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A incorreção das partes no código de processo civil de 1939

CAPÍTULO 2 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA VERDADE PROCESSUAL

2.11 O PROCESSO DA CONSTITUIÇÃO DE 1934 PARA O PRESENTE

2.11.1 A incorreção das partes no código de processo civil de 1939

Sabe-se que no ano de 1939, outros conceitos e valores interagiam com o direito e refletiam no processo. Predominava a ideia de que a parte, por ter a titularidade do direito de ação, desta podia dispor, como lhe aprouvesse. Por isso mesmo, a resistência a impedir desídias processuais ou deslealdades dos litigantes. É oportuno ressaltar, com fundamento nas ideias de 1939, que a ação era um direito e o seu desiderato o processo, de sorte que seria um entrave ao preconizado acesso à justiça, instituir sanções ao exercício do direito de ação, ou, ainda, pressupor eivada de má-fé uma pretensão dedudizada por um dos demandantes.

Como destaca Jorge Americano,

ação, objetivamente considerada, é a provocação ao Poder Judiciário para se alcançar, pela aplicação da lei, o reconhecimento do direito subjetivo, sua satisfação, quando, insatisfeito, ou reintegração, quando violado”, enquanto o “processo (ou ação formalmente considerada) é o modo prático dessa provocação”, e o “CPC o conjunto sistemático das leis do Processo Civil.156

A ação pressupõe diversos sentidos ou acepções, para se concluir com o processo do qual ela se revestirá, com o fim de produzir os resultados almejados

154 In Primeiras linhas…., v. 1, p. 52.

155Manual de direito processual civil – teoria geral do processo civil, 5ª. ed.,v. I, São Paulo: Saraiva,

1977, p. 53/54, n. 42.

156AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código do Processo Civil do Brasil (Decreto-Lei n. 1.608 de

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pelo seu agente, o autor dela. Senão, veja-se: a) (caráter subjetivo) a ação tem um caráter subjetivo, bastante particular àquele que a intenta, pois mescla o direito a postular com o próprio exercício do direito individual, por parte daquele que aspira à integração ou proteção a um bem próprio; b) (caráter objetivo) igualmente, sucede- lhe uma objetividade, quando se dá a provocação da justiça, para proferir com fundamento na lei, o direito aplicável ao caso concreto; c) (caráter formal) por derradeiro, a ação tem uma característica formal ou processual, que é a exteriorização da pretensão em consonância com a lei processual ou judiciária. 157

A ação, é possível defini-la a partir de uma faculdade, conferida ao sujeito de um direito subjetivo, assegurado pelo ordenamento positivo, que encontra suporte num interesse legítimo, pelo qual se encontra habilitado a buscar a inteireza do seu direito, por meio de um processo. O processo, por sua vez, é o aspecto exterior da ação, sob o qual a autoridade judicante assegura à parte a proteção ao seu direito violado. 158

Mas o exercício do direito de ação pode ser abusivo. Desse modo, quando se fala no Código de Processo Civil de 1939, o abuso do direito sugere algumas generalidades, para o melhor encaminhamento da incorreta conduta das partes.

Assim, abusa do direito do qual se encontra investido, o agente que o exerce desviando-o dos seus fins sociais e econômicos, ou orientando-o para uma prática, que embora perpetrada sob o pálio da legalidade, tenha no seu âmago intenção nefasta ou prenuncie má-fé. Como realça Jorge Americano, “o abuso de direito, espécie de ato ilícito, acoberta-se formalmente no exercício de um direito do agente. Quando o ato ilícito não se acoberta por tal modo, constitui apenas o gênero, sem características especiais.”159

A coexistência de elementos injustos é uma forma de caracterização do dano. Assim, é incindível do conceito de abuso do direito, o excesso no exercício de um direito subjetivo. Ademais, que este excesso produza uma ilegitimidade quanto ao

157Cf. Jorge Americano, op. cit.,p.12.

158Id. P.P. 12/3 e 14: “....RESULTA , em resumo, que a ação, como direito em estado potencial,

facultas agendi, assegurada pela lei substantiva, autoriza, pela ratio agendi, a provocação ao reconhecimento e satisfação efetiva, como seu objetivo, por meio do processo” .“...sob o aspecto formal a ação é o processo, e se define como o meio dado pela lei para alcançar da autoridade judiciária o reconhecimento, a proteção ou a integração do direito ameaçado, contestado, negado ou violado”.

159AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código do Processo Civil do Brasil (Decreto-Lei n. 1.608 de

18 de setembro de 1939). 2. ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1958, p. 18. OBS:verificar número da página.

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agente que assim procedeu, diante da modalidade exercida. E, por último, que o excesso, enfatizado pela ilegitimidade, acarrete uma lesão.

Além disso, identifica o abuso do direito, quando a “norma jurídica é invocada para justificar a forma danosa do exercício de um direito que, não deva, normalmente, no seu exercício necessário, causar dano”. 160

A doutrina reconhece que no exercício da demanda, há imensa possibilidade do abuso do direito ser perpetrado intrinsecamente à ação. Veja-se que o exercício do direito de ação é ato assegurado constitucionalmente. Contudo, submeter-se o agente aos requisitos que este ato exige e fazê-lo acatar as normas procedimentais é imperioso, para não incorrer, aquele que descumpre tais preceitos, em abuso do direito no exercício da demanda. O Poder Judiciário não deve coonestar condutas capciosas, que, à sorrelfa, estão abusivamente condenando a regularidade no exercício do direito de ação.161

Postas as linhas gerais da ação no Código de Processo Civil de 1939, avalia- se que a incorreção das partes,162 dava-se, em um primeiro momento, pelo exercício

abusivo do direito de demandar, sendo certo que o art. 3º do CPC de 1939, responsabilizava por perdas e danos a ação promovida por “espírito de emulação, mero capricho ou erro grosseiro”. Por sua vez, também caracterizava idêntica conduta o réu que, no exercício do direito de defesa, opusesse “maliciosamente, resistência injustificada ao andamento do processo”(parágrafo único do art. 3º, do mesmo Código).

Como elucida José Carlos Barbosa Moreira, “o conceito genérico a que se reportava a lei era, portanto, o abuso de direito, desdobrado em duas modalidades

160AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código do Processo Civil do Brasil (Decreto-Lei n. 1.608 de

18 de setembro de 1939). 2. ed. São Paulo: Edição Saraiva, 1958, p. 18. OBS. v. n. páginas

161Cf. Jorge Americano, “o abuso do direito encontra campo fértil no exercício da demanda. Se a

quantos pretendem resolver uma controvérsia é lícito, em tese exercer o direito de ação, sujeita-se esse exercício a certos requisitos, sem os quais pode dizer-se em tese, que há abuso de direito no exercício da demanda. É que o poder judiciário não deve ser convertido em instrumento de opressão, ao capricho de interesses individuais ilegítimos.” (p. 19). OBS. v. n. páginas

162MOREIRA, José Carlos Barbosa, em artigo publicado na Revista de Processo n. 10, sob o título de

a Responsabilidade das partes por dano processual, esclarece que “a propósito da conduta das partes, pode falar-se de ‘incorreção’ com referência: a)ao conteúdo das alegações por elas feitas em juízo; b) à forma por que atuam no processo, pessoalmente ou através de seus procuradores”(p. 16). Averba-se que conteúdo relaciona-se com o dever de veracidade; a forma, com o respeito às normas processuais, à jurisdição e ao direito do opositor (respeito à regras do jogo).

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específicas: o abuso do direito de demandar (direito de ação em sentido estrito), por parte do autor, e o abuso do direito de defesa, por parte do réu.” 163

Esclarece, ainda, o mesmo autor, que a responsabilidade da parte que tivesse comportamento incorreto era apurado em ação autônoma, consoante o entendimento vigente da época.

Mas, não era somente o abuso do direito de ação ou de defesa que acarretavam a responsabilidade de quem agisse dessa forma. O art. 63, do CPC de 1939, consignava, sem prejuízo do disposto no art. 3º, a condenação da parte vencida nas custas processuais e honorários, quando ela houvesse alterado intencionalmente a verdade dos fatos ou agido de forma temerária. O parágrafo primeiro do citado artigo impunha ao vencedor o dever de pagar à parte contrária as despesas que houvesse dado causa, pela provocação de incidentes ou atos processuais infundados. O parágrafo subseqüente, - segundo -, agravava a responsabilidade do vencedor ou vencido que tivesse procedido com dolo, fraude, violência ou simulação, condenando-os ao pagamento do décuplo das custas. Anotou, por fim, Barbosa Moreira, que “as sanções de que cuidava o art. 63 eram imponíveis, como se vê, pelo próprio órgão perante o qual se desse a incorreção da conduta.”164

Observa-se, por ser oportuno, que os tipos censórios do art. 63, estendiam-se ou eram aplicados a outras seções do CPC de 39, como se deduz pelo art. 688, inserto no Título I, que tratava Das Medidas Preventivas, do Livro V – Dos Processos Acessórios. Neste dispositivo, estava prescrita a responsabilidade do vencido, devidamente regulada pelos arts. 63 e 64. Do mesmo modo, a malícia ou o erro grosseiro de quem interpusesse medida preventiva, acarretava a responsabilidade pelos prejuízos causados (parágrafo único do art. 688, do CPC de 39).

Critica-se a sistemática de responsabilizar a parte por incorreções, pois “não era das mais primorosas e a falta de melhor articulação entre as várias regras tornou-se sobremodo gritante por força de alteração superveniente.”165

Assim, vê-se que redação original do art. 64 do CPC, obrigava o pagamento de honorários advocatícios quando o réu fosse condenado em ação aforada por dolo ou culpa contratual ou extracontratual. Consequentemente, os termos do art.

163Artigo mencionado, p. 21

164MOREIRA, José Carlos Barbosa. Responsabilidade das partes por dano processual. Revista de

Processo, São Paulo, n. 10, abril a junho de 1978, p. 21.

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64, não conflitavam com os do art. 63, que tratava das sanções por práticas processuais desleais, sendo certo que a condenação em honorários advocatícios seria uma decorrência de “comportamentos processual incorreto” (dolo) ou em razão de um “ilícito material” (culpa contratual ou extracontratual), reconhecido por sentença judicial, na forma como consagrou a redação primitiva do art. 64 do CPC de 1939.166

Como destaca Barbosa Moreira “a condenação da verba honorária decorria

ou da prática de algum dos ilícitos processuais mencionados no art. 63, caput, ou

da prática de ilícito material nos termos do art. 64. Entretanto, a Lei 4.632, de 18.05.1965, deu a este nova redação, para fazer sempre obrigatória a condenação do vencido ao pagamento dos honorários do advogado do vencedor, postas de lado quaisquer indagações de ordem subjetiva; isto é: adotou o princípio da ‘mera sucumbência’ como pressuposto bastante da condenação em honorários”.167

A conseqüência imediata da mera sucumbência é que, por não ter sido alterado o final do caput do art. 63 do CPC/39,168 tornou-se sem nenhuma utilidade

prática a condenação em honorários advocatícios por incorreção de conduta da parte, uma vez que bastava o insucesso da demanda para sobrevir a condenação na verba honorária. Sendo assim, o que era uma exceção, como a condenação em

166Para que fique bastante clara a ideia manifestada, vejam-se os artigos em evidência, nos termos

das respectivas redações originais: “Art. 63. Sem prejuízo do disposto no art. 3º ., a parte vencida, que tiver alterado, intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocando incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários do advogado. § 1º. Quando, não obstante vencedora, a parte se tiver conduzido de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo, o juiz deverá condená-la a pagar à parte contrária as despesas a que houver dado causa.§2º . Quando a parte, vencedora ou vencida, tiver procedido com dolo, fraude, violência ou simulação, será condenada a pagar o décuplo das custas. §3º . Se a temeridade ou malícia for imputável ao procurador o juiz levará o caso ao conhecimento do Conselho local da Ordem dos Advogados do Brasil, sem prejuízo do disposto no parágrafo anterior. Art. 64.Quando a ação resultar de dolo ou culpa, contratual ou extra-contratual, a sentença que a julgar procedente condenará o réu ao pagamento dos honorários do advogado da parte contrária.”

167MOREIRA, José Carlos Barbosa. Responsabilidade das partes por dano processual. Revista de

Processo, São Paulo, n. 10, abril a junho de 1978, p. 21. Vem a calhar a transcrição do art. 64, do CPC, com a redação que lhe deu a Lei . 4.632, de 18.05.1965, verbis: “Art. 64. A sentença final na causa condenará a parte vencida ao pagamento dos honorários do advogado da parte vencida, observado, no que for aplicável, o disposto no art. 55. §1º.Os honorários serão fixados na própria sentença, que os arbitrará com moderação e motivadamente. §2º. Se a sentença se basear em fato ou direito superveniente, o juiz levará em conta essa circunstância para o efeito da condenação nas custas e nos honorários.”

168“CPC: Art. 63 – Sem prejuízo do disposto no art. 3º, a parte vencida, que tiver alterado

intencionalmente, a verdade, ou se houver conduzido de modo temerário no curso da lide, provocado incidentes manifestamente infundados, será condenada a reembolsar à vencedora as custas do processo e os honorários advocatícios”.

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honorários, motivada pela má conduta da parte ou ilícito material, passou a ser uma prática usual, fundamentada apenas na sucumbência.