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CAPÍTULO 3 – DEONTOLOGIA DO PROCESSO

3.4 DIFERENÇA ENTRE PODER, ÔNUS, DEVER, DIREITOS E OBRIGAÇÕES

3.5.4 A probidade como princípio processual

3.5.4.5 A probidade do Ministério Público

Na forma provável de se compreender o impedimento e suspeição, que se estendem por diversos atores do processo, têm estes seu começo ditado para aplicação aos juízes e, gradativamente, a identificação das prováveis ocorrências. Tais se estendem a quem nos autos exercer função, excetuando naturalmente as partes, que não suspeitas ou impedidas, obrigam-se todavia à verdade, lealdade e boa-fé processual. Seja como for, em tudo há um acentuado cuidado para afastar as situações ilícitas que dissimulem a finalidade do processo, como instrumento de promoção da justiça.296

Diante do quadro erigido a respeito da probidade processual, encaminha-se a definição deste princípio para a confirmação do valor, que deve ser outorgada a honradez por parte de todos aqueles que, de qualquer forma, participem do processo. Não há escusas nem justificativas, pois do juiz ao perito, a integridade moral se ergue em princípio maior da ética processual. Constitui-se, por isso mesmo, em dever inescusável, que a todos obriga o devido acatamento, sob pena de sanções cíveis, penais e administrativas, dependendo do caso e meta processual, dentro da teleologia do processo, que não prescinde da verdade. Esta mesma, como forma de se alcançar o direito e, subsequentemente, a justiça, almejada por todos que laboram com dignidade nos autos processuais.

Recordada, antes, a probidade amplamente exigida, analisa-se agora a condição do Ministério Público frente a este princípio, registrando desde já a peculiar situação que o cerca, posto que lhe é deferida a prerrogativa de agir como parte297 ou atuar, imparcialmente, na condição de custos legis298.

295Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora Vitória, 1978, p. 34.

296Como enfatiza Alcides de Mendonça Lima, “devem ser obstadas, com rigor, interferências de meios

escusos, que venham a deturpar aquele escopo (o fim ético do processo) e, máxime, cercear a plena efetividade da prestação jurisdicional, concretizada, principalmente, na sentença de mérito, para o provimento judicial poder transforma-se em coisa julgada, como símbolo da paz social.” (Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora Vitória, 1978, p. 39)

297CPC, art. 81: “O Ministério Público exercerá o direito de ação nos casos previstos em lei, cabendo-

lhe, no processo, os mesmos poderes e ônus que às partes.”

298CPC, art. 82: “Compete ao Ministério Público intervir: I – nas causas em que há interesses de

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Como parte, oportuno dizer que o Ministério Público não deixa de ser órgão do Estado, com a função específica de exercer o direito de ação para suprir a iniciativa do particular, ou ainda para satisfazer motivo de ordem pública, quando a lei entender pela necessidade da ação independentemente da vontade privada. Contudo, ainda na condição de parte, deve o Ministério Público cuidar pela fiel aplicação da lei, colimando uma sentença justa.299

Nesta diretiva, o Ministério Público deve se imbuir da integridade, abdicando de qualquer afeição, ódio ou interesse300, que são condutas ou sentimentos desfavoráveis a uma judicatura equilibrada, norteada pelos fatos juridicamente apresentados e apta a uma decisão equânime. Caso contrário, movido por ressentimentos, paixões ou vantagens, faltaria ao órgão ministerial tranqüilidade para o relacionamento com a outra parte. São vertentes que justificam a suspeição passível ao Ministério Público, com fulcro no art. 135, incs. I ao IV.301

Prudente anotar, no que concerne à suspeição do Ministério Público, que o interesse (inc. V, do art. 135, do CPC) não esta listado como motivo que o pode inabilitar à condição de parte.

A doutrina, neste particular, é conflitante. Hélio Tornaghi, ressalta que, “quanto ao inciso V, a lei deveria esclarecer que o Ministério Público é também suspeito se interessado no julgamento da causa em favor da parte contrária. A hipótese é possível e ficou fora da previsão legal.”302 Com outra visão, Sergio

Sahione Fadel, relativamente ao possível interesse acometido pelo agente

interdição, casamento, declaração de ausência e disposição de última vontade; III – nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural e nas demais causas em que há interesses públicos evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da partes.” Na seqüência a lei comina de nulidade a ausência do Ministério Público, quando indispensável sua participação, como esta reconhecido pelos artigos citados adiante: “Art. 84. Quando a lei considerar obrigatória a intervenção do Ministério Público, a parte promover-lhe-á a intimação sob pena de nulidade do processo.”; “Art. 246. É nulo o processo, quando o Ministério Público não foi intimado para acompanhar o feito em que deva intervir. Parágrafo único. Se o processo tiver corrido sem conhecimento do Ministério Público, o juiz o anulará a partir do momento em que o órgão devia ter sido intimado.”

299Cf. Giusepe Chiovenda: “Como órgão do interesse público pela atuação da lei, o Ministério Público

deve esforçar-se pela constituição de uma sentença justa.”(Instituições de direito processual civil. Campinhas: Bookseller Editora e Distribuidora, 1998, v. II, p.108).

300Cf. TORNAGHI, Hélio. Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 1976, v. 1, p. 430.

301Para compreensão do tema, cita-se o art. 138 e respectivo inc. I,ambos do CPC, a respeito do

impedimento e suspeição dos juízes, extensivos ao Ministério Público: “Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição: I – ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos caos previstos nos ns. I a IV do art. 135;”

302Cf. Comentários ao código de processo civil. 2. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais,

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ministerial, argumenta que “a única restrição que se dá, é nos casos em que o Ministério Público atua como parte, e em que, por razões óbvias, tem interesse no julgamento a seu favor.”303

Quando o Ministério Público atua como fiscal da lei, os motivos de impedimento e suspeição aplicados aos juízes, são-lhe igualmente aplicáveis, consoante o inc. I , do art. 138, do CPC.

A improbidade também poderá advir do dolo ou fraude, que são incriminações à conduta do Ministério Público, tisnada pelo artifício ou malícia. São tipos de ilícitos expressos na conduta do órgão ministerial, quando no exercício de suas funções tiverem práticas sugestivas da responsabilidade civil pelo dano cometido.

Textualmente, o art. 85 veicula a seguinte responsabilidade civil304: “O órgão

do Ministério Público será civilmente responsável, quando, no exercício de suas funções, proceder com dolo ou fraude.” Primeira ilação da norma é afastar a culpa, pois agentes políticos, como são os juízes e agentes ministeriais, não procede a responsabilidade que não seja a prevista em lei - fraude ou dolo, por estarem estas condições circunscritas em numerus clausus, não comportando ampliação.

A fraude ou o dolo remetem à responsabilidade objetiva da administração, com a possibilidade do prejudicado acionar diretamente o poder público305, que, por

derradeiro, acionará o membro do Ministério Público para a correspondente indenização pela via regressiva.

Quando o faz no sentido de parte, exercendo o direito de ação, submete-se aos ônus e poderes que recaem sobre ela (art. 81). Mais, ainda, a responsabilidade do Ministério Público estende-se quando ele, no exercício das suas funções, procede com dolo ou culpa. Leciona Alcides de Mendonça Lima que “mesmo em

303Código de processo civil comentado, vol. I: Arts. 1º a 443. 4. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Ed.

Forense, 1981, p.277. Transcreve-se, para melhor assimilação do conflito, a doutrina de Pontes de Miranda sobre o tema: “Ao estabelecer o tratamento igual, quanto ao impedimento e à suspeição, à lei refere-se aos juízes, aos órgãos do Ministério Público, ao serventuário, ao perito e assistente técnico e ao intérprete. Mas, no art. 138, I, concernente a órgãos do Ministério Público, há distinção entre os que são partes: se são partes incidem as regras jurídicas do art. 135, I-IV; se operam como fiscal da lei, ou na defesa de interesses de incapazes, estão impedidos ou suspeitos como se fossem juízes ou as outras pessoas apontadas no art. 133, II –IV. Como parte, o órgão do Ministério Público só não está suspeito se é interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.”(Comentários ao código de processo civil. Rio de Janeiro: Forense, 1973, t. II, págs.559/560.)

304NERY JUNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e

legislação processual extravagante em vigor. 9. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 277.

305CF, “Art. 37, § 6º. As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de

serviço público responderão pelos danos que seu agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”

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relação ao Ministério Público, não se deve confundir a responsabilidade civil com a processual: aquela se baseia nos arts. 16 e 85; a última, nos arts. 19 e 29, que tratam das despesas judiciais.”306

Outra obrigação, que não observada converge para a improbidade, reside na questão dos prazos processuais. Os prazos processuais sistematizam a igualdade, como fator de equilíbrio no processo, e uma duração menor ao feito. Inimaginável facultar prazos de conformidade com o desejo de cada demandante, diante da perspectiva subjetiva, pois seria um eterno descontinuar a marcha do processo. Excetuam-se, naturalmente, os casos de força maior ou de justo motivo. Quanto ao mais, válida é a advertência de que

em regra, ninguém deve infringi-los (os prazos), pois isso tumultua os feitos, gera prejuízos aos interessados diretos e desorganiza os serviços forenses. O cumprimento dos prazos pelas partes lhes ocasiona um ônus, pois, se não o fizerem , decorrerá a preclusão e, até, coisa julgada formal ou material, conforme a hipótese concreta.307

O art. 197 do CPC faz remissão ao art. 195, posto que a norma remissiva torna aplicável ao Ministério Público a sanção, que igualmente se inflige ao advogado, por motivo de restituição intempestiva dos autos. A pena se materializa em mandar riscar o juiz, de ofício, o que neles se houver escrito e desentranhar as alegações e documentos que forem apresentados.

Igualmente, o citado dispositivo representado pelo art. 197 do CPC alude ao outro art. 196, pelo qual a licitude da cobrança dos autos acarreta, aquele que não os devolver no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, as sanções de não mais ter a vista dos autos fora de cartório, além de sujeitar-se à multa correspondente à metade do salário mínimo vigente na sede do juízo.

Frisa-se, ademais, quanto as sanções advindas pelo irregular exercício das funções do Ministério Público, que se torna irrelevante a condição de parte ou de fiscal da lei, pois o interesse justifica-se pelo fato em si mesmo, não sendo relevante se na ocasião o órgão ministerial defende o interesse de certas pessoas ou entidades (art. 81) ou a ordem legal (art. 82).

306Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora Vitória, 1978, p. 36.

307MENDONÇA LIMA, Alcides. Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora

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