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CAPÍTULO 4 – PRESSUPOSTOS DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

4.2 A CONDIÇÃO DE PARTE E INTERVENIENTE

4.2.1 Parte processual

A ação, como direito subjetivo público de invocar a proteção do Estado-juiz, pressupõe a iniciativa de um ente, o agente, que exerce o direito de ação ou a prerrogativa de agir em busca do amparo jurídico. Subseqüentemente, esta ação incita a jurisdição, que atua por meio de um processo e o agente transmuda-se em parte processual, porque terá tido a iniciativa da propositura da demanda contra uma outra pessoa, que violara seu direito subjetivo.

É assimilável que ação, jurisdição e processo representem o acontecimento primordial na solução dos conflitos de interesses, que se dão na ordem sucessiva da

313Cfr. Intervenção de Terceiros de Cândido Rangel Dinamarco, págs. 16/18; Intervenção de

Terceiros de Atho Gusmão Carneiro, págs. 3/28; Elementos de Teoria Geral do Processo de José Eduardo Carreira Alvim, págs. 162/164; Teoria Geral do Processo de Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes, págs. 134/142; Instituições de Direito Processual Civil, Giusepe Chiovenda, v.II, págs. 277/290 (ns. 214 e segs.); Instituições de Direito Processual Civil, José Frederico Marques, v. II, págs 132/135 (ns. 338 e segs.); Direito Processual Civil Brasileiro, A.A. Lopes da Costa, págs. 346/381 (ns. 411 e segs.); Teoria do Processo Civil, João Monteiro, v. I,págs. 209/228 ( §§ 52 e segs.); Curso de Direito Processual Civil, Gabriel Rezende Filho, v. 1, págs. 220/228 (ns. 246 e segs.); Instituições de Direito Processual Civil, Cândido Rangel Dinamarco, v. II, págs. 246/291 (ns. 520 e segs.); Curso Avançado de Processo Civil, Luiz Rodrigues Wamvbier (coordenador), págs. 217/220; Curso de Direito Processual Civil, Humberto Theodoro Júnior, v. I, págs. 84/92, (ns.66 e segs.).

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fórmula seguinte: “a ação provoca a jurisdição, que se exerce através de atos complexos que é o processo”314

Enfatizando a trilogia da ação, jurisdição e processo, Fernando Luso Soares destaca que,

ao conceito de processo como relação jurídica, corresponde efectivamente a contraposição funcional do direito de acção e do poder de jurisdição, um ao outro e vice-versa. A jurisdição é a potestade de fazer justiça enquanto a acção é o direito de pedir justiça (sic)315.

Em outra abalizada doutrina, diz-se que “estes três conceitos – jurisdição,

ação e processo – mantêm entre si a mais estreita ligação e estão de tal forma inter-

relacionados que um não pode sequer ser concebido sem a existência do outro.”316

E prossegue José Eduardo Carreira Alvim:

Assim, sem a jurisdição, não haveria que falar em direito de ação, pois não haveria um juiz a quem se dirigir; e muito menos em processo, que é o instrumento formal da jurisdição. Sem o direito de ação, a jurisdição não passaria de uma função inerte e não seria necessário o processo. Sem o processo, não haveria atividade jurisdicional, porque o processo é o instrumento da jurisdição, e não haveria lugar para o direito de ação. Como se vê, o direito de ação põe em movimento a jurisdição. Na medida em que o autor exerce o direito de ação, tem direito a uma resposta do juiz (jurisdição), através de um instrumento técnico.317

4.2.1.1 Parte – motriz do processo

A ênfase dada ao trinômio constituído pela ação, jurisdição e processo se justifica em razão do estudo que se faz, agora, voltado para bem identificar o elemento parte, porque é a parte ou são as partes processuais as responsáveis por todo o impulso da justiça e a razão de ser da atividade processual e jurisdicional.

Recorre-se aos termos ação, jurisdição e processo para conceber a importância do vocábulo parte, mas, observa-se que, já no art. 2º do CPC, está previsto que “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais”. Deduz-se, pois, que o juiz, agente político da jurisdição, tem inércia eqüidistante dos fatos, até que seja

314Cfr. Amaral Santos, Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, v. 1, p. 149. 315 In Direito Processual Civil, p.s.134/135.

316 In Elementos de Teoria Geral do Processo, de José Eduardo Carreira Alvim, págs. 57. 317 In op. cit., págs. 57/58.

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requisitado a proferir manifestação jurisdicional, o que sucede quando a parte exercita o seu direito de ação. Por isso, é importante não desmerecer o conceito de ação, jurisdição e processo, pois todos voltam-se para as partes processuais. São a ação, a jurisdição e o processo instrumentos jurisdicionais (ou do poder estatal) postos à disposição do cidadão ou do jurisdicionado, para resguardo da sua tutela subjetiva.

A propósito,

o conceito de parte entronca-se no conceito de processo e da relação processual (...) A ideia de parte é ministrada, portanto, pela própria lide, pela relação processual, pela demanda; não é necessário rebuscá-la fora da lide e, especialmente, na relação substancial (ou material) que é objeto da controvérsia.318

Sem as partes não haverá a ação, pois partes, pedido e causa de pedir constituem a estrutura de uma ação. A jurisdição representa a salvaguarda dos direitos, mas somente se manifesta quando invocada pelas partes e o processo é o meio pelo qual a justiça exerce suas funções, sem falar no significado da relação jurídica que lhe é peculiar, igualmente constituída pelas partes, bem como do juiz.

Por isso introduziu-se a temática da parte, falando-se da ação, jurisdição e processo, pois “o conceito de partes é de sumo interesse para o Direito Processual, visto que constitui um dos elementos integrantes do processo”.319

A má-fé processual – tema central deste trabalho – é introduzida no CPC pelos deveres que têm as partes e todos aqueles que, de qualquer forma, participam do processo de zelar pela veracidade e boa-fé, de forma a não insistirem em pretensões, provas e fatos desprovidos de autenticidade (art. 14 e incisos, do CPC).

Além disso, é responsabilizado por perdas e danos aquele que pleitear de má-fé como autor, réu ou interveniente, de sorte que todas estas figuras podem representar as partes processuais no sentido lato – fato que justifica o desdobramento do que seja parte processual, da sua importância e constituição.

318In Instituições de Direito Processual Civil, de Giuseppe Chiovenda, v. 2, págs. 278/279 319Ibid., p. 132.

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4.2.1.2 O conceito de parte processual

Com este intróito, veja-se que, etimologicamente, parte pode constituir uma porção de um todo ou aquele que participa de algo (parte, partícipe, participante).320

Se esta ideia for estendida à questão processual, encontrar-se-á nela a essência daquilo que seja parte e do que possa ser um terceiro interveniente.

Percebe-se que parte, como porção de uma unidade ou de um todo, é genuinamente a parte processual, que titula uma lide e encontra na outra parte, sua opositora, a outra porção – ambas constituem, ao final, a unidade processual, precedida pela existência de uma lide onde controvertem as duas partes ( ou frações) do conflito instaurado. São estas as verdadeiras partes processuais, pois “apenas as pessoas que tomam parte no processo como elementos componentes da controvérsia deverão ser designadas como partes”.321

Já os partícipes ou os que tomam parte em um processo, que não são titulares de um conflito de interesses, têm um sentimento abstrato, uma vez que ingressam no litígio como terceiros intervenientes, por cautela e auxílio a um dos litigantes, uma vez que o conflito alheio pode indiretamente os atingir.

Na temática enfocada, partes são os titulares de um conflito de interesses, aos quais a doutrina processual designa muitas vezes por partes principais. Já os “demais figurantes da relação processual que, embora não integrantes da lide, participam também do processo, denominam-se de terceiros”322, terceiros intervenientes, igualmente denominados de “partes secundárias ou acessórias”323.

Vejamos:

quando se busca determinar o conceito de parte, é que se está a tratar de um conceito eminentemente processual. É um conceito técnico empregado pela ciência do processo para definir um fenômeno processual. Disso resulta ser impróprio tratarem-se questões de direito material empregando- se, inadequadamente, o conceito de parte.324

320Cfr. Dicionário Eletrônico Houaiss da Língua Portuguesa 1.0, verbete: parte. Dicionário Aurélio –

Século XXI, verbete: parte.

321 In Teoria Geral do Processo de Ovídio A. Baptista da Silva e Fábio Gomes, p. 135. 322 In Curso de Processo Civil, de Ovídio A. Baptista da Silva, v. 1, p. 239

323 In Curso de Processo Civil, loc. cit. 324 Ibid., p. 236.

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Conseqüentemente, identificada a existência de uma relação ou de um conflito que a esta subjaz, pode-se conferir as afinidades que os conceitos de parte encerram na óptica de diversos processualistas.

Assim, Chiovenda entrelaçou lide, relação processual e demanda ,produzindo o conceito de parte, como sendo “aquele que demanda (pede) em seu próprio nome (ou em cujo nome é demandado - pedido) a atuação duma vontade da lei, e aquele em face de quem esta atuação é demandada.”325 Realçou, também, em sua obra, que não era necessário buscar o conceito de parte fora da lide e muito menos na relação de direito material controvertida, evidenciando, como dito antes, o caráter processual do conceito de parte. Por sua vez, elucidou a sua opção de conceituar parte em face do outro e não contra o outro, porquanto nem sempre os interesses são antagônicos e sim convergentes. Logo, inexiste, contra o qual, mas em face do qual, por ausência de um verdadeiro conflito de interesses, como ocorre com os processos de divisão, demarcação e nos declaratórios. Em tais ações, as partes têm interesses comuns e desejam – v.g. - que ocorra a divisão, a demarcação ou lhes seja deferida a declaração de existência ou inexistência de relação jurídica.

Com prudência, A. A. Lopes da Costa explana que

o juízo exige no mínimo um autor e um réu. De regra o interesse do primeiro é satisfeito com o sacrifício do interesse do segundo, como é, por exemplo, característico o caso das ações condenatórias. Aqui o autor age contra o réu. Algumas vezes, porém, os dois interesses não entram em conflito, mas se conciliam. Apenas não é possível modificar-se a situação jurídica do autor sem que ao mesmo tempo, pela natureza das coisas, se altere também a do réu. Assim sucede nas ações de divisão de coisa comum, como na partilha e na divisão de terras. Aqui o autor age apenas em face do réu. A sentença produz o mesmo efeito para ambos. A esse tipo de sentença um processualista chamou sentença bilateral.326

As definições guardam sintonia com aquela anunciada por Chiovenda, repetida por Gabriel Rezende Filho e A. A. Lopes da Costa. Mesmo assim, para ficar

325In Instituições de Direito Processual Civil, v. 2, p. 279. Repetem-na A.A. Lopes da Costa , in Direito

Processual Civil Brasileiro, v.I, p. 222, e Gabriel Rezende Filho, in Direito Processual Civil Brasileiro, v. I, p. 350.

326In Direito Processual Civil Brasileiro, v. I, págs. 349/350. Cfr. Gabriel Rezende Filho, na obra Curso

de Direito Processual Civil, p. 222: “O mestre italiano (referindo-se a Chiovenda) observa que o autor nem sempre pede a atuação de uma vontade da lei contra o réu, isto é, para excluir o direito do réu, pois casos há em que o réu tem tanto interesse quanto o autor em que a lei seja atuada no caso sub judice, sem existir divergência entre ambos”. Do mesmo modo Moacyr Amaral Santos, in Primeiras Linhas de Direito Processual Civil, 1º v., p.351: “Entretanto, a providência jurisdicional pedida pode não ser propriamente contra, mas apenas em relação ou em face do réu. É o que se dá nas ações meramente declaratórias ou nas constitutivas, em que se pede uma providência, vale dizer, uma sentença em face do réu.”

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patenteada harmonia entre conceituações, transcreve-se Amaral Santos, para o qual partes,

no sentido processual, são as pessoas que pedem ou em relação às quais se pede a tutela jurisdicional. Podem ser, e geralmente são, sujeitos da relação jurídica substancial, mas esta circunstância não as caracteriza, porquanto nem sempre são sujeitos dessa relação.327

Esta perspectiva da propositura de uma ação em face do qual ou contra o qual, evoca o conceito de partes proposto por Pontes de Miranda, transcrito a seguir:

Partes são os pólos ativo e passivo da relação jurídica processual em ângulo, ou da relação jurídica processual em linhas, convergindo para o Estado, como se dá na pluralidade subjetiva das ações em ângulo. Ou está o autor, simplesmente, em linha reta, sem angularidade. Dizer-se, por exemplo, que toda relação jurídica processual supõe sujeito ativo e sujeito passivo, é por-se de lado qualquer caso em que as partes acordam em ir a juízo pedir outra coisa que a condenação, ou outra coisa que a coerção

subjetiva.328

Por isso, Chiovenda resguarda o seu conceito com dupla possibilidade de estarem as partes em lide, demandando o autor contra o réu, ou pretendendo uma única providência comum a ambas as partes. O mesmo fez Pontes de Miranda com a angularidade e a linearidade das relações, que correspondem a uma divergência de pretensões ou convergência de intenções.