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A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO DESTINATÁRIA DA REGRA ESTABELECIDA PELO ART 190 DO CPC/

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 91-94)

1 A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO

1.5 A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA COMO DESTINATÁRIA DA REGRA ESTABELECIDA PELO ART 190 DO CPC/

O grau de abertura alcançado pela consensualidade administrativa no Brasil não se compadece com solução contrária à aceitação de que a cláusula geral de negociação processual prevista no art. 190 do CPC/2015 tem o Poder Público como um de seus destinatários.

O dispositivo normativo em comento, que será objeto de análise mais aprofundada nos capítulos subsequentes, contempla autorização legal para a celebração de negócios processuais atípicos, antes ou durante o processo, que tenham por objeto a estipulação de mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e/ou a convenção sobre ônus, poderes, faculdades e deveres processuais dos celebrantes.

As alterações havidas no Direito Administrativo, com a adoção, no Brasil, de um modelo de Administração Pública gerencial, conclamaram a valorização da eficiência administrativa e a assunção, pelo Poder Público, de uma postura mais flexível, paritária e dialógica com o particular.

O estímulo ao uso, pela Administração Pública, de métodos de atuação consensual é verificado, sobretudo, pela edição de diplomas normativos em distintas áreas do Direito Administrativo, especialmente no Direito Administrativo sancionador. Outros setores do ordenamento jurídico ligados à atuação do Poder Público (penal, processual penal e processual civil) também foram impregnados pelo fenômeno de consensualidade administrativa.

O objeto litigioso de uma ação de improbidade pode vir a ser objeto de acordo de leniência, com disposição, pelo Poder Público, do exercício de sua prerrogativa sancionatória. À vista de um espaço de consensualidade dessa magnitude, não se poderá negar a

administrativa. In: TALAMINI, Eduardo (coord.). Processo e administração pública. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 518.

admissibilidade de a Fazenda Pública valer-se do art. 190 do CPC/2015 para, por exemplo, regrar aspectos procedimentais daquela demanda, voltados a melhor conformar o processo às peculiaridades do caso concreto. Segue-se a regra lógica de que “quem pode o mais, pode o menos”.

Ainda sob o aspecto lógico-sistemático, razão não há para se admitir possa a Administração Pública valer-se da arbitragem para dispor de direitos patrimoniais disponíveis ou, ainda, da mediação para solução de questões envolvendo direitos disponíveis ou direitos indisponíveis passíveis de transação e negar-lhe, nessas mesmas condições, a disposição sobre situações jurídicas processuais suas em processo judicial que contemple o mesmo objeto acerca do qual caberia o uso de arbitragem ou de mediação.

O ponto a ser debatido e que suscita reflexão nesta tese reside nos limites a que se submete o Poder Público na celebração de negócios processuais e no modo de operacionalização dessa atuação consensual, a fim de resguardar princípios como os da publicidade e da isonomia, dos quais não pode a Administração Pública se dissociar.

O cabimento, porém, do uso da cláusula geral de negociação processual pelos entes públicos é conclusão de logo adotada e que se assenta sobre premissas diversas. Dentre as premissas mais gerais, destacam-se: a) o princípio do consenso ínsito ao Estado Democrático de Direito, a impor a construção de uma cultura consensual em lugar de uma cultura impositiva; b) o modelo de administração gerencial haurido a partir da reforma administrativa de 1995, que se pauta em uma atuação mais paritária e dialógica da Administração Pública em suas relações com o particular; c) as mudanças encetadas no Direito Administrativo a partir da associação do modelo de administração gerencial com o Estado Democrático de Direito, especialmente o reconhecimento de submissão dos entes públicos à juridicidade administrativa e não mais à pura e simples legalidade administrativa, o que conduz ao reconhecimento de que há outras fontes normativas capazes de imputar obrigações aos entes públicos, além da lei, inclusive fontes negociais.

Analisando-se o aspecto de coerência lógica do ordenamento jurídico brasileiro, outras premissas podem ser extraídas, especialmente: a) a abertura do Direito Administrativo brasileiro à consensualidade, espraiada não apenas nas relações dos entes públicos regidas por aquele ramo do direito, mas, também, em relações outras reguladas pelo Direito Penal, Processual Penal e Processual Civil; b) a constatação de que o art. 190 do CPC/2015, ao

prever hipótese de gestão compartilhada do procedimento183, pauta-se pela mesma linha de participação cidadã que subjaz aos demais institutos enquadrados naquele movimento de consensualidade administrativa.

Por fim, centrando-se no processo civil, três outras premissas podem ser levantadas: a) a previsão (agora expressa e de cunho geral) de possibilidade de a Administração Pública valer- se da arbitragem e da mediação para solução de seus conflitos de interesses; b) a consagração do estímulo ao uso do sistema multiportas de solução de conflitos como política pública judiciária (e, pois, estatal); c) o sistema processual civil encartado no Código de Processo Civil de 2015 que se pauta, em grande medida, na incitação à busca de soluções consensuais aos conflitos.

Sobre esse último aspecto, haveria, de resto, flagrante contradição lógica e sistemática caso o Estado, ao mesmo tempo em que editasse um Código de Processo Civil em grande medida pautado na busca de consagração de uma cultura de consenso, simplesmente se furtasse de a ele se submeter. Excluir a parcela de demandas que envolve os entes públicos do regramento previsto no art. 190 do CPC/2015 equivaleria a mitigar, em medida considerável, a efetividade da norma em questão.

Firma-se, pois, a premissa norteadora desse trabalho: os entes públicos são destinatários do regramento estatuído no art. 190 do CPC/2015184.

183 CUEVA, Ricardo Villas Bôas. Flexibilização do procedimento e calendário processual no novo CPC. In:

CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa (coord.). Negócios processuais. 2. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 496.

184 No mesmo sentido orienta-se o enunciado nº 256 do Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC): “A

2 PREMISSAS PARA A COMPREENSÃO DA CLÁUSULA GERAL DE

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