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O histórico legislativo pátrio

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 107-114)

1 A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO

2 PREMISSAS PARA A COMPREENSÃO DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO CPC BRASILEIRO

2.1 PREMISSAS HISTÓRICAS E IDEOLÓGICAS

2.1.4 O histórico legislativo pátrio

Excetuada a fase do “Brasil colônia”, que não será examinada nesta ocasião50, pode-se afirmar que textos legislativos do Império e da República brasileiros51 sempre contiveram previsões quanto à possibilidade de as partes negociarem acerca de matéria processual. O mesmo não se pode dizer, entretanto, com referência à disposição doutrinária e jurisprudencial em lhes conferir os devidos sentido e alcance, deles extraindo normas com aptidão para permitir a consolidação de um espaço razoável ao exercício, pelas partes, da sua autonomia da vontade nessa matéria.

A Constituição do Império de 1824, em seu art. 160, encartado no Título que disciplinava o Poder Judicial, contemplava a possibilidade de as partes celebrarem convenção de arbitragem, inclusive com pacto de não interposição de recurso contra a sentença arbitral.

O Decreto nº 737, de 25 de novembro de 1850 (conhecido como Regulamento nº 737 de 1850), que disciplinava o processo no âmbito comercial, contemplava, em sua Parte Primeira (Do Processo Commercial), Título II (Da ordem do Juízo), um capítulo (Capítulo I – Da conciliação) disciplinando a conciliação, cuja tentativa prévia era tida como condição necessária para a propositura de demanda comercial em juízo contencioso, salvo exceções previstas no dispositivo (art. 23).

O art. 37 do referido Regulamento 737, ao regrar a conciliação supramencionada, estabelecia a possibilidade de as partes, no ato conciliatório, sujeitarem-se à decisão do juiz conciliador, assinando, juntamente com aquele, termo que teria a força de compromisso. E o

do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 03, p. 563; CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 137 e 153; REDONDO, Bruno Garcia. Negócios processuais: necessidade de rompimento radical com o sistema do CPC/1973 para a adequada compreensão da inovação do CPC/2015 In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 274. Em sentido contrário, podendo ser extraído de seu texto a contratualização do processo como um aspecto negativo, a ser evitado, eis que remontaria à perspectiva privatista do processo: CÂMARA, Marcela Regina Pereira. A contratualização do processo civil? Revista de processo, São Paulo, n. 194, abr./2011, p. 396-397.

50 Pedro Henrique Pedrosa Nogueira apresenta breve notícia histórica acerca das Ordenações do Reino,

destacando o reduzidíssimo espaço à autonomia da vontade das partes, decorrente do rigor das regras constantes de tais diplomas legislativos, malgrado estivessem sob a égide do princípio dispositivo. Como exceções, pontua a possibilidade de escolha, pelas partes, dos juízes árbitros que dirimiriam a controvérsia, previsão constante do Livro III, Título XVI, das Ordenações Filipinas, bem como o juízo de conciliação prévia, previsto nas Ordenações Filipinas, Livro III, Título XX e no art. 161 da Constituição de 1824 (NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 139).

51 De relação à República, o exame cingir-se-á aos textos legislativos federais; não serão examinados os

mesmo dispositivo complementava, asseverando que “o Juiz como arbitro dará sobre elle sentença, que, depois de homologada, será pelo Juiz competente executada, com recurso ou sem elle, si assim o convencionarem as partes”. Trata-se de autêntica convenção processual.

Mais adiante, no Título III (Das acções summarias) da Parte Primeira, o art. 245, contendo a previsão de acordo processual para a escolha de procedimento, permite a adoção do procedimento sumário em qualquer demanda, por convenção das partes (“Esta fórma de processo é extensiva a qualquer acção, si as partes assim convencionarem expressamente”)52

. O Decreto-Lei nº 1.608, de 18 de setembro de 1939 (CPC/1939), previu, no art. 269, §1º53, convenção dos litisconsortes com o escopo de disciplinar a divisão do tempo para apresentação dos debates orais; seu art. 440, I, admitiu a escolha consensual do agrimensor que atuaria na ação de divisão e demarcação de terras54; já no art. 909, I, estabeleceu a possibilidade de escolha convencional do procedimento de liquidação por arbitramento55-56.

De se notar, ainda, que o Decreto-Lei nº 4.565/1942 alterou a redação original do art. 129 do CPC/1939, que preconizava ser o perito profissional de livre escolha do juiz57. Com a redação conferida pelo aludido Decreto-Lei, passou a ser facultada a escolha consensual do perito pelas partes, remanescendo a possibilidade residual de sua indicação pelo juiz, à

52 Pedro Henrique Pedrosa Nogueira aponta outros exemplos de negócios processuais encontráveis no

Regulamento 737 de 1850, a saber: a escolha convencional de foro, prevista no art. 62 (“Art. 62. Todavia obrigando-se a parte expressamente no contrato a responder em logar certo, ahi será demandada, salvo si o autor preferir o fôro do domicilio”) e o juízo arbitral voluntário estabelecido no art. 411, §1º, do referido diploma (“Art. 411. O Juizo arbitral ou é voluntario ou necessario: § 1.º É voluntario, quando é instituido por compromisso das partes”) (NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 139). Os artigos 412 a 417 cuidam do compromisso a ser celebrado entre as partes.

53

Com a redação dada pelo Decreto-Lei nº 4.565/42: “Art. 269. Terminada a instrução, o juiz fixará o objeto da demanda e os pontos em que se manifestou a divergência. Em seguida será dada a palavra ao procurador do autor e ao do réu e o órgão do Ministério Público, sucessivamente, pelo prazo de vinte minutos para cada um, prorrogável por dez, a critério do juiz. §1º Havendo litisconsorte ou terceiro interveniente, o prazo, que formará com o da prorrogação um só todo, dividir-se-á entre os do mesmo grupo, se o contrário não convencionarem”.

54 “Art. 440 – Concordando as partes, poderá ser feita a divisão, ou a demarcação, observadas as seguintes

regras: I – escolhido em petição assinada por todos os interessados, ou nomeado pelo juiz, o agrimensor procederá à divisão ou demarcação na forma prescrita neste Código, ou convencionada pelas partes; (...)”. De Plácido e Silva registra que a possibilidade de as partes convencionarem acerca da norma a ser seguida pelo perito agrimensor torna subsidiária a incidência das normas previstas no CPC/1939, o que somente ocorrerá em caso de inexistência de convenção sobre a matéria (SILVA, De Plácido e. Comentários ao Código de Processo Civil. Curitiba: Guaíra, 1940, p. 339).

55

“Art. 909. Far-se-á a liquidação por arbitramento: I – quando as partes expressamente o convencionarem, ou o determinar a sentença; (...)”

56 Pedro Henrique Pedrosa Nogueira refere-se, ainda, à suspensão consensual do processo (Art. 197. Suspender-

se-á a instância: (...) II – por convenção das partes”), à desistência da demanda (“Art. 206. A cessação da instância verificar-se-á por transação, ou desistência, homologada pelo juiz”) e à revogação do recurso por substituição (“Art. 809. A parte poderá variar de recurso dentro do prazo legal, não podendo, todavia, usar, ao mesmo tempo, de mais de um recurso”) (NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 140).

57 Redação original do art. 129 do CPC/1939: “Art. 129. Os exames periciais serão feitos por um perito, sempre

míngua de acordo entre os litigantes58. Nova alteração foi impingida ao dispositivo em 1946, pelo Decreto-Lei nº 8.570/1946, deixando menos evidente (mas não excluindo) a possibilidade de escolha consensual do perito e tratando de maneira diversa as hipóteses em que não haja concordância quanto à seleção daquele profissional pelas partes59.

O Código de Processo Civil de 1939 surge em um momento histórico regido por forte influência publicista, exaltadora da ampliação dos poderes do juiz e da natureza pública da relação jurídica processual, quadro em que as convenções das partes em matéria processual eram vistas como interferência indevida nos poderes judiciais. Apenas o Estado poderia ditar regras de procedimento. Esse modo de pensar norteou a elaboração do referido diploma processual60-61. Tome-se, por exemplo, o art. 16 do CPC/1939, que preconizava: “as desistências não dependerão de termo, embora só produzam efeitos depois de homologadas por sentença”62

.

Com o advento da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (CPC/1973), a eficácia dos atos de disposição das partes deixou de estar, em regra, condicionada à chancela judicial (homologação ou deferimento). O CPC/1973 previu a produção imediata de efeitos desses atos, à exceção da desistência da demanda, que dependeria de homologação judicial por

58 Redação conferida ao art. 129 do CPC/1939 pelo Decreto-Lei nº 4.565/1942: “Art. 129. Os exames periciais

serão feitos por um perito, sempre que possível técnico, de escolha do juiz, salvo se as partes acordarem num mesmo nome e o indicarem. Se a indicação for anterior ao despacho do juiz, este nomeará o perito indicado. Não havendo indicação, a escolha do juiz prevalecerá se as partes não indicarem outro perito dentro de quarenta e oito (48) horas após o despacho de escolha”.

59

Redação conferida ao art. 129 do CPC/1939 pelo Decreto-Lei nº 8.570/1946: “Art. 129. Os exames periciais poderão ser feitos por um só louvado, concordando as partes; se não concordarem indicarão de lado a lado o seu perito e o juiz nomeará o terceiro para desempate por um dos laudos dos dois antecedentes, caso não se contente com um destes”.

60

CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 113.

61 Leonardo Greco destaca que o Código de Processo Civil de 1939 surge em um contexto de exaltação dos

poderes estatais, em que se vislumbra o instrumento processual como vocacionado à realização do bem comum e a figura do juiz como o concretizador do ideal de justiça, ainda que sem a colaboração das partes e mesmo que às custas de uma postura paternalista (GRECO, Leonardo. Publicismo e privatismo no processo civil. Revista de processo, São Paulo, n. 164, out./2008, p. 41).

62 De Plácido e Silva, em comentário ao referido artigo, aponta a homologação judicial como exigência máxima,

fundamental para a validade do ato de desistência, tratando-a, pois, como requisito de validade, malgrado o CPC/1939 claramente indique cuidar-se a homologação de condição eficacial da desistência. A confusão entre os planos de validade e de eficácia do fato jurídico, verificada na obra em análise, é decorrência, em grande medida, do não desenvolvimento, à época, de uma teoria do fato jurídico processual (SILVA, De Plácido e. Comentários ao Código de Processo Civil. Curitiba: Guaíra, 1940, p. 33-34). Posição menos radical é adotada por Jorge Americano, entendendo desnecessária a homologação judicial quando seja suficiente, para a prática do ato, o instrumento particular. Afasta, portanto, a homologação judicial como condição de eficácia de toda desistência (AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1958, v.1, p. 42). Já sob a égide do CPC/1973, Edson Prata também aponta a homologação como requisito de validade do ato de desistência da ação (PRATA, Edson. Comentários ao Código de Processo Civil. Rio de Janeiro: Forense, 1987, v. 2, t.1, p. 493).

sentença63.

Sem previsão no Código antecedente, o CPC/1973 apresentou o caput do art. 158, com a seguinte redação: “os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais”. Seu parágrafo único alterava parcialmente a regra do art. 16 do CPC/1939, dispondo que “a desistência da ação só produzirá efeito depois de homologada por sentença”.

A posição doutrinária prevalecente sobre o CPC/1973 reputava-o fundado no publicismo processual, dada a prevalência da figura do juiz em relação às partes. Em razão desse fato, a autonomia da vontade das partes para convencionarem em matéria processual sempre foi vista com muitas reservas na vigência do Código em questão. O diploma legal processual de 1973 previu alguns negócios processuais típicos (eleição de foro, convenção sobre ônus da prova, adiamento consensual da audiência, suspensão convencional do processo, dentre outros), mas a doutrina o considerou silente quanto ao estabelecimento de uma cláusula geral de atipicidade dos negócios processuais celebrados pela parte, não enxergando tal papel no art. 158 do CPC/197364.

A técnica processual, no sistema definido pelo CPC/1973, sobrepunha os interesses públicos resguardados pelo processo à autonomia privada, de modo que às partes descabia convencionar, de regra, acerca de forma de atos processuais e de situações jurídicas processuais65. O procedimento também atendia, sobretudo, ao interesse público, não podendo ser objeto de convenção das partes, ainda que com a concordância judicial. O sistema processual estruturado pelo CPC/1973 era, pois, tímido em relação ao autorregramento da vontade das partes em matéria de procedimento66.

Parcela minoritária da doutrina considera que o art. 158 do CPC/1973 contemplava autorização legal para a celebração de negócios processuais atípicos, inserindo-se nesse rol de

63GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual – primeiras reflexões. In: MEDINA, José Miguel Garcia

et al. (coord.). Os poderes do juiz e o controle das decisões judiciais: estudos em homenagem à professora Teresa Arruda Alvim Wambier. São Paulo, RT, 2008, p. 293.

64 REDONDO, Bruno Garcia. Negócios processuais: necessidade de rompimento radical com o sistema do

CPC/1973 para a adequada compreensão da inovação do CPC/2015 In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 270-271.

65

MACHADO, Marcelo Pacheco. A privatização da técnica processual no projeto de novo Código de Processo Civil. In: FREIRE, Alexandre et al. (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 03, p. 344.

66

OLIVEIRA, Pedro Miranda de. A flexibilização do procedimento e a viabilidade do recurso extraordinário per saltum no CPC projetado. In: FREIRE, Alexandre et al. (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2014, v. 03, p. 502.

doutrinadores Leonardo Carneiro da Cunha67, Bruno Garcia Redondo68 e Antonio do Passo Cabral69. Eduardo Costa busca extrair do art. 461, §5º, do CPC/1973 o fundamento legal para aceitação, sob a égide do referido diploma processual, do pacto de cronograma de cumprimento voluntário das obrigações de fazer contidas em comando sentencial70.

Também com lastro no art. 461, §5º, do CPC/1973, Fredie Didier Junior e Pedro Henrique Pedrosa Nogueira defendem a viabilidade de o magistrado valer-se de uma promessa de recompensa judicial (negócio jurídico unilateral atípico consistente na previsão de uma sanção premial para o cumprimento espontâneo de uma obrigação – redução do valor de astreintes ou da verba honorária fixada, por exemplo) para encorajar o devedor a cumprir a sua prestação71. Em outro trabalho, Pedro Nogueira, sem fazer correlação direta com o art. 158 do CPC/1973, extrai, a partir de uma interpretação sistemática do ordenamento jurídico- processual brasileiro, a possibilidade de celebração, pelas partes, de pacto atípico de acordo de procedimento72.

No entanto, uma vez que a própria existência da categoria dos negócios jurídicos processuais era debatida também na doutrina brasileira, havendo vozes que se levantaram contrariamente à sua aceitação73, natural se revelava a renitência doutrinária em extrair do

67 CUNHA, Leonardo Carneiro da. Negócios jurídicos processuais no processo civil brasileiro. In: CABRAL,

Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 44 e 56.

68

REDONDO, Bruno Garcia. Negócios processuais: necessidade de rompimento radical com o sistema do CPC/1973 para a adequada compreensão da inovação do CPC/2015 In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 271.

69 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 90-91, nota de rodapé

nº 223.

70 COSTA, Eduardo José da Fonseca. A “execução negociada” de políticas públicas em juízo. Revista de

processo, São Paulo, n. 212, out./2012, p. 45.

71

DIDIER JUNIOR, Fredie; NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. A promessa de recompensa judicial. Disponível em: https://www.academia.edu/9247598/Promessa_de_recompensa_judicial. Acesso em: 03/10/2015.

72 No CPC/1973, Pedro Nogueira destaca ser a eleição, quando possível, do procedimento pelo autor um negócio

jurídico processual unilateral (ex.: opção entre ajuizamento de ação ordinária ou de mandado de segurança ou escolha entre procedimento sumário ou ordinário ou, ainda, eleição entre procedimento ordinário ou rito dos juizados estaduais). Se o autor pode eleger o procedimento sozinho em várias situações, prossegue, nada impede que essa escolha seja feita previamente pelos futuros litigantes em cláusula contratual, desde que possível, pelo sistema, tal opção (não implicando ela, por exemplo, violação de competência absoluta ou ampliação de hipóteses restritivas de cabimento de um dado procedimento). (NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. A cláusula geral do acordo de procedimento no Projeto do Novo CPC (PL 8.046/2010). In: FREIRE, Alexandre et al. (org.). Novas tendências do processo civil: estudos sobre o Projeto do Novo Código de Processo Civil. Salvador: Juspodivm, 2013, p. 22-23).

73

Dentre elas, por todas: CÂMARA, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil. 19. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 231-232; KOMATSU, Roque. Da invalidade no processo civil. São Paulo: RT, 1991, p. 141; DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2009, v.2, p. 484; MITIDIERO, Daniel Francisco. Comentários ao Código de Processo Civil. São Paulo: Memória Jurídica, 2005, t. 2, p. 13 e 15; THEODORO JUNIOR. Humberto. Curso de direito processual civil. 31. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000,v. 1, p. 191 (o autor nega relevância à categoria, não vislumbrando utilidade prática em distinguir os negócios processuais dos atos processuais); GONÇALVES, Marcus Vinicius

texto legislativo do art. 158 do CPC/1973 sentido e alcance tão amplos a ponto de lhe reconhecer a natureza jurídica de cláusula aberta.

Examinando o comportamento doutrinário em derredor do dispositivo legal, Antonio do Passo Cabral esclarece que o art. 158 do CPC/1973 referir-se-ia expressamente à autonomia das partes para celebrar negócios jurídicos unilaterais e plurilaterais. No entanto, a doutrina tradicionalmente lhe conferiu uma interpretação restritiva, pautada na concepção publicista do processo, que limitava os acordos processuais àqueles previstos em lei, já que esta era a única fonte admitida para a fixação de normas processuais. Assevera, ainda, que a referida doutrina sofreu clara influência de Oskar von Bülow, que rechaçava o processo convencional sob o fundamento de que o princípio dispositivo não autorizaria uma alteração de regras processuais74.

A imperiosidade de conciliar o caráter público do processo com a atribuição de maior flexibilidade aos procedimentos jurisdicionais previstos em lei conduziu a doutrina a enfrentar o problema atinente à adaptabilidade procedimental, vista como forma de solução dos problemas relacionados à gestão da atividade jurisdicional75.

O princípio da adaptabilidade confere ao juiz poderes para, concretamente e à luz do caso a ser julgado, alterar o procedimento, modulando-o para mais bem atender ao direito material a ser tutelado no processo. Muito embora não lhe tenha sido conferida previsão legal expressa no CPC/1973, sua presença era extraída de dispositivos específicos, a exemplo dos arts. 6º, VIII, do CDC/1990 e dos arts. 330, 331 e 491 do CPC/197376.

A conformação do procedimento pelo juiz acha-se em maior sintonia com a tendência publicista, ampliando os poderes judiciais. A adaptação consensual do procedimento judicial, decorrência lógica da valorização da autonomia da vontade das partes no processo, é o grande desafio posto à doutrina e à jurisprudência para os anos vindouros. Afinal, o art. 190 do CPC/2015 não deixa margem a dúvidas quanto à possibilidade de celebração de negócios

Rios. Novo curso de direito processual civil. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2014, v. 1, p. 225-226; MARDER, Alexandre S. Das invalidades no direito processual civil. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 45-47; Calmon de Passos reconhece a existência, in abstrato, da categoria dos negócios processuais, embora a repute inexistente no sistema processual brasileiro vigente sob a égide do CPC/1973, na medida em que a vontade das partes não seria suficiente, por si só, para produzir imediatamente efeitos sobre a relação jurídica processual, dependendo da intermediação judicial (PASSOS, José Joaquim Calmon de. Esboço de uma teoria das nulidades aplicada às nulidades processuais. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 69-70).

74

CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 89.

75 CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 197.

76 DIDIER JUNIOR, Fredie. Sobre dois importantes (e esquecidos) princípios do processo: adequação e

adaptabilidade do procedimento. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/35-artigos-mai- 2010/5806-sobre-dois-importantes-e-esquecidos-principios-do-processo-adequacao-e-adaptabilidade-do- procedimento>. Acesso em: 06/08/2015.

jurídicos processuais atípicos, inclusive para fins de adequação procedimental.

A crise do Judiciário propulsionou o desenvolvimento dos meios alternativos de solução de conflitos (MASC) ou alternative dispute resolution (ADR), especialmente da arbitragem, da conciliação e da mediação77.

A falta de flexibilidade procedimental compelia os cidadãos a evitar o processo judicial estatal, estando-lhes reservados, como solução ao problema, a arbitragem e o forum shopping, o segundo utilizado, sobretudo – mas não exclusivamente –, nos casos de contratos internacionais (fuga de um ordenamento estatal para outro)78.

Deve-se registrar que a atividade jurisdicional não estatal (arbitragem) valoriza um modelo de processo negociado79. A Lei de Arbitragem, nº 9.307/1996, prestigia a autonomia da vontade das partes, permitindo o uso da equidade (art. 2º) e a escolha livre das regras de direito que serão aplicadas no processo arbitral, desde que não sejam violados os bons costumes e a ordem pública (art. 2º, §1º). As partes podem, inclusive, valer-se de regras de órgão arbitral institucional ou de entidade especializada, tomando-as de empréstimo para o seu procedimento (art. 5º). O âmbito de liberdade das partes abrange, ainda, a definição do

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