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CAPÍTULO 2 – ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA VERDADE PROCESSUAL

2.4 DEVER DA VERACIDADE NO PROCESSO CIVIL ROMANO

2.4.1 O período da legis actiones

O período correlativo ao das “legis actiones”, compreende uma época que vai da fundação de Roma (754 a.C.) ao ano de 149, também, a.C..É designado como o período das ações da lei (legis actiones), porque estavam elas em correspondência com a “mais importante lei do mais antigo direito”91, intitulada de Lei das XII Tábuas (450 a.C.).

Segundo Moacir Amaral Santos, “cinco eram as ações da lei: a legis actio per

sacramentum, a legis actio iudices arbitrive postulatio (ou simplesmente, actio per iudices postulationem), a legis actio per condictionem (ou, simplesmente, a condictio), a legis actio per manus iniectionem (ou, simplesmente, a manus iniectio),

e a legis actio per pignoris capionem (ou simplesmente, a pignoris capio). As três primeiras se classificam como ações de conhecimento, ou de declaração; as duas últimas como ações de execução. De todas, a mais antiga era a manus iniectio; a de mais larga aplicação e, por isso, mais importante, a actio sacramentum.” 92

Neste período do primitivo processo romano, o procedimento era bastante formalista e repleto de solenidades, ocasião em que fórmulas verbais e gestos deveriam ser observados, para a validade da ação. Qualquer lapso acarretava a nulidade do processo e a impossibilidade da sua renovação com o mesmo objeto.

Dava-se realce ao procedimento oral, com duas fases distintas – in iure e in

iudicio, que identificadas pelo todo tinham a denominação de ordo iudiciorum privatorum.

91SANTOS, Moacyr Amaral, In Primeiras linhas de direito processual civil, 1º v., 5. ed., São Paulo:

Saraiva, 1977, p. 36. Arruda Alvim, no Manual de direito processual civil, 7ª. ed.rev., atual. e ampl., v. 1, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000, p. 45, n. 7, elucida, do mesmo modo, que “A legis actio per sacramentum tinha caráter geral. As outras ações da lei tinham caráter subsidiário. A actio per sacramentum, grosseiramente comparada, seria aquela cujo procedimento era o comum. As demais dariam lugar a procedimentos diferentes, tal como ocorre atualmente, de certa forma com os procedimentos especiais.”

92In Primeiras linhas de direito processual civil, de Moacyr Amaral Santos, 1º v., 5ª ed., São Paulo:

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A primeira fase, denominada de in iure tinha desenvolvimento perante um magistrado e se estendia até que fosse concedida ou não a ação, caso fosse ou não, o pedido feito com base no direito civil. Seguia-se, então, a fase in iudicio com a designação do iudex ou arbiter, e a constituição da litiscontestatio, com a definição do objeto do litígio, sem a possibilidade da sua modificação, bem como o dever das partes de acompanhar o processo em todos os seus termos até a decisão final, pela qual logo se obrigavam.

Observa-se que o procedimento tinha início perante o magistrado, com a manifestação oral da proposição do autor contra o réu. Este era convidado a comparecer a juízo pelo proponente da ação, sendo sujeito a condução coercitiva (in

ius vocatio) caso se recusasse ou opusesse resistência.

Como já foi observado, o procedimento era verbal e parentes e amigos assistiam a todos os atos, retendo na memória os acontecimentos daquele procedimento, pois não havia outro registro, além da lembrança dos atos realizados e decisões proferidas. Assim, a assistência de parentes e amigos se justificava como forma de provar o que disseram testemunhas, partes e magistrados.93

Pondera-se ainda, que o magistrado concedia ou não a ação, enquanto o

iudex ou arbiter, simplesmente um particular, incumbia-se de colher as provas, ouvir

os debates das partes e proferir a sentença.

Destaca Moacyr Amaral Santos, como características do período das legis

actiones: a) a oralidade integral; b)a obrigatoriedade da presença das partes durante

todo o processo, sem que se pudesse fazer representar por terceiro; c)a constituição do procedimento em duas fases, sendo a primeira chamada de in iure, quando era concedida ou não a ação pelo magistrado e, conforme fosse, fixada a litiscontestatio, com a definição do objeto do litígio; a segunda fase era a in iudicio, a cargo do iudex ou arbiter a quem incumbia dirigir os trâmites do processo até a prolação da sentença.94

Por essa época também vigiam sanções contra a deslealdade processual.95 A

mais antiga e que se estende até o segundo período do processo romano (o

93In Primeiras linhas de direito processual civil, de Moacyr Amaral Santos, 1º v., 5. ed., São Paulo:

Saraiva, 1977, p. 37.

94Cf. Moacyr Amaral Santos, in Primeiras linhas de direito processual civil, p. 37.

95ZEISS, Walter. El dolo procesal, p. 14: “En el derecho romano desempeñaban un papel importante,

tanto em la época de las legis acciones como en la época del proceso formulario, las penas procesales (poenae temere litigantium). Su finalidad era arredrar a las partes de litigar con ligerezas o valerse de chicanas.”

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formulário) é representada por uma aposta,96 denominada de sacramentum,97

instituída com fundamento na legis actio per sacramentum. “Está-se, com ele, no mais recuado sistema processual romano, que manteve vigor desde as origens da cidade até à Lex Aebutia – aquela que daria lugar ao processo formulário (segunda fase deste direito).”98

Esclareça-se que era uma aposta cruzada, pela qual obrigavam-se as partes, na presença do magistrado, a pagar ao erário público entre 50 a 500 asses,99 caso a pretensão ou a resposta não fosse acolhida. Resumidamente, a ação se definia pela indicação do sacramento justo ou injusto, sendo esta a decisão.

Então, a perda do sacramentum, representava o insucesso da aposta e a perda da ação, ou melhor, da afirmação que fizera o autor ou o réu, uma vez que ambos se comprometiam diante do erário público, caso não fosse correta a afirmação que faziam, o demandante ou o demandado.100 Por estas premissas, deduz-se que a sanção não era decorrente de uma lide temerária ou ocorrência de dolo, mas uma penalidade de caráter objetivo. Certamente, “o regime da responsabilidade processual mais antigo de Roma. Este foi, sem dúvida, e por

96CUENCA, Humberto. Proceso civil romano, Buenos Aires: Ediciones Juridicas Europa-America,

1957, p. 41, n. 38: “Delante del magistrado las partes se comprometen, bajo la solemnidad del juramento, a entregar el producto de una apuesta en beneficio del Estado pro aquel que resulte vencido en el litigio. Esta apuesta se denomina sacramentum. Es una acción general que se utilizaba, tanto para el rescate de las cosas (real), como para exigir el cumplimiento de las obligaciones (personal). La apuesta nunca era entregada al vencedor y su monto oscilaba entre cincuenta y quinientos ases romanos.”

97ZEISS, loc. cit.

98 SOARES, Fernando Luso. A responsabilidade processual civil Coimbra: Livraria Almedina, 1987,

pp.58/59.

99CRETELLA JÚNIOR, J. Curso de direito romano e o direito civil brasileiro, no novo código civil.

28ª.ed.rev. e aum. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 295: “Sacramentum, segundo a maioria dos autores, teria sido, primeiro, um juramento religioso prestado pelas partes que afirmavam solenemente seu direito, uma depois da outra. Carneiros ou bois, fornecidos pelas partes e consagrados aos deuses eram reservados para um sacrifício público, às expensas, das oferendas da parte vencida, em juízo. Mais tarde uma parcela de 50 ou 500 asses era depositada, em seguida, prometida por cada um dos litigantes. A parte que perdesse pagava ao Estado uma multa, que seria como que as custas do processo.”

100ALBUQUERQUE, Pedro. Responsabilidade processual por litigância de má fé, abuso de direito e

responsabilidade civil em virtude de actos praticados no processo – a responsabilidade por pedido infundado de declaração da situação de insolvência ou indevida apresentação por parte do devedor. Coimbra: Almedina, 2006, p. 16: “No processo per legis actiones, primeiro na legis actio sacramentum in rem, e depois, na legis actio sacramentum in personam impunha-se a ambas as partes o depósito de um determinada quantia a título de sacramentum. A parte depositada pelo vencedor era depois por este recuperada. Já a importância pertencente ao vencido era atribuída num primeiro momento aos pontífices e, mais tarde, ao erário.”

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compreensíveis razões histórico-sociais o da responsabilidade objetiva a título de risco – o de se ganhar ou perder a aposta sacramental.”101

Dois aspectos impende destacar: a)a responsabilidade objetiva, a título de risco, certamente procedia pela simplicidade do processo romano e da relação jurídica processual; b) o sacramentum, tanto era uma penalidade, que o obrigado a pagá-lo o fazia em favor do erário e não em prol do vencedor.102