• Nenhum resultado encontrado

A teoria do fato jurídico: plano da validade

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 150-159)

1 A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO

2 PREMISSAS PARA A COMPREENSÃO DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO CPC BRASILEIRO

2.2 PREMISSAS LÓGICO-CONCEITUAIS

2.2.4 A teoria do fato jurídico: plano da validade

O fato jurídico exsurge enquanto tal quando consumada a incidência de uma norma

241

ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A contratualização do processo: das convenções processuais no processo civil. São Paulo: LTr, 2015, p. 41-47.

242 ANDRADE, Erico. As novas perspectivas do gerenciamento e da “contratualização” do processo. Revista de

processo, São Paulo, n. 193, mar./2011, p. 189-191.

243

ANDRADE, Erico. As novas perspectivas do gerenciamento e da “contratualização” do processo. Revista de processo, São Paulo, n. 193, mar./2011, p. 192.

jurídica sobre um ou mais fatos da vida. Para que se repute ocorrida a incidência, faz-se necessário o preenchimento do núcleo do suporte fático normativo, composto de um elemento que se estrutura como o “dado fático fundamental do fato jurídico”, a que se intitula elemento cerne, bem como de elementos completantes daquele. O elemento cerne dos negócios jurídicos, por exemplo, corresponde, invariavelmente, à presença de uma manifestação de vontade consciente e autorregrada (dotada de poder de autorregramento). Os elementos completantes variam conforme a descrição prevista em cada suporte fático normativo245.

Ausente o elemento cerne ou qualquer elemento completante, inexiste o fato jurídico. Tomando-se, por exemplo, a compra e venda, negócio jurídico, o seu elemento cerne consiste na presença de uma manifestação de vontade consciente e autorregrada. Já os seus elementos completantes atrelam-se ao objeto do negócio (disposição sobre um determinado bem mediante contraprestação consistente no pagamento de determinado valor)246. Faltante qualquer deles, não se há de falar em compra e venda.

Ao lado dos elementos nucleares do fato jurídico, há, ainda, os elementos complementares247, que não estão relacionados à existência do fato, mas, sim, à sua validade ou à sua eficácia. Atinem ao sujeito praticante do ato (capacidade de agir, legitimação, manifestação de vontade desprovida de vício), ao objeto (licitude – inclusive no que diz respeito à moralidade –, possibilidades física e jurídica do pedido e determinabilidade) e à forma (prescrita ou não defesa em lei). Tais elementos complementares concernem à perfeição do ato e estão presentes, apenas, nos suportes fáticos dos atos jurídicos, especialmente dos negócios jurídicos248.

Os negócios jurídicos podem depender, para a produção de efeito específico, da prática de outro ato, a que se denomina de elemento integrativo. É o que ocorre com a constituição de sociedade: o efeito obrigacional decorrente do negócio jurídico de criação da sociedade opera- se independentemente de registro da pessoa jurídica no órgão/entidade próprio(a). No entanto,

245 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 49-51.

246

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 51.

247 José Carlos Barbosa Moreira critica a utilização do termo elemento em referência ao plano da validade,

sugerindo a utilização do termo requisito (MOREIRA, José Carlos Barbosa. Invalidade e ineficácia do negócio jurídico. In: MENDES, Gilmar Ferreira; STOCO, Rui (org.). Atos, fatos, negócios jurídicos e bens. São Paulo: RT, 2011, p. 378). Neste trabalho, a expressão “elementos complementares” será utilizada, seguindo-se a nomenclatura adotada por Marcos Bernardes de Mello, sem prejuízo de também ser usada a expressão “requisitos de validade”, tal como invocada por Barbosa Moreira.

248 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

a personificação dessa pessoa jurídica depende de tal registro, ato que, malgrado não integre o suporte fático do negócio jurídico de constituição de sociedade, funciona como elemento integrativo para a concessão da personalidade jurídica à mesma. O elemento integrativo é, ordinariamente, um ato praticado por terceiro, principalmente por autoridade pública249.

Ao plano da validade submetem-se os atos jurídicos lato sensu (categoria na qual se inserem os atos jurídicos stricto sensu e os negócios jurídicos) existentes250. Diz-se válido o ato quando há conformidade entre ele e o Direito, ou seja, quando o ato não se encontra eivado de defeito (imperfeição de um ou mais elementos nucleares do suporte fático do ato – elementos cerne e completantes – ou ausência de elemento complementar)251. O defeito pode integrar o próprio ato ou lhe anteceder; não há, porém, possibilidade de o defeito suceder ao ato252.

O ato inválido é ato atípico253. O termo “atípico”, nesse contexto, é envolto em um sentido negativo, de desvalor, imperfeição, desconformidade com o tipo. O ordenamento jurídico pode valorar a atipicidade de forma positiva (quando se está diante, por exemplo, de uma cláusula geral, que incita o juiz a construir o sentido e alcance da norma inclusive com o recurso a elementos fora do tipo – e do sistema jurídico) ou de forma negativa, tal como o faz com a invalidade.

O tipo há de ser visto como um modelo, representando, a um só tempo, o que nele é uniforme e recorrente (exprime a relação entre conceito e realidade), de um lado, e aquilo que lhe caracteriza e peculiariza, de outro. Diversas são as funções que podem ser assumidas pelo tipo; destaca-se, dentre elas, a de conferir segurança, restringir. Trata-se da ideia de tipo (modelo) utilizado como limite ao poder (garantia), relacionado ao princípio da legalidade254. Essa noção de tipo como exercente de função de estabelecer limite é, portanto, importante para a compreensão da invalidade.

249 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003,

p. 53-55.

250 Segundo expressa Antônio Junqueira de Azevedo, tratando, especificamente, do negócio jurídico, mas em

lição que pode ser estendida ao ato jurídico lícito de um modo geral, o plano da validade é consequência de ser aquela categoria particularizada por veicular uma declaração de vontade vocacionada à produção de efeito jurídico. A validade é uma qualidade atrelada ao negócio (leia-se:ato) existente: a de estar em conformidade com o ordenamento jurídico (AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 40-41).

251

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 34-37.

252 DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais.

Salvador: Juspodivm, 2011, p. 71-72.

253

Assim o reconhece PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 105.

A desconformidade do ato com o Direito é ilicitude que demanda repulsa, pelo ordenamento jurídico, ao ato que o infringe. A reação jurídica ao ilícito é a sanção, que pode se manifestar em suas variadas formas (privação de liberdade, penas pecuniárias, penas de perdimento de direitos), dentre as quais se encontra a invalidação ou nulificação do ato255. A invalidade é, portanto, sanção e a decisão que a aplica terá, sempre, natureza constitutiva negativa256.

A afirmação de que a invalidade possui natureza jurídica de sanção encontra divergência na doutrina. Hart posiciona-se contrariamente a tal extensão da ideia de sanção para abranger a invalidade, o que qualifica como sinal de confusão. Argumenta, em defesa de seu entendimento, que a invalidade nem sempre enseja um prejuízo àquele a quem afeta, ao contrário do que ocorre com a sanção criminal. Além disso, enquanto na regra criminal é fácil a identificação da conduta que se pretende desencorajar pela imputação da sanção, o mesmo não se poderia afirmar quanto à invalidade. Diz, ainda, que a parte da regra criminal que define o comportamento ilícito (antecedente normativo) é facilmente separável da sanção cominada (consequente normativo), o que não ocorreria com a invalidade, que seria parte integrante da regra257.

Contrapondo-se a esse entendimento, Antonio do Passo Cabral reconhece a natureza sancionatória da invalidade, deixando, todavia, de equipará-la à pena. Exatamente por tal razão, o autor registra a desnecessidade de a invalidade achar-se expressa na lei, decorrendo

255 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 39. Utilizando o termo nulificação como sinônimo de invalidação: DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 70.

256

DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 70.

257 HART, H. L. A. O conceito de direito. 4. ed. Tradução: A. Ribeiro Mendes. Lisboa: Fundação Calouste

Gulbenkian, 2005, p. 41-43. Negando expressamente a natureza sancionatória da invalidade e defendendo tratar- se de consequência da inidoneidade do ato: SCARPARO, Eduardo. As invalidades processuais civis na perspectiva do formalismo-valorativo. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 77. Também recusando a qualificação de sanção à invalidade, por considerá-la fruto de um cumprimento incompleto de um ônus de integração do tipo normativo, referindo-se às normas de cunho potestativo, que, ao contrário das normas imperativas, não impõem um dever: KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991, p. 181-189. Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, também fundando-se na diferenciação entre normas imperativas e potestativas, atribuída a L. A. Hart, nega a natureza sancionatória da invalidade (OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro de. Notas sobre o conceito e a função normativa da nulidade. In: OLIVEIRA, Carlos Alberto Alvaro (org.). Saneamento do processo: estudos em homenagem ao prof. Galeno Lacerda. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1989, p. 138). Do mesmo modo, Teresa Arruda Alwim Wambier rejeita vislumbrar a invalidade como uma sanção, argumentando que, ao se atribuir tal qualificação à invalidade, estar-se-ia, em atenção ao princípio da legalidade, concluindo que somente seria possível a sua decretação quando expressamente cominada pela norma processual (WAMBIER, Teresa Arruda Alwim. Nulidades do processo e da sentença. 4. ed. São Paulo: RT. 1997, p. 115).

tal necessidade apenas de algumas modalidades de sanção, a exemplo das penas criminais258. Tendo em mente a invalidade como forma de controle (proteção do ordenamento e da segurança jurídica), Alexandre Marder adere ao posicionamento que a reconhece como sanção. Tal invalidade consistiria no reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de sua própria violação, tornando o ato praticado inapto para produzir seus regulares efeitos. A sanção da invalidade agiria, assim, cessando a eficácia do ato259. Em favor de seu posicionamento, argumenta que a invalidade somente pode ser decretada judicialmente. Antes da decretação de invalidade, há um ato defeituoso; após tal decretação, há um ato inválido, resultado de imposição da sanção de invalidade260.

Marder busca infirmar as duas principais premissas soerguidas por Hart em desfavor da natureza sancionatória da invalidade, demonstrando, por um lado, ser possível identificar a conduta desencorajada pelo ordenamento jurídico mediante a imposição da sanção de invalidade (evitar a prática de atos processuais por sujeitos incapazes, ou que contenham objeto ilícito ou forma defesa em lei ou diferente daquela por ela exigida)261.

De relação à impossibilidade do desmembramento da invalidade da regra em que se encontra inserida, Marder reputa tratar-se de critério irrelevante para negar a sua natureza sancionatória. Exemplifica afirmando que o coração não perde sua individualidade em razão de não poder ser extraído do corpo humano sem que tal implique na morte do indivíduo (ninguém vive sem coração). Por fim, sendo distintos os conceitos de sanção e penalidade, não afasta aquela natureza o fato de a invalidade não gerar um “mal” ao causador do defeito262.

No que diz respeito ao exame da regra jurídica que comina a invalidade, Calmon de Passos, que também reconhece ser a invalidade uma sanção, vislumbra a possibilidade de sua bipartição (ao contrário de Marder), separando-se a norma primária imperativa (antecedente

258

CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 31-32.

259 MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 29-31. 260 MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 32. No

mesmo sentido, diferenciando o defeito do ato e a consequência deste (decretação de sanção de invalidade), ver: CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 29; DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 73-75 (à p. 72, os autores reconhecem a natureza sancionatória da invalidade). Calmon de Passos diferencia a imperfeição do ato, como estado anterior à decretação judicial da invalidade, do “estado de nulo”, este posterior à aplicação daquela sanção, ou seja, subsequente ao pronunciamento judicial (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 107-108).

261 MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 33-34. 262 MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 34.

normativo), que estabelece o requisito a ser obedecido (ex.: forma do ato) e a norma secundária (consequente normativo), consistente na imposição da sanção263.

Não é o propósito deste tópico o de apresentar uma teoria geral das invalidades. Há quem afirme, inclusive, a irrealizabilidade de tal tarefa, à vista da multiplicidade de tratamentos conferidos ao tema nos variados sistemas jurídico-positivos e, mesmo, entre distintos ramos do Direito em um mesmo país264. Tampouco se pretende polemizar acerca de tal afirmativa. O escopo que se objetiva alcançar neste tópico é bem mais singelo: apresentar um panorama geral do plano da validade dos atos jurídicos e examinar os principais requisitos de validade estabelecidos no âmbito do Direito Privado brasileiro, analisando-se, em certa medida, o direito positivo pátrio. Tais requisitos são relevantes para o exame das invalidades processuais, sendo esta a razão da abordagem a ser realizada sob esse enfoque.

Advirta-se, porém, que o exame ora empreendido não abrangerá o estudo completo do regime jurídico de invalidades estabelecido pelo Direito Civil. Alguns aspectos desse regime foram reservados, por opção metodológica, para serem examinados no capítulo III, destinado à construção de sentido da cláusula de atipicidade da negociação processual, onde estarão melhor alocados, sendo enfrentados na medida de eventual necessidade de a eles se referir. É o que sucede, por exemplo, com os denominados vícios de vontade e vícios sociais, neste tópico apenas brevemente mencionados.

O ponto de partida desta investigação reside no art. 104 do Código Civil pátrio, que estabelece que a validade do negócio jurídico requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. Em verdade, esse esquema legal mínimo, apesar de importante, não esgota o rol de requisitos de validade a serem pesquisados.

Quanto ao sujeito praticante do ato, exige-se que tenha, em primeiro lugar, capacidade de agir (também chamada de capacidade de exercício ou de obrar ou de fato), que se infere por critérios relativos à idade, à sanidade física e mental e à condição cultural do sujeito. A capacidade de agir relaciona-se com o discernimento do agente para compreender as consequências decorrentes de seu atuar, no plano material. No âmbito do Direito Público, essa capacidade de agir corresponde à competência e reside no poder atribuído ao agente público

263 PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais.

Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 106.

264 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

para prática do ato265.

A capacidade de agir é específica e extraível do rol inserto na capacidade jurídica, esta de caráter genérico. Além dela, o ordenamento pode exigir, ainda, a legitimação, também considerada capacidade especifica e consistente na posição de um determinado sujeito em relação a um objeto, normalmente identificada tal relação na titularidade do bem266.

Há de se observar, ainda, a perfeição da vontade exteriorizada pelo sujeito agente. Os chamados vícios de vontade comprometem a higidez dessa manifestação volitiva, seja retirando-lhe a compatibilidade com a realidade fática a que se refere (erro, dolo, estado de perigo e lesão), seja afetando a espontaneidade e a liberdade da vontade (coação, estado de perigo e lesão). Fora do âmbito dos vícios de vontade, há defeito que retira a veracidade do conteúdo da declaração de vontade (simulação) e outro que se revela prejudicial a terceiro (fraude contra credores)267.

Antonio Junqueira de Azevedo afirma que a vontade há de ser resultado de um processo volitivo que indique plena consciência da realidade, liberdade de escolha e ausência de má-fé. Ausente qualquer desses elementos, haverá vício que poderá ensejar a invalidação do ato. Em linhas gerais, o posicionamento do autor alinha-se ao quanto defendido por Marcos Bernardes de Mello, no particular, à exceção do fato de catalogar ele, como causa de invalidação do ato, a coação absoluta268. Esta afasta o elemento vontade, de modo que o ato praticado neste caso será inexistente e não nulo. A coação relativa é causa de invalidade; da absoluta decorre inexistência.

Os requisitos de validade atinentes ao objeto da avença dizem respeito, em primeiro lugar, à sua licitude, abrangente da conformidade do ato jurídico com o ordenamento, inclusive com a regra que prevê respeito aos bons costumes (moralidade)269. A ilicitude do objeto pode dizer respeito não apenas ao objeto do negócio jurídico (resultado almejado com

265 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 55-56.

266 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p.67-68; FARIAS, Cristiano Chaves; ROSENVALD, Nelson. Curso de direito civil. 10. ed. Salvador: Juspodivm, 2012, v.1, p. 601.

267

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 56. Segundo o autor, a má-fé afeta a vontade manifestada, comparando-se ao dolo (idem, p. 57).

268 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo:

Saraiva, 2000, p. 42.

269

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 74-75. O autor extrai tais critérios de aferição da licitude a partir da redação do art. 122 do Código Civil, segundo o qual “São lícitas, em geral, todas as condições não contrárias à lei, à ordem pública ou aos bons costumes; entre as condições defesas se incluem as que privarem de todo efeito o negócio jurídico, ou o sujeitarem ao puro arbítrio de uma das partes”, o que induz à conclusão de que, a contrario sensu, a afronta à lei, à ordem pública e aos bons costumes ensejam ilicitude (idem, p. 127).

a sua celebração), como, ainda, ao objeto da prestação (bem da vida ao qual se atrela o cumprimento da obrigação)270.

A ilicitude do objeto por infração às normas jurídicas (conceito mais amplo que o de ilegalidade do objeto, já que a desconformidade pode se dar em face da Constituição Federal, por exemplo) consiste na prática de ato vedado por norma cogente proibitiva ou, ao revés, na omissão diante de norma cogente impositiva da prática de determinada conduta. O malferimento à norma poderá ocorrer de forma direta ou indireta. No primeiro caso, a ilicitude manifesta-se pela prática do ato proibido ou pela omissão do ato exigido pela norma jurídica. No segundo, o resultado contrário à norma é obtido por intermédio de um ato complexo (pluralidade de atos vistos como uma unidade) que aparenta conformidade com ela271.

Assim, por exemplo, sendo vedada ao servidor público a aquisição de bem ou direito da pessoa jurídica a que sirva, conforme regramento contido no art. 497, II, do Código Civil, eventual negócio jurídico praticado com tal objeto conterá ilicitude (infração direta à norma jurídica) à qual será cominada a sanção de invalidade. Mas ainda que a aquisição seja feita por terceira pessoa que não ostente a qualificação de servidor público (negócio lícito), haverá infração à norma jurídica se a este negócio suceder o de alienação do bem ao servidor público obstado de adquiri-lo. Neste segundo caso, a violação à norma é feita por meio indireto; sob aparente veste de legalidade, infringe-se o escopo normativo do art. 497, II, do Código Civil, havendo, também neste segundo caso, de se aplicar a sanção de invalidade.

A ilicitude do objeto por imoralidade corresponde à sua desconformidade com o que se convencionou chamar de “bons costumes”. Trata-se de conceito jurídico indeterminado a exigir do intérprete a necessária delimitação de seus sentido e alcance. Há de se ter em mente,

270 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p. 128.

271 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da validade. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2013,

p.128-145. O autor, seguindo o posicionamento adotado por Pontes de Miranda, critica a nomenclatura usualmente utilizada pela doutrina para se referir à violação indireta à norma jurídica (fraude à lei), tendo em vista que o vocábulo “fraude” associa-se à ideia de intenção (elemento subjetivo), não se devendo ter a intencionalidade como elemento integrante da noção de infração indireta à norma jurídica. Essa perspectiva, de inclusão da intencionalidade no exame da chamada “fraude à lei”, gera os inconvenientes de se considerar válido

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 150-159)

Outline

Documentos relacionados