Eduardo Alvarenga Junqueira Filho • Aureo do Carmo Filho
INTRODUÇÃO
O processo patológico clínico que mais comumente envolve o pericárdio é a pericardite aguda. Esta enfermidade pode ser de etiologia infecciosa ou não infecciosa, sendo a infecção viral a causa mais comum. A síndrome clínica é relativamente breve e na maioria das vezes não complicada, va riando de dias a poucas semanas. No entanto, devemos sempre estar atentos à progressão para o
tamponamento cardíaco.
CONSIDERAÇÕES
Aproximadamente 90% dos casos de pericardite aguda são secundários a infecção virai ou têm etiologia idiopática. Quando não se encontra uma etiologia responsável, suspeita-se da etiologia virai como causa sempre que na história clínica do paciente estejam presentes pródromos de uma síndro me gripal ou história anterior de infecção de vias aéreas superiores.
Diversas podem ser as causas de pericardite aguda, as quais estão entre seus principais diagnós ticos diferenciais. Listamos a seguir os principais fatores etiológicos:
• Idiopática • Uremia
• Bacteriana (Pneumococcus, Streptococcus, Staphylococcus) • Neoplasia
• Trauma • Irradiação • Autoimune
• Virai (vírus coxsáckie A e B, vírus da caxumba, adenovirus, HIV, vírus da influenza) • Mycobacterium tuberculosis
• Fungos (histoplasmose, coccidioidomicose, candidiase) • IAM
QUADRO CLÍNICO
O quadro clínico é caracterizado por dor torácica contínua, de caráter constritivo, que piora com a inspiração profunda e melhora quando o paciente se coloca em posição genupeitoral. O atrito pe-
ricárdico é o achado patognomônico da pericardite, mas nem sempre está presente. Podemos ainda
encontrar derrame pericárdico como achado bastante frequente. Pelo menos duas dessas manifesta ções devem estar presentes para que se estabeleça o diagnóstico.
A sintomatologia da pericardite aguda de causa bacteriana costuma ser mais grave que a virai, situa ção em que, além dos achados citados, estão febre, queda do estado geral e leucocitose com desvio para a esquerda no hemograma. Emagrecimento e caquexia devem levar à suspeita de neoplasias ou tuberculo se. Edemas, alteração do nível de consciência e diminuição do volume urinário são sugestivos de uremia.
DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de pericardite é sugerido a partir da correlação de dados clínicos com alguns métodos complementares. É importante salientar que não existe nenhum método complementar padrão-ouro para o diagnóstico de pericardite:
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• O ECG mostra-se alterado em mais de 85% dos casos, sendo a alteração mais comum o supra- desnivelamento do segmento ST na maioria das derivações, com concavidade voltada para cima (importante para diferenciar do IAM, no qual a concavidade está voltada para baixo), poupando habitualmente as derivações V I e aVR. A depressão do segmento PR também é comum.
Estágios Alterações no ECG
Estágio 1 (prim eiras horas a dias) Elevação do segmento ST com concavidade voltada para cima em todas as derivações, exceto em aVR e V I; não respeita anatomia coronariana, diferentemente do IAM
Estágio 2 (dias a várias semanas) Ocorre retorno do segmento ST à linha de base; achatamento da onda T; em alguns casos, encontra-se ainda depressão do segmento PR
Estágio 3 (final da segunda/terceira semana) Inversão difusa de onda T, geralmente após o segmento ST ter normalizado
Estágio 4 (pode durar até 3 meses) Normalização do ECG ou persistência de onda T negativa
Figura 6.1 Estágio eletrocardiográfico da pericardite.
• Pacientes com pericardite aguda geralmente apresentam evidência de inflamação sistêmica, incluindo leucocitose, velocidade de hemossedimentação (VHS) aumentada e elevação de proteína C reativa (PCR). Entretanto, esses testes trazem poucas informações para o diagnóstico etiológico específico. • Ocorre aumento nas concentrações da troponina sérica em 35% a 50% dos pacientes com pericar
dite. Pode ocorrer também aumento da CPK total e da CK-MB; estas enzimas, no entanto, têm menor sensibilidade.
• A radiografia simples de tórax tem maior valor diagnóstico quando há derrame associado à peri cardite. Observaremos, então, uma área cardíaca aumentada, o chamado " coração em moringa". • O ecocardiograma é de grande utilidade para identificação de derrames pericárdicos.
• A análise do líquido pericárdico é o exame que vai confirmar o diagnóstico etiológico.
COMPLICAÇÕES
Em geral, a doença é autolimitada e sem complicações, que, no entanto, podem ser observadas em uma pequena parcela dos casos, como:
• Tamponamento cardíaco: está presente em 15% dos casos (geralmente vai necessitar apenas de
uma pericardiocentese de alívio). É mais comum na pericardite de origem bacteriana, urêmica, pós-IAM e neoplásica.
• Pericardite recorrente: é a complicação mais comum (20% a 30% dos casos). Semanas ou meses
após o primeiro quadro, o paciente volta a apresentar sintomas, às vezes de forte intensidade.
• Pericardite constritiva: ocorre em 30% a 50% dos pacientes, sendo a tuberculose a principal
causa. A constrição produz manifestações de congestão venosa da grande circulação e deterio ração da função miocárdica. O tratamento cirúrgico com pericardiectomia deve ser proposto precocemente.
CAPÍTULO 6 | Pericardite Aguda 29
TRATAMENTO
O tratamento da pericardite aguda deve ser direcionado para a doença de base. Quando todas as causas possíveis de pericardite são excluídas, inicia-se uma terapia inespecífica, que consiste em: 1. Internação hospitalar para observação e exclusão de IAM.
2. Repouso no leito.
3. Anti-inflamatórios não esteroides (AINE): pode-se usar indometacina, 25 a 50mg VO de 8/8h, ou
ibuproíeno, de 600 a 800mg VO de 8/8h, ou AAS, lg VO de 8/8h. Todos por um período de 2 a 4
semanas.
• As diretrizes europeias de 2004 recomendam o ibuprofeno como primeira opção em razão da menor incidência de efeitos colaterais e do impacto favorável no fluxo arterial coronariano. • O AAS deve ser o agente de escolha nos pacientes com IAM recente, pois estudos sugerem que
os outros AINE interferem com a cicatrização do miocárdio.
4. Nos pacientes que apresentam falência ao tratamento ou recorrência dos sintomas, a colchicina pode ser uma boa opção terapêutica, na dose de lm g de 12/12h no I a dia, seguido por 0,5mg de
12/12h por 3 meses.
5. O uso de glicocorticoides deve ser reservado para pacientes refratários à terapia com AINE e colchicina, e caso uma causa específica de pericardite tenha sido descartada. Nesse caso, está in dicado o uso de prednisona, 40 a 60mg VO lx/dia por 3 semanas.
6. Pericardite aguda bacteriana: em caso de suspeita de etiologia bacteriana, devemos proceder a drenagem pericárdica cirúrgica, análise laboratorial e cultura do líquido.
7. O uso de anticoagulantes orais está proscrito em todos os casos de pericardite aguda, em função do risco de hemopericárdio.
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