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O PROCESSO PORTUGUÊS ATÉ A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

CAPÍTULO 2 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA VERDADE PROCESSUAL

2.8 O PROCESSO PORTUGUÊS ATÉ A INDEPENDÊNCIA DO BRASIL

139SANTOS, Moacyr Amaral. Primeiras linhas de direito processual civil. 5ª ed. Saraiva: São Paulo,

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Moacyr Amaral Santos, ao dispor a respeito do processo português, noticia que “do reino de Oviedo, criado como centro de resistência aos árabes, separou-se o Condado Portucalense, erigido em reino independente em 1139.”140. Neste particular tem a companhia de José de Oliveira Ascensão, para quem a história do direito português deve ser registrada a partir da fundação de Portugal, em 1140, por d. Afonso Henrique; bem como a de José da Silva Pacheco, que data o direito nascente em Portugal no século XII, oriundo daquele vigente em Leão e dos costumes locais.141

Desta notícia histórica, interessante é avaliar como ficou a legislação processual, uma vez que ao invés de reger-se o condado pela herdada legislação castelhana, logo foi instituído um novo direito, que regrava individualmente cada um dos distritos ou concelhos do reino, denominado de cartas de foro ou forais.142 O direito traduzido dos forais e os costumes afastaram o direito romano-gótico, passando, dessa forma, a serem constituídas duas ordens. Uma delas, correspondente à justiça dos senhores aplicadas nos concelhos e a outra, eclesiástica às questões canônicas.

Mas, ao estudo que se faz, quanto à lealdade das demandas e a veracidades dos demandantes, considera-se pertinente referir-se à manquadra, própria dos forais do direito ibérico, que consistia em juramento de que o interessado não litiga caluniosamente ou por chicana. Um procedimento que guarda semelhança com o juramento de calúnia do direito romano e o juramento de asto do direito longobardo.143

140 Ibid., p. 46.

141ASCENSÃO. José Oliveira. O Direito – introdução e teoria geral, p. 109. Igualmente, Evolução do

processo civil brasileiro, Rio de Janeiro – GB: Editor Borsoi, 1972, p. 27.

142 SOARES, Fernando Luso. Direito processual civil. Coimbra: Livraria Almedina, 1980, p. 112/113:

“Ao tornar-se independente, Portugal não tem leis ou instituições próprias, pelas quais se possa distinguir juridicamente das outras províncias da monarquia leonesa. Por esta razão, foi a Lex wisigothorum recesvindina – Código Recesvindo – que vigorou no reino português, tal como vigorava então na restante Espanha cristã. Mas isto já sob a sua quarta forma, a qual é conhecida entre nós pelo nome vulgar de Código Visigótico a que Herculano chamou de Codex Legum Wisigothorum. A convivênvia dos dois povos (o romanizado invadido e o germano invasor), que facilitava a sua fusão na ordem social, acabou por precipitar o processo de unificação legislativa. Recesvindo, com efeito, unificou a legislação publicando o Código sistemático que há pouco referi, e que através dos tempos foi sendo chamado liber iudiciorum, líber iudicium, liber iudicialis e forum iudicium. A partir do século XIII, denominado em romance, passou a denominar-se pelo Fuero juzgo.”

143 Cf. CRESCI SOBRINHO, Elicio de. Dever de veracidade das partes no processo civil. Porto

Alegre: Fabris, 1988, p. 42/43, que acrescenta, ainda: “A manquadra dos foros é a contribuição prestada pelo direito peninsular à ideia de prevenção à mentira processual. Como se procurou demonstrar, é muito difícil constatar-se a origem desse juramento que se assemelha ao juramento

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A quantidade de leis distribuídas pelos distritos a cargo dos seus senhores enfraquecia o reino, justificando a reação iniciada por volta do século XIII. Sucessivamente Afonso III, organiza a justiça, normatiza o processo e estimula o estudo do direito romano dos glosadores. D. Diniz, que o sucede, cria a Universidade de Lisboa em 1308, onde é ensinado o direito; igualmente determina o uso da língua portuguesa nos documentos públicos e no processo judicial, como igualmente, incentiva o conhecimento da Lei das Sete Partidas, de Afonso X, de Castela, com fundamentação romana, que será de grande inspiração na legislação portuguesa.

Havia, como é possível acompanhar, empenho por um direito aprimorado, gerido por instituição pública, que o ensinasse e o fizesse uma prática nas relações sociais, a cargo da justiça devidamente organizada.

Por isso mesmo, em 1446, sob o reinado de Afonso V, era promulgado o primeiro Código Português, denominado de Ordenações Afonsinas, composto por cinco livros, dos quais o terceiro disciplina o processo civil. Foram fontes para estas ordenações a Lei das Sete Partidas, os direitos romano e canônico, além de leis portuguesas anteriores, direitos dos forais e costumeiro.

Às Ordenações Afonsinas seguiram-se as Manuelinas, datadas de 1521, durante o reinado de D. Manuel, que mantinha as características das ordenações que sucedia. Deu-se neste código a compilação de leis editadas após as Ordenações Afonsinas e influência do direito canônico.

Em janeiro de 1.603, Filipe II, da Espanha e I de Portugal, erigido a monarca português, promulgou as Ordenações Filipinas ou Ordenações do Reino, que seguiram a linha romano-canônico, dispostas em cinco livros, sendo o terceiro dedicado ao processo civil. As ordenações foram aplicadas no Brasil, sendo oportuno anotar que o procedimento distribuía-se em fases postulatória, instrutória, decisória e executória.

Igualmente é registrado que, em paralelo ao processo ordinário, com suas fases já consignadas, foram instituídos o processo sumário e o especial. O sumário tinha menor solenidade, simplicidade nos atos e prazos reduzidos; o processo

de calúnia romano, quanto à figura dos conjuradores, mas nada definitivo colhemos nos estudos dos especialistas. Seja como for, visava evitar a mentira processual.”

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especial regia “as possessórias, de despejo, descendiárias, executivos fiscais e cominatórias”.144

De par com os breves registros históricos do processo, deve-se atentar que a verdade, a lealdade e a hombridade, sempre foram exigências impostas às partes processuais, sob pena de responderem com sanções graves, capazes de levar ao degredo na África aquele que descumprisse tais deveres éticos no processo civil.

As Ordenações Manuelinas e Filipinas impunham o compromisso do autor de que não demandava movido por maliciosa intenção.

Especificamente, quanto às Ordenações Filipinas havia, a responsabilidade do litigante que retardasse deliberadamente a tramitação do processo, ou utilizasse linguagem injuriosa. O degredo para a África por dois anos em caso de expressão infamante, era agravado com a condenação em dinheiro em favor do ofendido. 145

Como se vê, historicamente a lealdade foi sempre uma exigência processual, que vence continentes, povos e tempos, enquanto se pereniza como valor inafastável de quem invoca a prestação jurisdicional.