o direito. Muitos valores, consagrados pela ética, como indispensáveis à co-existência do homem, foram incorporados pelo direito de uma forma explícita e outros subentendem-se bem.

Sem um aprofundamento, vê-se que a boa-fé é uma pressuposição de caráter jurídico tão acentuada, que se acredita ser ela inerente a todas as condutas, enquanto a má-fé é uma exceção e depende de comprovação.

Outros valores como a verdade, a lealdade, a responsabilidade de cada um pelos seus atos ou por suas condutas, são premissas morais, que posteriormente foram normatizadas e transformadas em regras jurídicas.

Como é possível constatar, a ética vai além de uma simples conduta e a moral é uma convicção racional em favor do bem, que também se estende afora a individualidade de cada pessoa. Nesse ínterim, há o direito como ciência normativa, que absorve normas valorizadas pela ética e práticas impostas pela moral.

210STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.

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Sendo a verdade um valor moral, que tem como fundamento não enganar, não ludibriar, não argumentar em falso, é peculiar que esteja catalogada dentre os deveres processuais impostos a todos que de qualquer forma participarem do processo. (art. 14, I, do CPC).

Não somente a verdade, como igualmente a lealdade e a boa-fé são elementos indispensáveis à hígida conduta processual. Lealdade, que significa fidelidade, franqueza e honestidade nos atos processuais praticados. Boa-fé, um outro tipo de conduta que induz estar o agente em veraz ação de conformidade com o preceito, ou a certeza de que age com sustentação legal e sem ofensa à lei.

Por seu turno, convém revelar que os itens de composição do art. 14, do CPC, são programáticos, porque incensuráveis processualmente, caso ocorram condutas que se enquadrem ao tipo ali definido. Mesmo assim, esta pauta de enunciados éticos-processuais formatou os deveres processuais que estão elencados no art. 17 da mesma lei processual. Dá-se, pois, ênfase às premissas anteriores acerca da relação que existe entre a moral, a ética e o direito. Dever do homem, com a sua vida social, agir de boa-fé, segundo proposta assentada na ética; por sua vez, à luz do direito, é obrigação do homem demitir-se da má-fé.

E assim,

para efeito de penalização e reparação, só se reputa de má-fé aquele que se comportar segundo os standards estabelecidos em numerus clausus nos incisos do art. 17, ou de acordo com as demais normas prevendo outras hipóteses residuais de má-fé processual, esparsamente estabelecidas em outras disposições do Código de Processo Civil.211

Há, ainda por parte de Stoco, o entendimento de que somente o dever de veracidade, quando violado, pode ensejar a respectiva sanção por operar-se a litigância de má-fé, ao passo que a lealdade é apenas uma recomendação, uma vez que não expressa nos incisos do art. 17.212É uma posição doutrinária, que

recomenda mais aprofundada análise para ter conotação absoluta, porquanto a lealdade tem abrangência maior que a presunção ditada pelo autor em evidência. É presumível que a lealdade é um princípio, que se difundiu por cada linha dos tipos que configuram a má-fé processual.

211In STOCO, Rui. Abuso do direito e má-fé processual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

2002, p. 54.

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É possível conceber a ética como a ciência da conduta, valorada na razão prescritiva de atitudes que estejam ajustadas à reta razão. Logo, a ética traduz-se em máximas, preceitos ou até normas que são observadas difusamente por uma coletividade identificada de profissionais, como os médicos, advogados e outros mais, afora servidores públicos federais, estaduais e municipais e empregados na indústria e comércio. Todos têm pautas programáticas de condutas oriundas da ética, como substrato da moral.

Aos advogados impõem-se os preceitos contidos no seu Código de Ética Profissional. Outros da área do direito também o tem, como realça Stoco: “obtempere-se que o comportamento ético ou a ‘ética profissional’ é exigida de todos os atores que compõem o relacionamento intersubjetivo em juízo, atuando nos pólos ativos e passivos da relação processual.”213

Assim, todos os atores processuais deverão observar a ética profissional, sob pena de responderem frente aos Conselhos que participam, ou, em caso de servidores públicos, a submissão dá-se ao estatuto dos servidores públicos. Contudo, observa-se que tais sanções são administrativas e, portanto, não inibem a responsabilidade civil pelos danos causados às partes ou a terceiros, em casos de deslealdade ou atitude antiética produzindo um ilícito, que tenha como elemento subjetivo o dolo ou a culpa. Observa-se que má-fé processual (uma desnaturação da ética) tem previsão processual de sanção a quem age como tal.