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CAPÍTULO 3 – DEONTOLOGIA DO PROCESSO

3.4 DIFERENÇA ENTRE PODER, ÔNUS, DEVER, DIREITOS E OBRIGAÇÕES

3.5.4 A probidade como princípio processual

3.5.4.2 A dimensão da probidade no processo civil

A moral surge naturalmente. Um sentimento que emerge do âmago da pessoa e se faz notar nas mais singelas manifestações sociais, regras naturalmente acatadas, ainda que desprovidas de quaisquer sanções. Lembrem-se da gratidão, da cortesia, da urbanidade, da educação, do respeito e de tantas outra práticas sociais278, indissociáveis da natureza humana e que por isso mesmo fazem do homem um ser mais sensível que os outros seres – talvez tudo seja resultado da razão, que o faz conciliar-se com os demais para ter uma vida social bastante civilizada e com hábitos sociais polidos.

É vasto o campo da moral, como também tem abrangência o ordenamento jurídico. As duas classes de normas se encontram e se desencontram, tanto pela semelhança quanto pela dessemelhança. Em comum têm um reconhecimento coletivo, procedência idêntica, ideário ético similar; convergem – moral e direito – para o bem-estar individual e social.

Algumas dissimilitudes indicam que o campo da moral é maior que o do direito; por sua vez, o direito impõe-se pela coação, enquanto a moral e incoercível. A moral justifica-se como formulário para afastar o mal e propiciar a prática do bem, já o direito visa a integridade física, moral e patrimonial de outrem; a primeira se interioriza em termos psíquicos; ao passo que o segundo se consuma por atos ou até mesmo omissões, que produzem resultado no mundo físico. O direito é

278Cf. MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. 16. ed., rev. e atual. São Paulo:

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demarcado, sabe-se da sua existência, por anúncios oficiais, de sorte que a dogmática possa imperar, mas o mesmo não sucede com a moral, que, compreensivelmente manifesta-se difusa.279

Estes enunciados atestam que sedes da moral e do direito são distintas, contudo, aqui e acolá se entrelaçam as duas categorias de ordens, dando a certeza de que as normas morais transformam-se no direito positivo. Afirmativamente, a norma moral oferece substrato ao direito280.

Instituído o direito, como razão do processo evolutivo e racional do homem, há que se ter a solução para as possíveis violações que este direito venha a sofrer. Desta maneira, o estado por meio de seus procedimentos sucessivos e principiológicos instituiu o processo, como meio de reparar a ilegalidade sofrida pelo lesado e obter a almejada justiça, porque a defesa privada foi banida da permissiva modalidade de defesa da integridade da pessoa.

Sucede, então, a necessidade de um processo revestido da ética, pois na busca de restaurar a ordem primária desrespeitada, havia originariamente uma ética também desacatada, porque na essência da norma há, como visto, a moral. Consequentemente,

o processo não é um meio isolado, mas, junto com o direito material, forma o complexo da ordem jurídica , em sua unidade e em seus fins. Como integrante deste conjunto, todo ele sob a égide moral, o processo não pode permitir que os elementos que nele atuem, em qualquer modo, ajam fora dos limites da probidade, quer por atos comissivos, como omissivos.281 Mas, indo aos primórdios, na esteira do ensinamento de Eduardo J. Couture, recorda-se do processo antigo, com forte componente religioso e moral, que

279Ibid., p. 3.

280PEREIRA, Cario Mário da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Forense, 1982, v. I, p.

10: “As ações humanas interessam o direito ao direito, mas nem sempre. Quando são impostas ou proibidas, encontram sanção no ordenamento jurídico. São as normas jurídicas, são os princípios de direito. Quando se cumprem ou se descumprem sem que este interfira, vão buscar sanção no foro íntimo, no foro da consciência, até onde não chega a força cogente do Estado. É, porém, certo que o princípio moral envolve norma jurídica, podendo-se dizer que, geralmente, a ação juridicamente condenável o é também pela moral. Mas a coincidência não é absoluta.” Com idêntico raciocínio MENDONÇA LIMA, Alcides. Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora Vitória, 1978, p. 12, corrobora que “toda regra de direito está situada dentro da área moral, que é a maior, mas as regras de moral não se acham contidas dentro da área do direito, que é a menor. Por conseguinte, não se pode imaginar uma ordem jurídica, como criação do homem, que não tenha fundamento moral. Mas há preceitos morais que não se revelam em normas jurídicas, concretizando disposições legais, não sendo assim, impostas coercitivamente pelo Estado, para valerem, apenas, conforme a consciência de cada um.”

281MENDONÇA LIMA, Alcides. Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora

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estigmatizava com sanções pesadas o perjúrio, quando constatada a falta da verdade pela parte processual. Sobreveio o processo moderno que atenuou a veracidade processual, com dois procedimentos bastante claros quanto a este intuito. O primeiro deles pela razão de ser dispensável expressamente a normatização dos princípios éticos, uma vez que implicitamente deduzidos. No segundo, abolia-se o princípio por se considerar excessivo a sanção ao perjúrio. Todavia, subsequentemente houve um retorno da exigência da lealdade, como requisito ao debate processual, rejeitando-se as inverdades e os ardis.282

A própria evolução pela qual passa a sociedade com a modernidade vindoura, favorece a publicização do processo e ampliação dos poderes concedidos ao juiz, com o solevar dos valores éticos, uma vez que atitudes desonestas passam a ser condenadas por frustrarem a expectativa de direito e conspurcarem o valor da justiça. A ideia de silogismo de Alcides de Mendonça Lima, elucida o porquê da moral, como elemento anímico prestigiado. Vejamos:

O direito material se funda na moral; o direito processual visa precipuamente, a restabelecer o direito material, quando violado; logo os meios de que se serve para atingir aquele objetivo não podem utilizar-se de situações ímprobas, maculando o próprio resultado pretendido. Se assim fosse, em última análise, por via do julgamento do juiz, o Estado estaria impedido de dar uma solução justa e legal – e, portanto, moral – para o conflito de interesses revelado na lide.283

Diante desse quadro que ameaçava a própria função estatal denominada de jurisdição, impõem-se cogentes normas que resistam a banalidade da má-fé processual. Era imperativo, à vista das transgressões à ética processual que normas traçassem o procedimento adequado à magistratura, órgão ministerial, partes, auxiliares da justiça e terceiros, como forma de preservar a validade da doutrina teleológica do processo.

Desta forma surge o princípio da probidade, como pertinente à função jurisdicional e incidente nas jurisdições contenciosas e voluntárias. Trata, a ideia de probidade, de um juízo de valor mais amplo que o dever de lealdade, que termina no dever da verdade284, grandemente lembrado quando se invoca a participação da

282Fundamentos del derecho procesal civil. Buenos Aires: Ediciones Depalma, 1969, p. 190. 283Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora Vitória, 1978, p. 14.

284BUZAID, Alfredo. Processo e verdade no direito brasileiro. Revista de Processo n. 47, p. 98: “O

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partes e intervenientes no processo285. Mas, oportuno se averbe o fato de não se

constituir o processo apenas numa relação entre partes. Há mais, na medida em que o processo, por seus atos procedimentais, avança. Não se perca de vista que o processo é uma seqüência de atos, dos quais muitos não prescindem de peritos, que deem ao juiz um parecer técnico de específico ramo do saber, a respeito do qual não tem aptidão. Afora isto, dependendo da natureza da demanda, o Ministério Público deverá intervir para observar a cabal e correta aplicação da lei; os funcionários forenses, são, igualmente, prestigiados nas lides, pelos papéis que desempenham no processo, sobretudo na execução das ordens judiciais. Todo este conjunto de operadores do direito e servidores do fórum faz presumir a necessidade de maior atenção para com a ética processual. Não basta apenas a verdade e a lealdade das partes em conflito; é necessário um conceito maior de integridade ou retidão, que produza a todos que estão envolvidos direta ou indiretamente, em caráter permanente ou eventual com o processo, o sentimento de legítima atuação. Enfeixa-se esta apreciação, registrando que, pelo dito, “o Código de 1973 procurou estender o ‘princípio da probidade’, sem limita-lo apenas às partes, como, aliás, já o fazia o diploma de 1939, mas de modo menos intenso.”286

advogados,os peritos, as testemunhas e os funcionários judiciais. Assim, exemplificativamente: a) ‘O perito que, por dolo ou culpa, prestar informações inverídicas, responderá pelos prejuízos que causar à parte, ficando inabilitado por dois anos a funcionar em outros processo e incorrerá na sanção que lei estabelecer’(CPC, art. 147); b) ‘Ninguém se exime do dever de colaborar com o Poder Judiciário para a descoberta da verdade’ (CPC, art. 339); c) ‘Ao iniciar a inquirição, a testemunha prestará o compromisso de dizer a verdade do que souber e lhe for perguntado’ (CPC, art. 415).”

285MENDONÇA LIMA, Alcides. Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora

Vitória, 1978, p. 22: “Presentemente, o direito positivo de vários povos, sobretudo aqueles cujos ordenamentos sempre exerceram influência no processo brasileiro (austríaco, alemão, italiano e português), consagra disposições estabelecendo penas ao ‘imporbus litigator’, tomada a expressão em sentido lato. Mas, ainda que nada seja prescrito, a corrente ‘más numerosa sino también la más autorizada’, com já admitia COUTURE, é a que assevera existir um dever de verdade – como síntese do ‘princípio da probidade’- com texto expresso e sem texto expresso, com sanções específicas e sem sanções específicas. O mesmo ocorre com o ‘princípio da probidade’, com a gama hoje extensa, de seu alcance: vale, ainda que não formulado no direito positivo.”

286MENDONÇA LIMA, Alcides. Probidade processual e finalidade do processo. Uberaba: Editora

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