• Nenhum resultado encontrado

A teoria dos fatos jurídicos processuais: plano da eficácia

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 165-172)

1 A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO

2 PREMISSAS PARA A COMPREENSÃO DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO CPC BRASILEIRO

2.2 PREMISSAS LÓGICO-CONCEITUAIS

2.2.7 A teoria dos fatos jurídicos processuais: plano da eficácia

O exame das situações jurídicas processuais pressupõe a consideração de se inserirem elas no bojo de um procedimento, este que é, a um só tempo, um ato complexo de formação sucessiva (se visto sob o ponto de vista macro) e um complexo de atos (se visto sob a perspectiva micro)303. A dinamicidade que lhe conferem os fatos jurídicos encadeados que lhe dão forma permite que no procedimento seja identificada uma sucessão de situações jurídicas processuais, momentos captados desse movimento fático.

A situação jurídica subjetiva processual consiste na posição assumida por um determinado sujeito processual, a quem o ordenamento jurídico confere as condições necessárias à realização de uma conduta omissiva ou comissiva304. Há quem examine as situações jurídicas processuais classificando-as em situações não relacionais (que abrangeriam as situações simples ou unissubjetivas e as situações complexas intersubjetivas unilaterais) e

301

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2013, p. 183-185.

302 MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da eficácia, 1ª parte. 8. ed. São Paulo: Saraiva,

2013, p. 187-199.

303

CONSO, Giovanni. I fatti giuridici processuali penale: perfezione ed efficacia. Milano: Dott. A. Giufreé, 1955, p. 115-116 e 121; PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 88.

304

Em sentido semelhante: ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 345.

relacionais (consistentes nas situações jurídicas complexas multilaterais, constitutivas de relações jurídicas)305.

Outro critério classificatório enquadra as situações jurídicas em conformidade com a conduta nelas consignada, distinguindo-se as situações jurídicas ativas e passivas306. Tendo em vista o escopo a que se destina a presente análise (construção de sentido da cláusula de atipicidade da negociação processual no Direito brasileiro), esta segunda classificação revela- se mais importante ao seu atingimento, porquanto descortina as noções fundamentais previstas no art. 190 do CPC: ônus, poderes, faculdades e deveres processuais. Passar-se-á, pois, ao seu exame, sem prejuízo da referência à primeira classificação (situações relacionais e não relacionais), quando pertinente.

As situações jurídicas ativas contemplam autorizações, conferidas ao sujeito pelo ordenamento jurídico, para adoção de comportamentos lícitos em seu favor, ou para exigir que outrem o faça. O ato a ser praticado pelo sujeito ou por outrem atende ao interesse daquele, sendo tal interesse protegido pelo ordenamento307. Nesta categoria, costumam ser enquadrados os direitos, as faculdades e os poderes.

As situações jurídicas passivas correspondem à subordinação de um interesse pela norma jurídica, seja de modo que ao sujeito competirá praticar um ato que lhe é imposto pelo ordenamento jurídico ou aceitar um ato praticado por outrem. Os ônus e deveres são normalmente enquadrados nesta categoria308, havendo, ainda, quem aqui insira também a

305 Este é o posicionamento adotado por DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa.

Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 122.

306 Esta classificação, embora referida e utilizada por Fredie Didier Junior e Pedro Nogueira (DIDIER JUNIOR,

Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 126), não é por eles sistematizada. Adotam-na, por exemplo, ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 346-349; DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 02, p. 206-207.

307 ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR,

Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 346; DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 02, p. 206.

308 Nesse sentido: CABRAL, Antonio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da

confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 168; DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 02, p. 206, reconhecendo, embora, que os ônus ocupariam posição intermediária, já que seu atendimento se faz em prol do interesse do onerado, este que pode sofrer, na falta de cumprimento do ônus, uma consequência desfavorável. Do mesmo modo, reconhecendo o ônus como uma figura híbrida, SILVA, Paula Costa e. O processo e as situações jurídicas processuais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 779. Em sentido contrário, considerando o ônus como uma situação jurídica ativa (espécie de poder), malgrado reconhecendo que tal posição vai de encontro à da doutrina tradicional: DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 126. Fredie Didier Junior e Pedro Nogueira argumentam,

sujeição309-310.

O direito subjetivo representa o poder de ação do sujeito para buscar a satisfação de um interesse lícito seu, que recebe a tutela do ordenamento jurídico311. É expressão da liberdade individual e do querer humano312.

A faculdade é uma conduta lícita que se esgota na esfera jurídica do agente, não interferindo na esfera jurídica de outrem. Muito embora seja possível divisar as chamadas faculdades processuais puras, a exemplo da forma utilizada para redigir um ato processual (manuscrito, datilografado ou digitado) ou do preenchimento da capacidade postulatória da parte pela contratação de um advogado ou de vários, tais faculdades assim enquadradas são raras313.

Mais comum é a ocorrência de faculdades vistas como conteúdo de direitos subjetivos ou, de uma forma geral, como conteúdo de situações jurídicas ativas314, associadas, pois, a poderes (ex.: faculdade de interpor recurso) ou a direitos (ex.: faculdade de produzir ou não produzir prova em juízo)315.

em defesa de seu posicionamento, que o ônus corresponde à conduta lícita permitida pelo ordenamento e não propriamente à consequência negativa que advém do não exercício do poder pelo sujeito, esta que, inclusive, tem origem em norma jurídica diversa da que estabelece o poder inerente ao ônus (idem, p. 127). Murilo Teixeira Avelino também enquadra o ônus como uma posição jurídica ativa (AVELINO, Murilo Teixeira. A posição do magistrado em face dos negócios jurídicos processuais. Revista de Processo, São Paulo, n. 246, ago./2015, p. 227). Optar-se-á, neste trabalho, por seguir a concepção que enquadra o ônus como situação jurídica mista ou híbrida, uma vez que a possibilidade de ao agente ser imputada uma consequência desfavorável é aspecto relevante na conceituação do ônus, do mesmo modo que a faculdade de praticar ou não uma determinada conduta, sendo ambos aspectos indissociáveis na caracterização dessa situação jurídica processual.

309 Esta é a posição adotada por ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil

contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 347-348.

310 Antonio do Passo Cabral adota a classificação das posições jurídico-processuais que as divide em posições de

vantagem, posições de desvantagem e posições neutras. No primeiro grupo, enquadram-se os direitos e os poderes; no segundo, os deveres, as sujeições e os ônus; no terceiro, a faculdade (CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 165-167).

311 FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 102. 312

CABRAL, Antônio do Passo. Nulidades no processo moderno: contraditório, proteção da confiança e validade prima facie dos atos processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2009, p. 165-166.

313 DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

v. 02, p. 208.

314

FONTES, André. A pretensão como situação jurídica subjetiva. Belo Horizonte: Del Rey, 2002, p. 104. Cândido Rangel Dinamarco afirma, ainda, a possibilidade de a faculdade vir associada a ônus (DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 02, p. 108-109).

315

Luiz Guilherme Marinoni e Sérgio Cruz Arenhart esclarecem que o ônus da prova e o direito de produzir prova são realidades não conflitantes; enquanto o direito é exercido em face do Estado, a quem é defeso negar à parte o direito à produção de prova (salvo quando haja um exercício abusivo desse direito, o que ocorre, por exemplo, quando a parte pretende fazer prova de fato inútil ou irrelevante ao deslinde do feito ou, ainda, quando pretenda valer-se da produção de prova apenas com intuito protelatório), o ônus relaciona-se às consequências processuais do comportamento da parte (MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Prova. São Paulo: RT, 2009, p. 173).

O poder também consiste em conduta permitida pelo ordenamento jurídico, com a especificidade de que ele gera, para o agente, a capacidade de influir na esfera jurídica alheia, nela produzindo efeitos, ou seja, fazendo surgir novas posições jurídicas316-317.

Fredie Didier Junior e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira enquadram os poderes processuais, dentro da classificação entre situações relacionais e não relacionais, nesta segunda categoria, ao lado das qualidades (legitimidade ad processum e competência, por exemplo)318. Ambos (poderes e qualidades) são vistos como situações autônomas, para as quais a referibilidade a outro sujeito é dado irrelevante319.

Em sentido contrário, José Maria Rosa Tesheiner320 e Helena Abdo321 vislumbram os poderes processuais como situações jurídicas relacionais, havendo sua correspectividade com a sujeição. Paula Costa e Silva reconhece que o poder processual titularizado por uma parte não abarca uma posição que se contraponha à situação da parte adversa. Pondera, no entanto, que a parte demandada sujeita-se ao direito potestativo de ação da parte demandante, sendo possível, neste caso, identificar uma relação entre as partes. Ao revés, tal relação não ocorreria no que diz respeito aos poderes em que são as partes investidas no decorrer do processo e que preenchem o conteúdo desse direito potestativo de ação322.

Entende-se que há, de fato, uma simetria entre poder e sujeição, percebida esta como

316 CINTRA. Antonio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pellegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel. Teoria

geral do processo. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 283.

317

Para Paula Costa e Silva, muitos “direitos processuais” apontados pela doutrina consistem em poderes processuais, de que seriam exemplos o poder de contestar ou de produzir prova, poderes estes cuja natureza jurídica aproximar-se-ia da dos chamados direitos potestativos. Logo seria ao poder e não ao direito subjetivo que se deveria reconduzir o intérprete quando estivesse diante de um denominado “direito processual” (SILVA, Paula Costa e. O processo e as situações jurídicas processuais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 777-778). A autora aparentemente não distingue a faculdade do poder, utilizando-os como sinônimos, o que pode ser observado à p. 782, em que a autora faz referência à categoria (singular) dos “poderes ou faculdades”, bem assim à p. 790, em que conceitua os direitos processuais como sendo “faculdades ou poderes integradas no conteúdo do direito de acção”.

318 Interessante gizar que as qualidades (gênero no qual os citados autores abarcam as qualidades e as

qualificações referidas por Marcos Bernardes de Mello) são situações jurídicas não relacionais enquadráveis como situações simples ou unissubjetivas, enquanto que os poderes processuais são situações jurídicas não relacionais (unilaterais) complexas. (DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 123-125).

319 DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais.

Salvador: Juspodivm, 2011, p. 122-124.

320 TESHEINER, José Maria Rosa. Situações subjetivas e processo. Revista de processo, São Paulo, n. 107, jul.-

set./2002, p. 21 e 23.

321

A autora pontua, inclusive, a divergência doutrinária quanto à aceitação da categoria da sujeição, tida por situação jurídica inativa (ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 349).

322

SILVA, Paula Costa e. O processo e as situações jurídicas processuais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 795-797 e 808.

uma situação de subordinação inevitável aos efeitos produzidos pela conduta de outrem323. No entanto, o poder processual pode ser examinado sem que haja uma referibilidade a outro sujeito que não o seu titular. A relacionalidade não é, portanto, dado relevante à compreensão do poder324.

O ônus é a situação jurídica segundo a qual ao agente revela-se necessário ou, quando menos, conveniente a adoção de determinado comportamento, com o escopo de obter uma vantagem ou de evitar uma situação a si desfavorável. O não atendimento ao ônus não se revela como ilicitude (como ocorre com a não observância de um dever), havendo liberdade ao sujeito para optar entre cumpri-lo ou não325.

O ônus da prova é exemplo clássico dessa categoria eficacial: pela regra da distribuição estática do ônus da prova, consignada no art. 373 do CPC/2015, ao autor incumbe provar os fatos constitutivos do seu direito e ao réu, os fatos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito do autor.

Sendo alegado pelo réu um fato modificativo do direito do autor, como o pagamento parcial de crédito cobrado em juízo, por exemplo, o ordenamento jurídico lhe confere o poder de realizar tal prova, imputando-lhe, caso assim não proceda (já que o exercício ou não do poder é uma faculdade), uma consequência desfavorável, consistente no desprezo a tal argumento de defesa, com a possibilidade de vir a ser condenado no pagamento da totalidade da dívida vindicada.

Os deveres processuais são condutas exigidas dos sujeitos processuais ou a eles vedada, com vistas ao atendimento de interesse alheio. O processo apresenta ampla maioria de ônus processuais em detrimento de deveres, circunstância gerada no intuito de racionalizar o tempo no processo. Desse modo, evita-se a imposição de sanções pelo desatendimento dos deveres (o que retardaria o curso processual), sem olvidar o fato de que o descumprimento do ônus por vezes é mais prejudicial ao sujeito do que as penas processuais que lhe possam ser impostas326.

323

NAVES, Bruno Torquato de Oliveira. O direito pela perspectiva da autonomia privada: relação jurídica, situações jurídicas e teoria do fato jurídico na segunda modernidade. 2. ed. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014, p. 41.

324

DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Teoria dos fatos jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2011, p. 124.

325 DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

v. 02, p.209.

326

ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 348.

Há deveres titularizados por todos os sujeitos processuais. Os deveres de cooperação, por exemplo, direcionam-se a todos os sujeitos do processo, conforme estatuído pelo art. 6º do CPC/2015. Fala-se em deveres de lealdade, de correção e urbanidade, de agir em conformidade com os padrões da boa-fé processual, válidos também para todos os sujeitos processuais. De relação ao órgão jurisdicional, especificamente, destacam-se o dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, o dever de garantir a igualdade substancial entre as partes, o dever de observar o contraditório327, o dever de decidir, dentre outros.

No entanto, os deveres processuais comportam-se de maneira diferente dos deveres relativos que decorrem de um direito à prestação, porquanto aqueles não se prestam a tutelar interesse da parte contrária, mas, sim, a garantir a adequada realização da atividade jurisdicional328. Os deveres processuais decorrem da posição institucional ocupada pela parte e não de uma especial relação havida entre os litigantes. Por tal razão, Paula Costa e Silva qualifica-os como deveres institucionais absolutos, registrando que não existem situações processuais ativas que lhes correspondam329.

Duas observações revelam-se necessárias acerca do tema, ambas concernentes às situações jurídicas processuais titularizadas pelo órgão jurisdicional. Os poderes conferidos ao magistrado guardam a peculiaridade de se conformarem como verdadeiros poderes- deveres330, tendo em vista que lhe são deferidos não em seu próprio interesse, mas para o exercício da atividade jurisdicional, ou seja, para o atendimento a uma função estatal. Logo, ao mesmo tempo em que se concede ao juiz um dado poder, exige-se-lhe o seu exercício. Não

327 Exemplos extraídos de: SILVA, Paula Costa e. O processo e as situações jurídicas processuais. In: DIDIER

JUNIOR, Fredie; JORDÃO, Eduardo Ferreira (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 783; ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 347; DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 02, p. 215.

328 SILVA, Paula Costa e. O processo e as situações jurídicas processuais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie;

JORDÃO, Eduardo Ferreira (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 800- 801.

329 SILVA, Paula Costa e. O processo e as situações jurídicas processuais. In: DIDIER JUNIOR, Fredie;

JORDÃO, Eduardo Ferreira (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2007, p. 807- 808. A explicação trazida no texto é apenas notícia do posicionamento da autora, que apresenta uma sequência lógico-discursiva para demonstrar a natureza absoluta dos deveres processuais, não decorrentes de relação havida entre as partes, fazendo-o nas p. 790-808 do artigo em referência.

330

Adotam essa terminologia, por exemplo, VÉSCOVI, Enrique. Teoría general del proceso. 2. ed. Colombia: Editorial Temis S.A., 1999, p. 212 e GODINHO, Robson Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil. São Paulo: RT, 2015, p. 45. José Roberto dos Santos Bedaque, examinando especificamente os poderes instrutórios do juiz, registra que o poder a ele outorgado não é discricionário, já que, subsumindo-se a situação concreta àquela hipoteticamente prevista na norma, ao juiz caberá aplicar a regra invocada. Apesar dessa ressalva, todavia, o autor não faz uso da expressão poder-dever (BEDAQUE, José Roberto dos Santos. Poderes instrutórios do juiz. 3. ed. São Paulo: RT, 2001, p. 147-153).

há faculdade do magistrado em valer-se do seu poder, mas dever em fazê-lo, presentes as condições favoráveis a tanto331.

Preenchidos os pressupostos de admissibilidade da petição inicial, o juiz tem o poder- dever de admiti-la; do contrário, contendo tal peça um vício que resulte em sua inadmissibilidade, o magistrado terá o poder-dever de instar a parte a corrigi-lo, exercitando o dever de prevenção ínsito ao princípio da cooperação. Não sanado o vício no prazo para tanto fixado, exsurgirá o poder-dever judicial de inadmitir a petição inicial.

A segunda observação reside no fato de que não há, para o juiz, opção pessoal de praticar ou não um determinado ato, sendo-lhe estranha a ideia de liberdade de conduta, ao menos tal como concebida para as partes. O juiz é dotado de poderes-deveres, pelas razões já afirmadas. Cândido Rangel Dinamarco nega a existência de faculdades e ônus processuais outorgados ao julgador332.

Por fim, cabível neste tópico uma reflexão sobre o conceito de processo à luz do plano da eficácia dos atos jurídicos. O processo pode ser pensado como efeito jurídico. O termo processo, aliás, do ponto de vista jurídico, contempla distintas significações. Pode ser encarado, sob o ângulo da teoria da norma jurídica, como método de exercício do poder (método de produção de norma jurídica legislativa, administrativa, jurisdicional e negocial). Sob o prisma da teoria do fato jurídico – plano da existência – como ato jurídico complexo (sinônimo de procedimento). E sob a perspectiva dessa mesma teoria do fato jurídico, examinando-se o plano da eficácia, como relação jurídica ou, mais propriamente, conjunto de relações jurídicas estabelecidas entre os sujeitos processuais333.

A compreensão de que o processo é constituído não por uma, mas por um conjunto de relações jurídicas (formadas entre os diversos sujeitos processuais: autor, juiz, réu, terceiros intervenientes, perito, auxiliares da justiça, órgão ministerial, dente outros)334 é importante para melhor compreender a temática dos negócios jurídicos processuais. À luz do art. 190 do

331 DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

v. 02, p. 212. Estendendo tal noção de poder-dever também à atuação do Ministério Público: ABDO, Helena. As situações jurídicas processuais e o processo civil contemporâneo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial – segunda série. Salvador: Juspodivm, 2010, p. 347.

332 DINAMARCO. Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009,

v. 02, p. 213. De relação às faculdades processuais, entende-se que o posicionamento do autor deveria fazer ressalva àquelas ditas puras, a exemplo da escolha da forma de redação da decisão (manuscrita, datilografada ou

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 165-172)

Outline

Documentos relacionados