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DA IRRELEVÂNCIA DA VONTADE NO PROCESSO À FORMAÇÃO DE UM MICROSSISTEMA DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 194-200)

3 A CONSTRUÇÃO DA CLÁUSULA GERAL DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL NO PROCESSO CIVIL BRASILEIRO

3.1 DA IRRELEVÂNCIA DA VONTADE NO PROCESSO À FORMAÇÃO DE UM MICROSSISTEMA DE NEGOCIAÇÃO PROCESSUAL

As condicionantes histórico-ideológicas examinadas no capítulo antecedente, sobretudo as que apontam para a ascensão do publicismo processual e, por conseguinte, à consolidação do dogma da irrelevância da vontade das partes no processo, bem explicam as razões que conduziram ao tímido espaço ocupado pelos negócios processuais sob a égide do Código de Processo Civil de 1973. De um modo geral, a doutrina, ainda quando houvesse tentado reconhecer ao art. 158 do diploma processual civil de 1973 a amplitude de uma cláusula geral de negociação processual, não logrou êxito em seu intento de conferir efetividade a tal argumento doutrinário.

A compreensão de que o texto normativo difere da norma jurídica que dele se extrai a partir da atividade de interpretação das fontes e aplicação do Direito1 poderia conduzir, por si só, à ressignificação do art. 158 do CPC/1973, reconhecendo-o como cláusula geral nos termos já anunciados por parte da doutrina. Bastaria, portanto, sob esse olhar, a reprodução do texto normativo em comento no Código de Processo Civil de 2015, tal como se observa do art. 200 deste diploma2-3, para o alcance de tal objetivo.

1 GRAU, Eros Roberto. Ensaio e discurso sobre a interpretação/aplicação do direito. 5 ed. São Paulo:

Malheiros, 2009, p. 27 e 38.

2CPC/2015, Art. 200: “Os atos das partes consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade

produzem imediatamente a constituição, modificação ou extinção de direitos processuais. Parágrafo único. A desistência da ação só produzirá efeitos após homologação judicial”.

3 A propósito, Eduardo José da Fonseca Costa registra que a percepção da essência do direito como um

construído significativo (e não apenas como um dado textual a ser objeto de explicação, tal como ocorre com o objeto próprio das ciências naturais) permite que diplomas antigos possam sofrer ressignificação, oxigenando-se seus sentido e alcance, sem que nenhuma modificação textual se faça necessária (COSTA, Eduardo José da

A importância da cláusula geral de negociação processual encartada no art. 190 do CPC/20154 reside, antes de tudo, na necessidade de reafirmação do poder de autorregramento das partes em matéria processual, na declaração expressa de rompimento do sistema jurídico brasileiro com o dogma da irrelevância da vontade das partes no processo. O texto normativo em comento associa-se ao art. 200 do mesmo Código e reforça a ideia de admissibilidade de convenções processuais atípicas no sistema processual civil pátrio5.

O art. 190 do Código de Processo Civil de 2015 representa o ponto culminante de uma evolução no sentido de conferir abertura e flexibilidade aos procedimentos jurisdicionais. Partindo-se da constatação de que o procedimento comum, genérica e padronizadamente fixado, não era capaz de dar tratamento adequado às múltiplas peculiaridades dos direitos materiais postos à apreciação judicial, far-se-ia mister conferir solução a tal problema. Inicialmente, pela criação de procedimentos especiais; em passo seguinte, pelo reconhecimento, ao magistrado, de poderes de conformação procedimental, lastreando-se tal pensamento no princípio da adequação6.

Por fim, o CPC/2015 avança no trato da matéria, conferindo às partes, democraticamente, o poder de modelar o procedimento, adequando-o às peculiaridades da causa7-8.

Fonseca. Uma arqueologia das ciências dogmáticas do processo. In: DIDIER JUNIOR, Fredie (org.). Teoria do processo: panorama doutrinário mundial. Salvador: Juspodivm, 2010, v. 2, p. 215).

4 “Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente

capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo. Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade”.

5

CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 90-92.

6

Os princípios da adequação legislativa e da adaptabilidade judicial são abordados em DIDIER JUNIOR, Fredie. Sobre dois importantes (e esquecidos) princípios do processo: adequação e adaptabilidade do procedimento. Disponível em: <http://www.tex.pro.br/home/artigos/35-artigos-mai-2010/5806-sobre-dois-importantes-e- esquecidos-principios-do-processo-adequacao-e-adaptabilidade-do-procedimento>. Acesso em: 06/08/2015.

7

A evolução do trato das tutelas diferenciadas acima mencionada foi examinada por DI SPIRITO, Marco Paulo Denucci. Controle de formação e controle de conteúdo do negócio jurídico processual. Revista de Direito Privado, ano 16, v. 63, jul.-set./2015, p. 129-130.

8 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v.1, p. 116. O

Projeto de Lei nº 166/2010, do Senado Federal, que deu origem ao CPC/2015, continha, em sua redação original, regra que conferia ao magistrado amplo poder de conformação judicial do procedimento. Tratava-se do art. 107, V, cuja redação era a seguinte: “Art. 107. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe: (...) V – adequar as fases e os atos processuais às especificações do conflito, de modo a conferir maior efetividade à tutela do bem jurídico, respeitando sempre o contraditório e a ampla defesa”. As críticas dirigidas ao referido dispositivo conduziram à sua exclusão do Projeto quando da aprovação, ainda, no Senado Federal, de substitutivo posteriormente encaminhado à Câmara dos Deputados. Nesta, o Projeto de Novo CPC, que tramitou sob o nº 8.046/2010, também foi alterado, desta feita para inclusão da cláusula geral de negociação processual, que restou encartada no art. 191 daquele Projeto, contemplando, ainda, o regramento do calendário processual, textos estes que, com alguns ajustes, foram ao final aprovados como os atuais arts. 190 e 191 do

A importância do art. 190 do CPC/2015 é enfatizada pela doutrina brasileira, havendo quem nele reconheça a qualidade de disposição fundamental e de grande utilidade para a compreensão do atual Código de Processo Civil, refletindo uma verdadeira evolução civilizatória processual9. O realinhamento das diretrizes valorativas do processo civil operado pelo CPC/201510 contribuiu para a superação das divergências quanto ao papel da vontade como verdadeira fonte da norma processual11.

Muito embora o objetivo central deste capítulo resida na análise dos sentido e alcance da cláusula geral do art. 190 do CPC/2015, a sua inserção no contexto de um microssistema de negociação processual é premissa extremamente relevante para o alcance desse intento.

É possível extrair esse microssistema do bojo do Código de Processo Civil de 2015, sendo composto daquele dispositivo, do art. 200 do mesmo diploma e de todos os negócios processuais típicos nele disciplinado12. Também é possível, fazendo-se os ajustes necessários, haurir do regime legal dos negócios jurídicos de direito material fonte normativa aplicável aos negócios processuais.

A ideia de microssistema jurídico está associada, de modo geral, à existência de leis especiais (extravagantes) que contemplam normas dotadas de lógica autônoma e orgânica13.

CPC/2015. De se registrar que, apesar de extirpado do Projeto de Lei nº 166/2010, do Senado Federal, o referido art. 107, V, tal circunstância não excluiu o poder de adaptação procedimental pelo juiz, como se observa, por exemplo, do art. 139, VI, do CPC/2015, que autoriza o juiz a dilatar prazos processuais e a alterar a ordem de produção dos meios de prova, para adequar ambos às necessidades do conflito e conferir efetividade à tutela do direito. Nesse sentido e apresentando outros exemplos: DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v.1, p. 118-119.

9 GODINHO, Robson Renault. Negócios processuais sobre o ônus da prova no novo Código de Processo Civil.

São Paulo: RT, 2015, p. 111. Rafael Sirangelo de Abreu inclui a temática concernente aos negócios jurídicos processuais dentre aquelas que conferem espaço a que se realize uma verdadeira mudança cultural no processo civil pátrio (ABREU, Rafael Sirangelo de. A igualdade e os negócios processuais. In: CABRAL, Antonio do Passo; NOGUEIRA, Pedro Henrique (coord.). Negócios processuais. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 193). Fredie Didier Junior reconhece ao art. 190 do CPC/2015, a despeito de sua topografia, a qualidade de norma fundamental do processo civil, em razão do que a referida norma, além de estruturar o modelo de processo civil cooperativo adotado no Brasil, serve de parâmetro hermenêutico para compreensão do sistema processual pátrio (DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v.1, p. 63-64).

10 ARENHART, Sérgio Cruz; OSNA, Gustavo. Os “acordos processuais” no novo CPC – aproximações

preliminares. Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, v. 04, n. 39, abr./2015, p. 103. Disponível em:<http://www.mflip.com.br/pub/escolajudicial/?numero=39>. Acesso em: 15/11/2015.

11 Expressamente o diz, por exemplo, GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Alfaiataria Novo CPC: a

flexibilização do processo e do procedimento na lei 13.105/2015. Disponível em: <http://jota.info/alfaiataria-no- novo-cpc-a-flexibilizacao-do-processo-e-do-procedimento-na-lei-13-1052015>. Acesso em: 17/12/2015.

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Nesse sentido, defendendo a ideia de que o CPC/2015 contempla um microssistema de negociação processual: DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v.1, p. 387, ideia esta referida, ainda, em NOGUEIRA, Pedro Henrique Pedrosa. Negócios jurídicos processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 224.

13 IRTI, Natalino. Decodificazione. In: Digesto dele discipline privatistiche: sezione civile.Torino: UTET, 1989

Fala-se, assim, por exemplo, em microssistema do Direito do Consumidor14 e em microssistema de tutela coletiva15. No caso sob exame, porém, as normas ditas integrantes do microssistema de negociação processual inserem-se, prioritariamente, no próprio diploma geral regulador do processo civil pátrio: o CPC/201516.

A percepção de que tais regras conformam um microssistema deve, todavia, extrapolar o simples critério topográfico e pautar-se em um critério teleológico/funcional. No processo civil tradicional, ainda regido sobremodo por ideias publicistas, o sistema processual é regulado pela lei. O ordenamento jurídico-legislativo informa as regras procedimentais a serem seguidas e disciplina as posições processuais das partes, seus direitos, poderes, ônus, faculdades e deveres.

Nesse sentido, o microssistema de negociação processual confere ambiente novo ao processo, regrando-o sob os auspícios da liberdade, na sua dimensão de “poder de autorregramento”. Relativiza normas processuais, permitindo que o modo de ser do processo seja definido pelas partes17. Esse tratamento diferenciado reflete um conjunto normativo orgânico de tutela do autorregramento da vontade no processo, dotado de uma lógica de liberdade a merecer exame particularizado, buscando-se as bases para aplicação desse microssistema e os limites a que se acha sujeito.

Dentro desse contexto, por exemplo, sem excluírem a autorização geral conferida pelo sistema processual para a celebração de negócios processuais atípicos, as previsões que contemplam referências a negócios típicos exercem a função precípua de definir limites específicos para tais convenções. As restrições às convenções processuais, por limitarem a liberdade, precisam estar expressas na lei ou resultar de óbice imposto por um escopo da

14 SOARES, Ricardo Maurício Freire. A nova interpretação do Código brasileiro de Defesa do Consumidor. São

Paulo: Saraiva, 2007, p. 18.

15 DIDIER JUNIOR, Fredie; ZANETI JUNIOR, Hermes. Curso de direito processual civil. 10. ed. Salvador:

Juspodivm, 2016, v. 4, p. 53-56; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de processo coletivo. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2012, p. 10-13.

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Diz-se prioritariamente porque há regras integrantes do microssistema de negociação processual extraíveis do Código Civil (a exemplo do regramento da validade dos negócios processuais, ao qual se aplicam diversos dispositivos da legislação material, como se verá) e de legislação extravagante, como, por exemplo, a Lei nº 9.307/1996 (Lei de Arbitragem). Desta última, extraem-se regras acerca da convenção de arbitragem, negócio processual típico, algumas passíveis de extensão a todos os negócios jurídicos processuais, inclusive os atípicos, a exemplo do art. 8º da aludida lei, regra geral que afirma a autonomia da cláusula veiculadora de negociação processual em relação ao contrato de direito material em que estiver inserida.

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GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentário ao art. 190. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015, parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 614.

jurisdição tido por relevante18.

Os negócios jurídicos processuais típicos podem servir como balizas para aferição da licitude ou ilicitude do objeto do negócio processual atípico. Se há, no microssistema de negociação processual, por exemplo, hipóteses típicas de negócios que versam sobre pressupostos processuais, como o foro de eleição, retromencionado, este parâmetro deve ser levado em consideração no exame de negócios atípicos que tenham por objeto outros pressupostos processuais19.

Mas a contribuição que os negócios jurídicos processuais típicos ofertam à construção de sentido da cláusula geral de negociação processual extrapola a simples concessão de parâmetros de aferição de licitude e ilicitude de objeto. Tais negócios auxiliam na própria construção do sentido dessa cláusula, em diversos outros momentos, a exemplo da compreensão do termo “parte” consignado no art. 190 do CPC/2015, tema que será adiante tratado.

Por outro lado, uma vez que os negócios jurídicos processuais típicos possuem regulamentação legal mínima (leia-se: incompleta), natural que se busque, no seio das normas gerais que versam sobre o assunto – arts. 190 e 200 do CPC/2015 – o suporte para solução de questões não disciplinadas nos regramentos específicos.

De um modo geral, os pressupostos genéricos dos negócios processuais encartados no art. 190 do CPC/2015 devem ser observados, ao lado dos pressupostos específicos elencados para cada negócio processual típico20. Também o regime de eficácia imediata dos negócios típicos é conclusão haurida a partir do art. 200 do CPC/2015, salvo quando existente regramento específico em sentido contrário para um determinado negócio, a exemplo da

18 ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. A contratualização do processo: das convenções processuais no

processo civil. São Paulo: LTR, 2015, p. 121-122. Concordando com tal posicionamento: CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 90, em nota de rodapé.

19 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v.1, p. 386. 20 DIDIER JUNIOR, Fredie. Curso de direito processual civil. 18. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, v.1, p. 387;

NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de direito processual civil. 8. ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 318. Em sentido contrário, entendendo que aos negócios processuais típicos aplicam-se automaticamente os requisitos de validade dos negócios, previstos no Código Civil, mas não os requisitos constantes do art. 190 do CPC/2015 (ser a convenção celebrada por partes plenamente capazes e versar a demanda a que se refira o negócio processual sobre direito autocomponível), estes que somente seriam aplicáveis se houvesse previsão nesse sentido pelo dispositivo legal que regule o negócio típico (citando como exemplo o art. 471 do CPC/2015 – escolha consensual do perito): GAJARDONI, Fernando da Fonseca. Comentário ao art. 190. In: GAJARDONI, Fernando da Fonseca; DELLORE, Luiz; ROQUE, Andre Vasconcelos; OLIVEIRA JUNIOR, Zulmar Duarte de. Teoria geral do processo: comentários ao CPC de 2015, parte geral. São Paulo: Forense, 2015, p. 620.

organização consensual do processo (art. 357, §2º, do CPC/201521).

A premissa de existência de um microssistema de negociação processual no processo civil brasileiro, cuja organicidade é conferida pelo princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo, conduz, assim, a algumas conclusões, importantes à construção de sentido da cláusula geral do art. 190 do CPC/2015: a) as normas que estabelecem negócios jurídicos típicos funcionam como limites à celebração de negócios atípicos, impedindo o uso da pactuação atípica como forma de burla àqueles limites legais; b) as normas que estabelecem negócios jurídicos típicos servem de parâmetro hermenêutico para a compreensão de diversas questões afetas à construção da cláusula de atipicidade da negociação processual; c) o art. 190 do CPC/2015 também se aplica a negócios típicos, fornecendo-lhes, por exemplo, requisitos de validade a serem observados e forma e limite do controle judicial dos pactos; d) a regra de eficácia imediata dos negócios processuais (art. 200 do CPC/2015) aplica-se aos negócios atípicos regrados pelo art. 190 do CPC/201522.

Muito embora o foco dado neste capítulo volva-se aos negócios processuais bilaterais e plurilaterais, até porque a eles se dedica o art. 190 do CPC/2015, o microssistema em evidência também abrange os negócios unilaterais23.

Por fim, há de se ter em mente que as autonomia e organicidade próprias de todo microssistema conduzem o seu aplicador a buscar, dentro da lógica do sistema examinado, as balizas conducentes à colmatação de eventuais lacunas existentes no trato de determinado

21 “Art. 357. (...) § 2o As partes podem apresentar ao juiz, para homologação, delimitação consensual das

questões de fato e de direito a que se referem os incisos II e IV, a qual, se homologada, vincula as partes e o juiz”. Para Murilo Teixeira Avelino, o dispositivo, embora se refira à homologação, exige, para a validade do saneamento consensual, a participação do juiz como sujeito do acordo (tratar-se-ia, a hipótese, de negócio jurídico plurilateral). As diferenças entre o saneamento consensual (art. 357, §2º, do CPC/2015) e o saneamento compartilhado (art. 357, §3º, do CPC/2015), seriam: a) a iniciativa da deflagração do processo convencional (pelas partes, no primeiro caso, e pelo órgão jurisdicional, no segundo); b) o requisito da complexidade da causa, para o saneamento compartilhado; c) o objeto do negócio, que estaria restrito, no saneamento consensual, aos incisos II e IV do caput do art. 357 do CPC/2015 e, no saneamento compartilhado, abrangeria todas as hipóteses do art. 357 do referido diploma (AVELINO, Murilo Teixeira. A posição do magistrado em face dos negócios jurídicos processuais. Revista de Processo, São Paulo, n. 246, ago./2015, p. 235). A premissa do autor para entender que o art. 357, §2º do CPC/2015 exigiria mais do que a homologação judicial para a validade do acordo é a de que o poder-dever de julgar, situação jurídica titularizada pelo órgão jurisdicional, pressupõe o material fático-jurídico necessário à formação do convencimento judicial. Trata-se de premissa não adotada neste trabalho, entendendo-se que às partes é lícito celebrar – sem a participação do juiz como sujeito do negócio – acordos em matéria probatória, inclusive restringindo os meios de prova a serem utilizados para demonstração de uma alegação fática.

22

Nesse sentido orienta-se o Enunciado nº 133 do FPPC: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do caput do art. 190 não dependem de homologação judicial”. Apontando que a associação entre os arts. 190 e 200 do CPC reforça a ideia de admissibilidade das convenções processuais atípicas no processo civil brasileiro: CABRAL, Antonio do Passo. Convenções processuais. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 90-92.

23 O Enunciado nº 261 do FPPC bem reflete esta conclusão ao salientar que “O art. 200 aplica-se tanto aos

instituto a ele pertencente. Apenas se frustrado tal intento após o exaurimento das forças intrínsecas ao microssistema é que se buscará apoio nas normas a ele exteriores, cujo uso será sempre residual e eventual24.

Mas a relação entre o sistema processual geral e o microssistema dos negócios processuais não é unidirecional, ou seja, não se revela apenas com a aplicação residual e eventual, ao microssistema, das regras processuais a ele exteriores. Mais importante do que este sentido relacional é o que se desenvolve no caminho inverso: a cláusula geral do art. 190 do CPC/2015 guarda em si um potencial de interferir e modificar na função e eficácia de diversos institutos e mecanismos25 (regras de competência, legitimidade, intervenção de terceiro, atividade probatória, saneamento processual, recursos, liquidação, execução, medidas de urgência, dentre outros). Até mesmo noções que extrapolam o Direito Processual, como a de vulnerabilidade, ganham contornos próprios conferidos pela cláusula geral objeto de estudo neste capítulo, como se verá mais adiante.

3.2 PRESSUPOSTOS DE EXISTÊNCIA DOS NEGÓCIOS JURÍDICOS

No documento Convenções processuais e poder público (páginas 194-200)

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