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CAPÍTULO 3 – DEONTOLOGIA DO PROCESSO

3.2 CONCEITOS QUE SEDIMENTAM O DIREITO: MORAL, ÉTICA, BOA-FÉ

3.2.1 Generalidades

Em um estudo acerca da improbidade processual, pode-se presumir que refogem do tema a questão dos valores, dentre outras razões, pelo fato do direito processual estar suficientemente legislado, encontrando-se entre as suas fontes a própria Constituição Federal - CF, o Estatuto da Magistratura, ainda representado pela Lei Orgânica da Magistratura Nacional – LOMAN (Lei Complementar - LC à Constituição Federal n. 35, de 14.3.1979). Ademais, em termos de legislação ordinária tem-se o Código de Processo Civil (Lei n. 5.869, de 11.1.1973), o Código de Processo Penal (Decreto-lei n. 3.689, de 03.10.1941) a Consolidação das Leis do Trabalho (Títulos VIII, IX e X ), o Código de Processo Penal Militar (Decreto-lei n. 1002, de 21.10.1969), a Lei dos Juizados Especiais (Lei n.9.099, de 26.9.95), e outras leis mais de caráter extravagante, que constituem a fonte maior do direito processual, modificada ou complementada por leis subseqüentes.

Por conseguinte, um direito que tem sua fonte estruturada em sólido acervo legislativo, dispensaria, em princípio, impressões valorativas externas, que não estivessem positivadas em uma norma de conduta ou procedimento.

Contudo, pensa-se além, na atualidade. Cogita-se diversamente. O direito não é apenas normativo, no sentido de estar assentado em normas de observância

173 Idem, p. 297. 174 Idem, p. 297.

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obrigatória. O direito é um meio para a coexistência pacífica, harmonia social e justiça. O processo e suas leis encaminham-se nessa direção, buscando um processo de resultados justos, tanto assim “dizia-se (passado) que a missão do juiz seria a efetivação das leis substanciais, não lhe competindo o juízo do bem ou do mal, do justo ou do injusto.”175

Do mesmo modo, quanto ao escopo do processo e a atualização de um valor relativo à justiça:

Sentenças injustas seriam o fruto de leis injustas e a responsabilidade por essa injustiça será do legislador, não do juiz. Mas o juiz moderno tem solene compromisso com a justiça. Não só deve participar adequadamente das atividades processuais, endereçando-as à descoberta de fatos relevantes e correta interpretação da lei, como ainda (e principalmente) buscando oferecer às partes a solução que realmente realize o escopo de fazer justiça.176

Como é possível dessumir, o processo congrega leis, emoções e expectativas de resultados, que em conjunto expressam valores transcendentes. O direito processual civil é um ramo do direito, que produz uma técnica,177 instituída sobre a

ciência do processo,178 que precisa da arte para produzir resultados harmoniosos.179 É o que diz Dinamarco, ao ponderar que “Assim como o artista plástico é cultor do belo visual e o músico, da harmonia de sons e acordes agradáveis no sentido da audição, assim também o bom operador do processo há de ser um apaixonado pelo belo, ético, ou pelo valor do justo.”180

Hoje, o processo não mais é concebido como um instrumento para subsunção do direito material, nem o juiz um mero espectador da luta entre as partes.181 Juiz é

175DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil, v. 1, p. 61. 176DINAMARCO, loc. cit.

177In Lições de filosofia do direito, de Giorgio Del Vecchio, “...regras técnicas limitam-se a indicar

que, para se atingir determinado fim, necessário é agir de certo modo.(...)Amplíssimo é, por isso, o campo destas regras; pode mesmo dizer-se que é tão vasto como o campo do saber humano. Qualquer conhecimento científico pode converter-se, efetivamente, em regra técnica.”(p. 359).

178DINAMARCO, op. cit., p. 35. 179Ibid., p. 93.

180Ibid., p. 60.

181SICHES, Luis Recaséns, in Nueva filosofía de la interpretación del derecho, “En verdad no es

exagerado afirmar que en la casi totalidad del pensamiento jurídico contemporáneo la concepción mecánica de la función judicial entendida como un silogismo ha caído en definitivo descrédito.(…)Aquella concepción de la jurisprudencia como un mecanismo automático, como un proceso de lógica deductiva, ha sido bombardeada con objeciones disparadas desde diversos ángulos y por escuelas muy varias. Tanto, que puede decirse que de aquella doctrina tradicional no queda una sola pieza en pie. Ha sido ciertamente reducida a escombros. Se podría decir que para que en la doctrina llegue a quedar no sólo por entero abandonada, sino incluso olvidada, hace falta tan sólo barrer los escombros de su ruina.”(págs. 212/213).

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um agente a quem cabe promover a Justiça, e para tanto deve visualizar e compatibilizar a pretensão, que lhe foi dirigida pelas partes, com os fins sociais da norma, de tal sorte que haja “a consciência de que o processo não é mero instrumento técnico a serviço da ordem jurídica, mas, acima disso, um poderoso instrumento ético destinado a servir à sociedade e ao Estado”.182

Sobre o poder de criação que é atribuído aos julgadores, há de se convir que tal não se justifica nem procede, porquanto existe à disposição do juiz a possibilidade de proferir decisões que se ajustem à realidade, desde que sejam feitas as interpretações teleológicas e sociais, às quais as normas se destinam. A lei dos juizados especiais é um exemplo, ao prescrever que “o juiz adotará em cada caso a decisão que reputar mais justa e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum.”183

Como se pode deduzir, a técnica que o processo contém está aprimorada com a ética que a Justiça aprecia, ao proferir o direito a uma das partes litigantes. Por isso, o estudo que ora se desenvolve, com o escopo de responsabilizar o advogado em caso de litigância de má-fé, para a qual concorreu, não dispensa uma incursão pela moral e pela ética, visto que estas questões são inatas à atividade forense, no presente.

Primorosa e conclusiva para o tema, a lição de Dinamarco, sobre a profundidade que o juiz deve dar ao decidir, indo “aos princípios gerais e constitucionais ou considerando as grandes premissas éticas da sociedade ao julgar, cumprindo apenas um tradicional mandamento da própria ordem jurídica (os

fins sociais da lei, art. 5º LICC).”184 Tudo assim feito de forma a se constituir o juiz

em agente, que capta os valores do meio social em que exerce suas funções e os aplica nos julgamento que profere. O resultado é uma justiça que vê na lei uma diretriz, mas que tem a consciência de que o justo, como produto fundamental do direito, é um valor mesclado de ética e moral.

Por isso mesmo, abomina o processo a litigância malévola, uma vez que ela nega a igualdade dos contendores, ao tempo em que transgride a ética processual e prostra o juiz a uma inverdade com a perspectiva de uma decisão injusta.

182 In Teoria geral do processo, p. 45.

183Art. 6º . da Lei n. 9.099, de 26.09.1995, que dispôs sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais. 184 DINAMARCO, op. cit., p. 62.

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