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Dominação e poder – pressupostos da legitimação

CAPÍTULO 4 – PRESSUPOSTOS DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

4.3 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS RELACIONADOS COM AS PARTES:

4.3.2 Dominação e poder – pressupostos da legitimação

A expressão legitimidade evoca outros termos que convergem para uma melhor compreensão deste fenômeno, o qual, por assim dizer, não se encerra apenas no estudo do Direito, como se pronunciou antes. Desse modo, termos como dominação e obediência são paradigmas da legitimidade, e a inteligência de ambos mostrará, mais adiante, como o advogado tem o poder e a dominação da ciência processual no exercício da postulação. Está, pois, legitimado ao exercício do jus

postulandi.

Poder é a possibilidade de impor; de impor-se numa relação social. Com propriedade, Max Weber conceitua poder como “toda a possibilidade de impor a própria vontade numa relação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”.336 Do conceito é destacável a imposição e autoridade da própria vontade, mesmo que haja reação.

Por sua vez, o verbete dominação refere-se à aceitação de uma ordem ou de um mandado, ao passo que disciplina é a submissão inconteste da ordem. Igualmente, em Max Weber tem-se que,

dominação é a probabilidade de encontrar obediência a uma ordem de determinado conteúdo, entre determinadas pessoas indicáveis; disciplina é a probabilidade de encontrar obediência pronta, automática e esquemática

334Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Ed. Revista dos Tribunais,

1979, p. 6

335Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro, loc. cit.

336In Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva, 3. ed. Brasília, DF: Editora

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a uma ordem, entre uma pluralidade indicável de pessoas, em virtude de atividades treinadas.337

Numa síntese, é possível correlacionar poder à imposição; dominação com obediência e disciplina à aceitação de plano da ordem. Destarte, instituídos os mecanismos pelos quais o poder, a dominação e a disciplina atuam, procede dizer que certamente haverá um quadro administrativo ou uma associação, onde este sistema deva atuar. O processo é um sistema de manifestação ou reconhecimento do direito, onde multiplicam-se as relações de poder e dominação, sustentada na crença de uma legalidade, que a tudo aduz legitimidade.

Assim, haverá por certo uma associação de dominação “na medida em que seus membros, como tais, estejam submetidos a relação de dominação em virtude da ordem vigente”338.

O Estado é uma associação de dominação que tem um caráter político, tanto que na sua base geográfica suas ordens são acatadas ou garantidas mediante uma ameaça de coação física. Contudo, na atualidade, o Estado submete-se a um ordenamento administrativo e jurídico, com alternância de ordens, pelas quais são orientados o funcionamento da ação associativa realizada pelo quadro administrativo339 , que deve se estender sobre todo o território dominado, sendo de

realçar que a coação física somente se legitima quando o ordenamento estatal permitir ou instituí-la.

O que deve ser analisado nesse momento é como pode a dominação nesse momento suster-se, pois se é certo que a dominação sugere obediência a um ordem, certo é que somente a dominação sem outros valores não prospera. À guisa de esclarecimento, governos são destituídos, mesmo com imenso aparato estatal que sustenta a dominação. Conseqüentemente, a dominação pressupõe um complemento, que a faça apta produzir resultados, pois, do contrário, não se manterá.

A dominação reside em uma relação pela qual é observada a obediência, que dá relevo ao substrato da própria dominação. É possível que a obediência seja até involuntária ou, quiçá, acentuadamente racional, mas, seja como for, há que prosperar um mínimo de vontade de obedecer, ou, “certo mínimo de vontade de

337 In Economia e sociedade, loc. cit. 338 Ibid., p. 34.

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obedecer, isto é, interesse (externo ou interno) na obediência, faz parte de toda a relação autêntica de dominação.”340

A vontade mínima de obedecer prende-se a outro valor, como se verá. Por ora, registra-se que os meios econômicos não serão o suficiente, como meio ou fim da dominação. Ademais, como a relação de dominação não se esgota em si mesma, conforme já fora dito, deverá existir um complemento que a fortaleça e este não esteja assentado em valores meramente materiais, afetivos ou racionais.

Qualquer modalidade de dominação consolidar-se-á com a legitimidade, donde se deduz que a dominação não se sustenta sem atributos, mas como ação legítima, que se estabelece entre dominante e dominado.341

Chega-se à conclusão que a dominação pressupõe uma legitimidade, dando- lhe o devido suporte à sua eficácia, sendo da indicação de Max Weber três tipos puros de dominação legítima342, a saber:

a) A dominação legítima de caráter racional, que está fundamentada na crença da legitimidade das ordens instituídas, do direito vigente e da autoridade investida para executá-lo ou, ainda, para exercer a dominação. Aqui, rege a dominação estatutos, que contém ordens impessoais, objetivas e administradas por superiores, que os próprios atos indicam.

b)Também ocorre a dominação legítima de caráter tradicional, quando a crença se volta para as tradições como verdadeiros preceitos religiosos desde sempre, sendo obedecido o senhor a quem a tradição indicar, por força dos hábitos e costumes desta fé.

c)Ainda sucede a dominação legítima carismática, que provém do enlevamento que certas pessoas provocam em outras e, mercê desse sentimento, se processa a dominação. São exemplos as figuras santificadas, heróis e outros de conduta exemplar, que inspiram admiração e obediência ao líder investido de tais qualidades ou singulares valores.

Como se vê, a crença ou a fé na legitimidade da pessoa ou da lei, fazem-na submeter-se ao processo de dominação acreditando naquele poder como

340Ibid., p. 139.

341Cf. Max Weber, “conforme ensina a experiência, nenhuma dominação contenta-se voluntariamente

com motivos puramente materiais ou afetivos ou racionais referentes a valores, como possibilidades de sua persistência. Todas procuram despertar e cultivar a crença em sua ‘legitimidade’. Dependendo da natureza da legitimidade pretendida diferem tipo de obediência e do quadro administrativo destinado a garanti-la, bem como o caráter do exercício da dominação . E também, com isso, seus efeitos.”(p. 139).

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legitimado ou próprio, para produzir o melhor em prol da coletividade ou de um sujeito. Do geral para o particular, a convicção de que a justiça está articulada em um sistema de legalidade e resultados pacificadores, produz a legitimidade para o processamento e julgamento de lides, com a submissão de seus resultados a quem exorar sua atuação.