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Abscesso Pulmonar

No documento SOS Plantão (OCR).pdf (páginas 114-117)

Helton José Bastos Setta • Sônia Regina da Silva Carvalho • Rodrigo Simões Eleutério

INTRODUÇÃO

Os elementos que definem abscesso pulmonar são:

• lesão cavitária > 2cm de diâmetro; • situada no parênquima pulmonar;

• contém material purulento e necrótico em seu interior, podendo inclusive existir níveis hidro-

aéreos (visíveis na TC ou na radiografia de tórax).

Quando a lesão no parênquima pulmonar tem diâmetro < 2cm, não deve ser chamada de absces­ so pulmonar, mas de pneumonia necrosante (também contém material purulento em seu interior). Outra diferenciação importante se faz com o empiema pleural, definido pela presença de material purulento dentro do espaço pleural.

FISIOPATOLOGIA

O abscesso pulmonar resulta da necrose do parênquima pulmonar em razão de infecção por micro-organismos. Na maior parte das vezes, os agentes etiológicos são as bactérias, principalmente as anaeróbias, e as infecções polimicrobianas (bactérias anaeróbias + aeróbias) (Quadro 19.1):

• Abscessos agudos ou crônicos: abscessos com menos de 4 semanas de evolução são classificados

como agudos; acima desse tempo, são classificados como crônicos.

• Abscesso primário e abscesso secundário: no abscesso secundário existe alguma condição asso­

ciada à ação bacteriana no parênquima pulmonar, como lesão estrutural pulmonar, imunossu- pressão, obstruções brônquicas, patologias pulmonares prévias etc. Já no abscesso primário não se identifica nenhuma condição associada à formação do abscesso, apenas a ação destrutiva da bactéria sobre o parênquima pulmonar.

Quadro 19.1 Etiologia

Infecção por bactérias anaeróbias: esses germes estão presentes na grande maioria dos abscessos pulmonares (cerca de 90%), isoladamente ou em associação com bactérias aeróbias (etiologia polimicrobiana). Merecem destaque: Peptostreptococcus spp, Provotella pigmentada e não pigmentada,

Fusobacterium nudeatum, Bacteroides fragilis e Clostridium perfringens

0 abscesso formado por anaeróbios + aeróbios (abscesso polimicrobiano) é observado em pouco mais de 4 0 % dos casos

Os abscessos apenas por bactérias aeróbias podem ocorrer, porém esse é um evento pouco comum. Correspondem a aproximadamente 10% dos casos e tendem a ser mais comuns no ambiente hospitalar. Merecem destaque: Staphylococcus aureus, Klebsiella pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa,

Streptococcus pneumoniae sorotipo 3, Haemophilus influenzae, Legionella spp e Enterobacteriaceae

Atenção: em pacientes imunocomprometidos, outros agentes podem se tornar significativos, incluindo micobactérias, parasitas e fungos

A m aioria das bactérias anaeróbias presentes nos abscessos pulm onares pode ser encon­ trada colonizando a cavidade orofaríngea. Quando o paciente faz uma m acroaspiração, ex is te o risco de grande número de bactérias anaeróbias alcançar o parênquima pulm onar e iniciar um quadro infeccioso com formação de abscessos.

Os pacientes de maior risco são aqueles que apresentam dentes em mau estado de conser­

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Algum as condições são notáveis por aumentarem o risco de m acroaspirações: dim inui­ ção do nível de consciência, pacientes restritos ao leito, crises epilépticas, etilism o acentuado e agentes sedativos, anestesia geral, pacientes com sequelas de AVE ou outras doenças que com­ prometam o m ecanism o correto de deglutição (neoplasias, megaesôfago, doenças neurológicas etc.), cânulas endotraqueais e sonda nasogástrica ou orogástrica.

A em bolia pulm onar séptica é causa im portante de abscesso pulmonar por aeróbios, como o S. aureus. Essa condição é mais frequente nos pacientes com endocardite infecciosa e usuários de substâncias injetáveis, e norm alm ente são observados m últiplos abscessos em diferentes fa­ ses evolutivas.

QUADRO CLÍNICO

As bactérias anaeróbias frequentemente formam abscessos pulmonares com duração > 4 sema­ nas (abscessos crônicos). O paciente apresenta-se inicialmente oligossintomático e progressivamente tende a exibir mais sinais e sintomas. As principais queixas são: tosse (geralmente produtiva) por várias semanas, febre baixa ou moderada em períodos isolados do dia (mais à tarde/noite), mal-estar, perda cie peso, sudorese noturna e hemoptise, eventualmente. A presença de secreção purulenta e fétida nas expectorações é muito característica, sendo relatada por aproximadamente 50% dos pa­ cientes. Normalmente são observados fatores de risco para macroaspiração, como dentes mal con­

servados, história de etilismo, crises convulsivas, rebaixamento da consciência, AVE etc.

Em alguns casos, os abscessos por anaeróbios podem cursar com quadros agudos e sintomá­ ticos.

As bactérias aeróbias normalmente irão produzir uma doença de rápida evolução (abscessos agudos, < 4 semanas). O paciente desenvolve uma pneumonia aguda, de apresentação típica, a qual se complica com necrose de parênquima pulmonar e abscessos (únicos ou múltiplos).

Pacientes sem dentes e sem comprometimento da deglutição apresentam menor risco para abs­ cesso por macroaspiração. Nesses indivíduos, caso se identifique uma imagem sugestiva de absces­ so, é importante investigar com mais cuidado a possibilidade de neoplasias ou embolia séptica no diagnóstico diferencial.

DIAGNÓSTICO

O quadro clínico pode inicialmente levantar a suspeita; no entanto, os exames de imagem serão necessários para comprovar a presença do abscesso pulmonar.

O exame mais barato e acessível é a radiografia de tórax, que exibe uma ou mais lesões cavitá- rias no parênquima pulmonar, com 2 ou mais centímetros de diâmetro, frequentemente com níveis hidroaéreos no interior e infiltrado pulmonar nas proximidades da lesão. O pulmão direito é o mais acometido pelos anaeróbios, devido à angulação mais vertical do brônquio-fonte direito, especial­ mente no segmento superior do lobo inferior (segmento 6) e no segmento posterior do lobo superior. Quando o abscesso se situa no pulmão esquerdo, é importante considerar a possibilidade de aeróbios na etiologia. Em alguns casos, podem ser identificados linfonodos aumentados no mediastino.

A TC de tórax é um dos exames de maior sensibilidade e especificidade para o diagnóstico e pode ser empregada nos casos de dúvida diagnostica e/ou diagnóstico diferencial (p. ex., neoplasias, empiema pleural septado, bronquiectasias, cistos, bolhas, tuberculoma, infarto pulmonar etc.).

Abscessos crônicos podem conduzir o paciente a uma anemia crônica, detectada pelo hemo- grama completo. Outros achados incluem leucocitose, desvio à esquerda (aumento do número de bastões) e elevação de marcadores inflamatórios (VHS e PCR), principalmente nos abscessos agudos.

A broncofibroscopia com lavado broncoalveolar não está indicada de rotina, porém pode ser útil quando se deseja identificar o patógeno ou para diagnóstico diferencial com neoplasias e corpos estranhos.

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DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Diversas condições podem criar imagens radiográficas semelhantes ao abscesso pulmonar: neoplasias (p. ex., carcinoma broncogênico), tuberculose, empiema pleural septado, micoses pul­ monares, bronquiectasias, pneumonia bacteriana cavitária, cistos e bolhas com líquido no interior, vasculite pulmonar (p. ex., granulomatose de Wegener, síndrome de Goodpasture, poliarterite no­ dosa), infarto pulmonar, nódulos reumatoides, sequestro pulmonar, embolia pulmonar e contusão pulmonar.

TRATAMENTO

O tratamento de escolha inicial é a antibioticoterapia prolongada (de 4 a 6 semanas, em média). A terapia cirúrgica será necessária em menor proporção dos casos. Avalie a necessidade de interna­ ção hospitalar em relação ao quadro clínico, extensão da lesão pelo exame de imagem, complicações associadas e adesão ao tratamento em regime ambulatorial.

Antibioticoterapia

O agente empírico de primeira escolha para o tratamento do abscesso pulmonar é a clinda- micina. Como alternativa, pode-se empregar a amoxicilina-clavulanato. Fármacos mais específicos podem ser escolhidos conforme os resultados das culturas estejam disponíveis. Antibióticos como meropenem e imipenem podem cobrir anaeróbios e aeróbios envolvidos nos abscessos pulmonares (Quadro 19.2).

Q uadro 19.2 Antibióticos* (doses)

Clindamicina: adultos: 600mg, EV, de 8/8h, por 7 a 10 dias, e então, se possível, substituir por terapia oral (VO), 300mg, de 6/6h, por mais 3 a 5 semanas. Crianças: 20 a 40mg/kg/dia, em tomadas de 8/8h ou 6/6h, IM ou EV

Amoxicilina-clavulanato: > 12 anos: 1g + 200mg, EV, de 8/8h, nos primeiros 7 a 10 dias, e posterior substituição pela VO, 875+125mg, de 12/12h; 3 meses a 12 anos: 30mg/kg, EV, de 8/8h. Terapia VO (suspensão oral): < 1 ano: 125mg + 31,25mg/5mL, tomar 2,5mL 3 x/d ia ; de 1 a 6 anos: 125+31#25mg/5mL, tomar 5mL 3 x/dia; > 6 anos (250mg + 62,5mg/5mL, tomar 5mL, 3 x/dia)

* As doses e a duração do tratamento não devem ser rígidas. A terapia prolongada é importante e a duração do tratamento deve ser individualizada conforme resposta clínica e radiológica. A maioria dos autores sugere manter o antibiótico até melhora do padrão radiológico. A duração pode variar de 1 a 3 meses ou mais.

Após iniciada a antibioticoterapia, espera-se alguma melhora da febre, tosse e expectoração em até 72 horas. A manutenção de febre alta e bacteriemia após 72 horas é considerada uma falha terapêutica. Em 7 a 10 dias deve haver melhora significativa do quadro clínico. Provavelmente, o paciente estará afebril e com sintomas discretos (ou assintomático) após esse tempo.

A ausência da resposta em 72 horas ou em 7 a 10 dias pode significar falha do antibiótico, obstrução brônquica, neoplasia associada, diagnóstico incorreto ou, então, complicação do quadro infeccioso (empiema associado). Portanto, deve-se considerar a terapia cirúrgica, troca do esquema antibiótico ou outras intervenções necessárias.

Atenção: a antibioticoterapia pode envolver a associação de medicamentos (empíricos ou específicos) para o tratamento da pneumonia

simultânea ao abscesso pulmonar, especialmente nos abscessos agudos e por aeróbios (pneumonia por 5. aureus, pseudomonas etc.).

Drenagem das secreções

Em casos selecionados, a broncoscopia seriada poderá ser realizada para estimular a eliminação das secreções. Todos os casos deverão ser encaminhados à fisioterapia respiratória para facilitar a drenagem mecânica das secreções.

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