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Conceito de cláusula geral

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 172-175)

1 A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO

2 PREMISSAS PARA A COMPREENSÃO DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO CPC BRASILEIRO

2.2 PREMISSAS LÓGICO-CONCEITUAIS

2.2.8 Conceito de cláusula geral

As cláusulas gerais não são um fenômeno recente na história, sendo reconhecida a sua existência já no direito romano. A expressão “cláusula geral”, no entanto, não apenas é

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CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do processo e “zonas de interesse”: sobre a migração entre polos da demanda. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 137-143.

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CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do processo e “zonas de interesse”: sobre a migração entre polos da demanda. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 151-153 e 181-182. O autor refere-se, exemplificativamente, às convenções sobre provas e aos acordos para suspensão de processo e de prazos (idem, p. 153).

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CABRAL, Antonio do Passo. Despolarização do processo e “zonas de interesse”: sobre a migração entre polos da demanda. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Reconstruindo a teoria geral do processo. Salvador: Juspodivm, 2012, p. 181-182.

contemporânea338 como, também, plurissignificativa, correspondendo tal rubrica, a um só tempo, a uma modalidade de técnica legislativa (que se contrapõe à técnica casuística), a uma espécie de texto normativo e, por fim, às normas que se produzam a partir daquele texto339. Tal equivocidade torna árida a tentativa doutrinária de fixação precisa de um conceito de cláusula geral, cingindo-se os doutrinadores, no mais das vezes, a apontar as características da técnica legislativa que lhe corresponde340.

A técnica casuística, caracterizada por suas rigidez, imutabilidade e anseio pela completude, objetiva elevar a tipicidade dos diplomas normativos ao grau máximo. O tipo normativo deve abranger todas as respostas almejadas pela sociedade; ao intérprete competirá, apenas, a tarefa de subsumir o fato à norma. A complexidade das relações sociais e a velocidade com que se processam mudanças no seio da sociedade deixaram evidenciada, todavia, a incapacidade da referida técnica de acompanhar o progresso social de forma satisfatória, tornando-se, rapidamente, obsoletos os textos normativos que produzia.

A técnica de legislar por meio de estabelecimento de cláusulas gerais passa, assim, a ser utilizada conjuntamente com o casuísmo, buscando-se conferir maior efetividade aos direitos por aquela tutelados. Referida técnica, valendo-se de linguagem vaga, aberta, promove uma ampliação do campo semântico do texto normativo, conferindo ao juiz o poder-dever de criação da norma jurídica à vista do caso concreto, podendo valer-se, para tanto, inclusive, de elementos externos ao sistema 341. A cláusula geral reduz a tipicidade a um grau mínimo, conferindo maior mobilidade ao sistema.

Enquanto espécie de texto normativo, a cláusula geral pode ser conceituada como sendo aquela que contempla indeterminação legislativa tanto no antecedente quanto no consequente normativos. A hipótese fática vale-se de termos vagos e o efeito jurídico não é

338 NALIN, Paulo. Cláusula geral e segurança jurídica no Código Civil. Revista trimestral de direito civil, Rio de

Janeiro, v. 23, jul.-set./2005, p. 64-65. O autor destaca que, no Brasil, o Código Comercial de 1850 já previa a cláusula geral da boa-fé, esta que, no entanto, não era utilizada em todas as suas potencialidades, já que conferia uma elevada carga criativa ao juiz (idem, p. 65). O art. 131, I, do Código Comercial de 1850 foi revogado, juntamente com toda a Parte Geral do Código Comercial, pela Lei nº 10.406, de 10.01.2002 (Código Civil). Sua redação era a seguinte: “Art. 131 - Sendo necessário interpretar as cláusulas do contrato, a interpretação, além das regras sobreditas, será regulada sobre as seguintes bases: 1. a inteligência simples e adequada, que for mais conforme à boa fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contrato, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significação das palavras; [...]”.

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MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 286.

340 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um “sistema em construção”: as cláusulas gerais no

Projeto do Código Civil brasileiro. Revista de informação legislativa, Brasília, n. 139, jul.-set./1998, p. 07.

341 MARTINS-COSTA, Judith. O direito privado como um sistema em construção: as cláusulas gerais no projeto

predeterminado pelo legislador342. No Brasil, sua consagração legislativa e sua influência jamais alcançaram o patamar atual, sobretudo porque tais cláusulas, hoje, são poderosos instrumentos postos a serviço da tarefa de concretização dos direitos fundamentais343.

É necessário, para melhor esclarecimento do conceito de cláusula geral, distingui-la dos princípios e dos conceitos jurídicos indeterminados, institutos a ela similares. Quanto aos princípios, tem-se que estes podem ser implícitos, ao contrário das cláusulas abertas, que sempre serão expressas. Além disso, as cláusulas gerais serão sempre dotadas de certo grau de vagueza semântica, fazendo-se necessário o seu reenvio a outros espaços, quer do próprio ordenamento jurídico, quer extrajurídicos, enquanto que há princípios que não promovem esse reenvio. Por fim, se o princípio for expresso e se referir a valores e a termos vagos, carecendo desse reenvio, ter-se-á, nessa hipótese, uma cláusula geral da qual se pode extrair um princípio344.

Há de se ter em mente que o princípio é norma e a cláusula geral, no sentido tomado em consideração no conceito apresentado, é texto normativo, de cuja interpretação extrair-se-á pelo menos uma norma. Nesse sentido, explicita Fredie Didier Junior que de uma mesma cláusula geral é possível extrair, conforme o caso, ora um princípio, ora uma regra. Traz o exemplo da cláusula do devido processo legal, de que se pode retirar tanto o correlato princípio do devido processo legal como a regra de motivação das decisões345.

Maior relevância reside na distinção entre cláusula geral e conceito jurídico indeterminado346. Em ambos os institutos – conceitos jurídicos indeterminados e cláusulas gerais – pode-se verificar um alto grau de vagueza semântica e a necessidade de reenvio a padrões valorativos externos ao sistema.

Os conceitos indeterminados sempre estarão relacionados com a fattispecie, com a descrição fática, exigindo do julgador a individualização desse conceito no caso concreto. Ultimada essa atividade, a consequência jurídica a ser aplicada é precisamente aquela posta na lei, não cabendo ao juiz definir qual a sanção atribuível àquela hipótese fática. Já quando se

342 DIDIER JUNIOR, Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, São Paulo, ano 35, n. 187,

set./2010, p. 70.

343 HENRIQUES FILHO, Ruy Alves. As cláusulas gerais no processo civil. Revista de processo, São Paulo, n.

155, jan./2008, p. 338.

344

MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: RT, 1999, p. 321-324.

345 DIDIER JUNIOR, Fredie. Cláusulas gerais processuais. Revista de Processo, São Paulo, ano 35, n. 187,

set./2010, p. 79.

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Apresentando uma crítica à expressão “conceito jurídico indeterminado”, propugnando que a indeterminação reside nos termos do conceito e não neste: GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 238.

está diante de uma cláusula geral, caberá ao magistrado, além de individualizar a hipótese fática (já que tais cláusulas normalmente são construídas com base em conceitos indeterminados), estabelecer a consequência jurídica a ser a ela aplicada, uma vez que o legislador não a fixa aprioristicamente347.

É a concepção de cláusula geral como texto normativo que será levada em consideração para o fim de delinear o sentido e o alcance do art. 190 do Código de Processo Civil de 2015, em busca da construção da(s) norma(s) jurídica(s) extraível(eis) do aludido dispositivo.

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 172-175)

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