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A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA CONSENSUAL

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 42-46)

1 A CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO DIREITO BRASILEIRO

1.3 A ATUAÇÃO ADMINISTRATIVA CONSENSUAL

Qualifica-se como atuação administrativa consensual, em sentido amplo, toda e qualquer forma de agir da Administração Pública pautada em acordo de vontades, na esfera administrativa ou na judicial, quer se trate de relacionamentos travados no âmbito da própria

49 BINENBOJM, Gustavo. A constitucionalização do direito administrativo no Brasil: um inventário de avanços

e retrocessos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (coord.). A constitucionalização do direito: fundamentos teóricos e aplicações específicas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 760-761. Registre- se que o modelo decisório plural introduzido pelo surgimento das agências reguladoras traz a lume questionamentos como o concernente à necessidade ou não de previsão de novos mecanismos de participação administrativa e de controle social para legitimar as decisões adotadas pelas agências, além da tradicional via eleitoral. Trata-se de tema que põe em pauta, portanto, a participação do administrado na formação da decisão administrativa (idem, p. 762).

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Entendida a expressão “Fazenda Pública” como sinônima das expressões “Estado em juízo”, “ente público em juízo”, “Poder Público em juízo” e “pessoa jurídica de direito público em juízo”. Adotando essa nomenclatura: CUNHA, Leonardo Carneiro da. A Fazenda Pública em juízo. 13. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016, p. 05.

Administração, quer se refira a relações havidas com o administrado51.

Trata-se de modo de gestão da coisa pública, calcada na participação social institucionalizada e aplicável às funções estatais executiva, administrativa e jurisdicional. Por intermédio da administração consensual, o particular passa a participar do processo de construção do meio de implementação do interesse público em situações concretas, pautando- se na premissa de inviabilidade de o Poder Público concentrar em si o exercício dos misteres públicos52.

A noção de administração consensual não se restringe ao uso do contrato administrativo em sua acepção clássica. Em verdade, para a sua configuração, a própria concepção de Administração Pública é repensada: em lugar da Administração monológica, avessa à comunicação com a sociedade, erige-se uma Administração dialógica, paritária e consensual; em lugar do Estado impositor, apresenta-se o Estado mediador53.

A amplitude do conceito de atuação administrativa consensual permite antever que se está diante de uma categoria jurídica genérica, da qual é possível extrair espécies. As modalidades de atuação consensual da Administração Pública podem ser classificadas segundo diversos critérios. Quanto à natureza da função objeto de negociação, fala-se em atuação concertada administrativa nos campos da decisão administrativa (função de promover o interesse público), da execução administrativa (função de satisfazer o interesse público) e da atividade judicativa administrativa (função de recuperar o interesse público)54.

Quanto à intensidade da atuação consensual para a formação da decisão administrativa, a participação do administrado pode se dar de modo coadjuvante ou determinante. No primeiro caso, o particular é ouvido e auxilia na formação daquela decisão, mas sua

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PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 111. A autora refere, ainda, um sentido amplíssimo de consensualidade administrativa, abarcante das hipóteses em que a Administração possibilita a participação do administrado no procedimento administrativo, especialmente por meio de audiências e consultas públicas. Para os escopos de seu trabalho, Juliana Bonacorsi de Palma adota a expressão consensualidade no sentido restrito, designativa de uma técnica de gestão administrativa que se vale da utilização de acordos celebrados com o administrado para ultimação de processos administrativos, envolvendo a negociação de prerrogativas públicas (idem, p. 111-112). O presente capítulo possui objeto mais amplo, volvendo-se à demonstração da presença da consensualidade na atuação administrativa judicial e extrajudicial, de modo que o sentido de consensualidade que melhor se adequa a tal propósito é o indicado no texto (sentido amplo).

52 LOUBET, Wilson Vieira. O princípio da indisponibilidade do interesse público e a administração consensual,

Brasília: Consulex, 2009, p. 82.

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OLIVEIRA, Gustavo Justino de; SCHWANKA, Cristiane. A administração consensual como a nova face da Administração Pública no Séc. XXI: fundamentos dogmáticos, formas de expressão e instrumentos de ação. Revista de direito do estado, Rio de Janeiro, n. 10, abr.-jun./2008, p. 276-277.

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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, jan.-mar./2003, p. 147. No artigo em referência, o autor apresenta um rol de exemplos de cada uma dessas espécies de atuação concertada às p. 147-155.

participação não vincula a Administração. No segundo caso, a participação do particular vincula a Administração55.

Em relação à execução administrativa, as atuações associadas entre iniciativa privada e Poder Público podem pautar-se em contratos administrativos (a exemplo das concessões de serviços públicos), em atos unilaterais (tal como a permissão de uso de bem público) e em atos não contratuais (convênios, por exemplo). Já a atividade de prevenção e solução de conflitos administrativos pode fundar-se em acordos substitutivos, mediação, arbitragem, dentre outros56.

Volvendo-se à função exercida pelo acordo produto da negociação, distinguem-se o acordo integrativo e o acordo substitutivo. O primeiro tem caráter instrumental, destinando-se a viabilizar a emissão do ato final unilateral pela Administração, de modo mais célere e mais consentâneo com as especificidades do caso concreto. Dele não decorre o encerramento do processo administrativo no qual é celebrado. De se notar que os acordos integrativos (ou endoprocedimentais57) corroboram a viabilidade de conjugação dos dois tipos de atuação administrativa (imperativa e consensual)58.

Já o acordo substitutivo, como o próprio nome revela, substitui o processo administrativo ou o seu ato decisório final. Trata-se de alternativa à atuação administrativa imperativa e sua celebração conduz à extinção do processo administrativo a que se refere, uma vez cumpridas as obrigações pactuadas59.

A ideia de uma Administração Pública consensual estrutura-se sobre dois pressupostos

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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, jan.-mar./2003, p. 147-148. As formas de participação coadjuvante do administrado na tomada de decisão administrativa envolvem a coleta de opinião, o debate público, a audiência pública (que também pode ser meio de participação determinante, conforme o caso) e a assessoria externa. As formas de participação determinante do administrado na tomada de decisão administrativa incluem o plebiscito, o referendo, a audiência pública (conforme o caso), a cogestão (tal como ocorre, por exemplo, no ensino público – art. 206, VI, da CF/1988) e a delegação atípica (universidades particulares, por exemplo) (idem, p. 148-149).

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MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, jan.-mar./2003, p. 150-155. Alexandre Monteiro aponta, ao lado da chamada atividade consensual substantiva, a existência de mecanismos de consensualidade de segundo grau, cujo objeto volve-se a regulamentar os modos de resolução de conflitos surgidos no âmbito da Administração Pública, a exemplo do que ocorre com a arbitragem (MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Administração pública consensual e a arbitragem. Revista de arbitragem e mediação, São Paulo, ano 09, n. 35, out.-dez./2012, p. 118-119).

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OTERO, Paulo. Legalidade e administração pública: o sentido da vinculação administrativa à juridicidade. Coimbra: Almedina, 2003, p. 839.

58 PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p.

102-109. Essa distinção entre acordos integrativos e substitutivos encontra-se consagrada na legislação italiana sobre processo administrativo, segundo registrado pela autora.

59 PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p.

imprescindíveis à sua configuração: busca da eficiência administrativa e valorização da parceria entre a iniciativa privada e a Administração. Referida atuação cooperativa centra-se na democracia participativa, essa que é, por sua vez, pautada, por um lado, na atuação ética da Administração e, por outro, no exercício de uma cidadania responsável pelo particular60.

Advirta-se, porém, que dessa remodelagem decorrente da ideia de consensualidade na Administração Pública não é lícito inferir a atuação consensual como integrante de um modelo administrativo excludente da atuação administrativa clássica. Trata-se de via alternativa de conduta administrativa, que não aniquila a atuação imperativa61.

Atentando-se à realidade brasileira, que é o cerne do exame empreendido neste capítulo, há de se destacar que o surgimento do Estado Democrático de Direito no Brasil trouxe consigo um princípio do consenso, ainda em construção. Dito princípio põe em relevo, nas relações de poder entre a sociedade (e, em especial, o cidadão) e o Estado, a concertação, em detrimento da imposição. Privilegiam-se, a cada dia com maior intensidade, as instituições de consenso em lugar das instituições de comando62.

De se notar que a noção de interesse público, tal como dogmatizada pelo Direito Administrativo63, é incompatível com a ideia de negociação entre cidadão e Estado acerca do modo como deveria ele ser atendido. O movimento doutrinário em curso no século XXI busca o afastamento dessa barreira, tal como superada, no século XX, aquela que, pelo mesmo fundamento, impedia o exame do mérito administrativo. O reconhecimento de que há uma multiplicidade de interesses públicos na sociedade que se entrelaçam em relações complexas enseja o incremento da participação social (na identificação e satisfação desses interesses) e a

60 BORGES, Alice González. Globalização e administração consensual. In: LEÃO, Adroaldo; PAMPLONA

FILHO, Rodolfo (coord.). Globalização e direito. Rio de Janeiro, Forense, 2002, p. 12-13. Em sentido semelhante, Juliana Bonacorsi de Palma registra que a consensualidade se compõe de um viés cidadão, porquanto estimula a participação popular, e de um viés pragmático, por concretizar o princípio da eficiência (PALMA, Juliana Bonacorsi de. Sanção e acordo na administração pública. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 112). Também ressaltando que a adoção de solução consensual privilegia a eficiência administrativa se comparada à solução impositiva da Administração, ARAGÃO, Alexandre Santos de. A consensualidade no direito administrativo: acordos regulatórios e contratos administrativos. Revista de direito do estado, Rio de Janeiro, ano 01, n. 01, jan.-mar./2006, p. 157.

61 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, jan.-mar./2003, p. 145.

62 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Novos institutos consensuais da ação administrativa. Revista de

direito administrativo, Rio de Janeiro, v. 231, jan.-mar./2003, p. 132-133.

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Tradicionalmente, o Direito Administrativo vislumbrava o interesse público como categoria una e universal, sendo identificado e tutelado pelo Poder Público. Essa visão foi sucedida por outra que reconhece a existência de uma pluralidade de interesses tutelados pelo sistema jurídico, inclusive conflitantes entre si, fragilizando, assim, a ideia de uma dicotomia entre interesse público e interesse privado, na qual se sustenta o axioma do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado (MONTEIRO, Alexandre Luiz Moraes do Rêgo. Administração pública consensual e a arbitragem. Revista de arbitragem e mediação, São Paulo, ano 09, n. 35, out.-dez./2012, p. 132).

eclosão de figuras consensuais capazes de mais bem atender a essa finalidade64.

A atuação administrativa consensual põe em xeque, ainda, outra premissa na qual se lastreia o pensamento administrativista tradicional: a de que, sendo o Direito Administrativo exorbitante do direito comum, a Administração Pública deveria agir fazendo uso de suas prerrogativas; assim sendo, como delas abdicar?

Afastados os dogmas da supremacia do interesse público sobre o privado (que cede lugar à ponderação de valores e interesses no caso concreto) e da indisponibilidade do interesse público (com a conscientização de que não existe um único interesse público a ser resguardado, mas, sim, uma variedade de interesses a merecer tutela), reconhece-se a natureza instrumental das prerrogativas públicas e a possibilidade de seu afastamento pontual e motivado em uma dada situação concreta. Esse afastamento não implica renúncia peremptória ao uso dessa prerrogativa e não está vedado pelo ordenamento jurídico65.

A atuação administrativa consensual é uma realidade inexorável e em expansão no ordenamento jurídico brasileiro. A promulgação da CF/1988 e a adoção do modelo administrativo gerencial foram fatores que, como explicitado, impulsionaram essa nova forma de pensar e agir da Administração, nos mais diversos setores do direito.

1.4 MANIFESTAÇÕES DA CONSENSUALIDADE ADMINISTRATIVA NO

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 42-46)

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