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CAPÍTULO 4 – PRESSUPOSTOS DA LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

4.3 PRESSUPOSTOS PROCESSUAIS RELACIONADOS COM AS PARTES:

4.3.6 Legitimidade e capacidade

É curial que se busque estremar as desigualdades existentes entre os institutos da legitimidade e da capacidade, como forma de evidenciar que, não

353Op. cit., pp. 14/15

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obstante a incidência de ambas sobre o mesmo agente (ou sujeito), além de serem pressupostos do ato jurídico, há verossímeis diferenças de fundo entre elas.

Complementa-se com a verdade silogística que “a legitimidade implica mais um pressuposto que se agrega ao da capacidade para a perfeição do ato jurídico.”354 Tanto assim que, o possuidor, capaz, não terá legitimidade para alienar a propriedade do imóvel cuja posse detém, porquanto o ato de alienação é legítimo ao proprietário.355 Como se vê, o capaz, nem sempre estará legitimado, mas, em outras ocasiões as duas ocorrências – capacidade e legitimidade – podem estar sobrepostas, o que ocorreria se, no exemplo dado, o proprietário, capaz, tivesse interesse em transferir o domínio do seu bem – aí sim, estaria ele legitimado porque poderia perfeitamente bem ocupar a titularidade da relação jurídica concernente ao objeto da venda, ou seja, o bem da sua propriedade.

A afinidade, que sobrepaira os institutos da legitimidade e da capacidade, registra, do mesmo modo, algumas diferenças existentes entre ambos. Estas podem contribuir para a melhor individualidade deles e a compreensão dos resultados diversos que estes produzem na órbita jurídica.

Vê-se que dentre os requisitos exigidos para a validade do ato jurídico, a capacidade ou o agente capaz sobreleva-se no rol. Sendo assim, a ausência de capacidade repercute no interior do ato, acarretando-lhe a invalidade. Por sua vez, a legitimidade relaciona-se com produção de efeitos do ato e, quando ausente, nega-lhe eficácia.

Esta diferença palmar faz com que existam atos válidos e ineficazes, e atos inválidos e eficazes, em face da possibilidade da relação capacidade/ilegitimidade ou incapacidade/legitimidade, respectivamente. Contudo, se o agente carecer de personalidade de direito, resultando em uma incapacidade absoluta, em tais casos, a possibilidade da ocorrência dos binômios, negando valor à capacidade ou legitimidade, deixará de existir. Dá-se esta ocorrência por causa da proposição que a personalidade encerra de ser capaz e qualificada com a legitimidade. Contudo, a ausência da personalidade jurídica sugere a ausência do sujeito e nega perspectiva da produção de um ato jurídico.356

354ARMELIN, Donaldo. Legitimidade para agir no direito processual civil brasileiro. São Paulo: Ed.

Revista dos Tribunais, 1979, p.14.

355Cf. Armelin, op. cit., p. 14 356Cf. Armelin, op.cit., p. 15

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A diferença seguinte pode-se instituir pelo alcance ou abrangência dos institutos da capacidade frente ao da legitimidade. Assim visto, a capacidade é generalizada: a todos e a tudo. Todos têm idênticas possibilidades de exercerem direitos e contraírem obrigações – é uma sentença geral, que alcança a todos indiscriminadamente e permite que, respeitada a licitude do objeto, como um pressuposto de validade do ato jurídico, participem de atos jurídicos em geral. Tanto assim, que “a capacidade, como atribuição do sistema jurídico, reporta-se (...) à própria existência do sujeito de direito a todos os direitos e obrigações do mundo jurídico”.357 A exigência legal faz-se apenas a título de integração ou implementação

da capacidade de exercício aqueles que tiverem limitações ao desempenho dessa específica capacidade. Em casos tais, a representação ou assistência suprem a vontade e preservam a extensão dos atos jurídicos ao alcance dos interessados. “Por essa razão, a capacidade (...) é sempre plena, não existindo capacidade restrita quanto ao objeto e à finalidade dos atos jurídicos (...).”358

Se a capacidade é uma aptidão de caráter geral, a legitimidade é fundamentalmente específica, porque limitada ao objeto do ato a ser praticado pelo agente, de modo que “sempre que a restrição à prática de atos jurídicos decorre da situação do sujeito em relação ao objeto do mesmo ato, diz ela respeito à legitimidade e não à capacidade.”359

Conclusivamente, enquanto a capacidade é ilimitada, a legitimidade limita-se ao objeto, e somente àquele objeto, do ato jurídico. “A vinculação da legitimidade ao objeto do ato jurídico lhe retira, como é cediço, a amplitude caracterizadora da capacidade.”360

Outro critério diferenciador da capacidade refere-se à condição de ser esta um elemento natural inerente à individualidade: inicia-se com o nascimento com vida e estende-se até à morte. Já a legitimidade é um valor que provém da norma e, portanto, diferentemente da capacidade, é fundamentalmente jurídica, esteja o legitimado no pólo ativo ou passivo da relação.

É conclusivo que a capacidade é deferida naturalmente à pessoa em função de qualidades naturais e, portanto, declaratória, ao passo que a legitimidade é jurídica, independentemente de fatores pré-jurídicos, tendo, assim, caráter

357 Ibid., p. 16 358Armelin, loc. cit. 359Ibid., p. 16. 360Ibid., p. 17.

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constitutivo. “Com efeito, enquanto a legitimidade é transferível através de negócios jurídicos lícitos, ou, inclusive, através de sucessão causa mortis, a capacidade é insuscetível de transferência.”361

Faz-se, por derradeiro, o registro de que a capacidade, por se constituir em uma qualidade natural, não pode ser vista como uma faculdade, mas exatamente como uma condição imperativa da existência humana; já a legitimidade, por ser uma qualidade de natureza jurídica, manifesta-se quando iminente um ato jurídico, à vista do seu objeto.

Numa gradação, é possível constatar que a legitimidade pode sofrer mutação do agente e do objeto do ato jurídico; a capacidade de exercício de direitos, em caso de limitação por parte do ente, há que ser implementada pelos institutos jurídicos que o direito produziu, tais como a representação e a assistência; já a capacidade jurídica é algo irredutível, porque imanente à personalidade, não pode ser modificada, alterada, cedida ou transferida, porque, se assim o fosse, qualquer uma destas práticas causariam “o desaparecimento da personalidade jurídica da pessoa natural ou jurídica.”362

Ademais,

enquanto na capacidade se verificam as qualidades pessoais do agente,

v.g., idade, higidez física (surdos, mudos) ou mental, a presença (ausência),

na legitimidade o que há de ser levado me conta é o status jurídico em que se encontra o agente no momento da prática de um determinado ato: se é proprietário, se é credor, se é sócio, se é o prejudicado com o ato ilícito, se é a autoridade competente.363