Eduardo Alvarenga Junqueira Filho • Aureo do Carmo Filho
INTRODUÇÃO
As urgências e emergências hipertensivas são ocorrências clínicas que podem representar mais de 25% dos atendimentos a urgências médicas. O médico deverá estar habilitado a diferenciá-las, pois o prognóstico e o tratamento são distintos. Estima-se que 3% de todas as visitas às salas de emer gência decorrem de elevações significativas da pressão arterial (PA).
A crise hipertensiva caracteriza-se por elevação rápida, inapropriada, intensa e muitas vezes sintomática da pressão arterial, com ou sem risco de deterioração rápida dos órgãos-alvo (coração, cérebro, rins, grandes artérias e útero gravídico), que pode conduzir a um risco imediato ou poten cial de morte. Não existe um limiar pressórico claramente associado ao desenvolvimento de uma emergência hipertensiva; contudo, disfunção orgânica é incomum com PA diastólica < 130mmHg (exceto em crianças e grávidas). A velocidade de elevação pressórica pode ser mais importante do que o valor absoluto da PA.
Pacientes que se apresentem com elevação acentuada da pressão arterial (PA > 180 x HOmmHg ou PA diastólica > 120mmHg, dependendo da referência) podem ser classificados em quatro gru pos principais:
• Hipertensão grave assintomática: ocorre quando há aumento da PA na ausência de sinais ou
sintomas importantes e sem evidência de lesão aguda em órgão-alvo.
• Pseudocrise hipertensiva: definida como aumento da PA em pacientes assintomáticos e com causas
secundárias para hipertensão, como dor, desconforto ou ansiedade. Antes da introdução de qual quer medida anti-hipertensiva, devem ser adotadas medidas para o controle desses distúrbios.
• Urgência hipertensiva: situação clínica em que os pacientes se apresentam com elevação acen
tuada da PA, sem evidência de lesão em órgão-alvo. Apesar de não evidenciada, existe um risco potencial para essa lesão, como em pacientes que já apresentaram algum acometimento em locais frequentemente afetados por aumentos acentuados da PA (por exemplo: pacientes com antece dente de IAM, insuficiência cardíaca ou AVE). A urgência hipertensiva não demanda redução abrupta da PA, a qual pode ser feita de maneira gradual, em até 24 a 48 horas.
• Emergência hipertensiva: situação clínica em que a elevação acentuada da PA provoca disfunção em
órgãos-alvo, levando a uma condição ameaçadora à vida. Diante disso, o retardo na identificação e na redução da PA aumenta de maneira significativa a morbimortalidade dos pacientes em questão.
CONSIDERAÇÕES
Não há consenso sobre as condições que definem as emergências e urgências hipertensivas. Elas aparecem como emergência em algumas classificações e como urgência em outras. O Quadro 5.1 lista algumas das principais emergências e urgências hipertensivas.
QUADRO CLÍNICO
As manifestações clínicas das emergências e urgências hipertensivas decorrem das nosologias apontadas no Quadro 5.1. Cefaleia intensa e precoce na região occipital é praticamente o único sin toma das emergências hipertensivas, mas deve ser excluída outra causa, como um íctus hemorrágico em fase inicial.
24 SEÇÃO I I CARDIOLOGIA
Quadro 5.1 Principais urgências e emergências hipertensivas
Emergência Urgência
Encefalopatia hipertensiva Angina instável Edema agudo de pulmão Anticoagulação
Infarto agudo do miocárdio Intoxicação por cocaína ou anfetamina Dissecção aguda da aorta Transplante renal
Hipertensão acelerada maligna com edema de papila Pré-edâmpsia
Hemorragia intracraniana Retinopatia diabética (microaneurismas)
Edâmpsia Rebote hipertensivo por suspensão súbita de anti-hipertensivos (donidina) Crises de feocromocitoma Pré e pós-operatório
Queimadura extensa Sangramento pós-operatório
Na opinião de alguns autores, cefaleia não especificada, zumbido, náuseas e vômitos, palpita ções, tontura, astenia, alterações no fundo de olho e outros, juntamente com pressão arterial diastóli- ca > 120mmHg, estabelecem o diagnóstico de urgência hipertensiva. De fato, esses sinais e sintomas são inespecíficos, pois a maior parte dos pacientes em que se detecta aqueles níveis de pressão está assintomática.
AVALIAÇÃO E DIAGNÓSTICO
A avaliação de pacientes hipertensos no departamento de emergência deve priorizar uma his tória e exame físico dirigidos, com atenção para a identificação de quadros que configurem potencial risco de vida e necessitem pronta intervenção terapêutica (Quadro 5.2).
Quadro 5.2 Avaliação do paciente hipertenso no pronto-socorro Emergências
hipertensivas
Anamnese Exame físico Comentários Edema agudo de
pulmão
Paciente angustiado e com dificuldade para falar. Em geral, já apresenta algum grau de disfunção ventricular
Estertores pulmonares até o ápice Baixa saturação de oxigênio B3 e/ou B4
Pode ter estase de jugulares (não é obrigatório)
Às vezes, pode apresentar sibilos importantes, deixando dúvidas com o diagnóstico diferencial de asma
Síndrome coronariana aguda
Dor ou sensação de opressão precordial. Pode ser acompanhada de náuseas,
dispneia e sudorese fria
B4 presente
Pobres achados propedêuticos (geralmente)
A caracterização minuciosa da dor é a etapa mais importante na investigação de SCA
Dissecção aguda de aorta
Dor lancinante, pode ser precordial ou se irradiar para as costas
Pode ter pulsos assimétricos
Pode ter sopro diastólico em foco aórtico
É fundamental diferenciar de SCA
Encefalopatia hipertensiva
Letargia, cefaleia, confusão, distúrbios visuais e convulsões, todos com início agudo ou subagudo
Pode não ter qualquer achado ao exame físico Geralmente é necessário excluir AVE com tomografia
Hipertensão m aligna
Astenia, mal-estar, emagrecimento, oligúria, sintomas cardiovasculares e/ ou neurológicos vagos
Fundo de olho: papiledema Potencialmente fatal, seu diagnóstico rápido só é possível com exame de fundo de olho
AVE isquêmico candidato à trombólise, ou AVE hemorrágico
Súbita alteração neurológica (geralmente motora ou sensitiva)
Alteração no exame neurológico Diagnóstico diferencial principal é hipo ou hiperglicemia
Atenção à cefaleia súbita (hemorragia subaracnóidea)
Edâmpsia Gestante após a 20* semana de gestação ou até a 6* semana após o parto
Diagnóstico prévio de pré-edâmpsia e desenvolvimento de convulsões
CAPÍTULO 5 I Urgências e Emergências Hipertensivas 25
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Figura 5.1 Algoritmo dos diagnósticos diferenciais de elevação da PA. (Rev BrasTer Intensiva 2008; 20[3]:305-12.)
TRATAMENTO
Urgências hipertensivas
Em geral, os pacientes com urgências hipertensivas podem ser tratados com agentes orais, com curto período de observação no pronto-socorro ou breve internação. O tratamento deve ser iniciado com baixas doses de anti-hipertensivos, com reavaliações periódicas e incremento de doses conforme a resposta clínica. A meta inicial consiste em reduzir a pressão arterial para níveis < 160 x HOmmHg em horas/dias, com a redução na pressão arterial média (PAM) não ultrapassando 25% dentro das primeiras 3 horas, com normalização em 24 horas. Deve-se ter atenção especial para evitar com plicações com hipotensão (absoluta ou relativa) em idosos, pacientes com doença arterial vascular periférica grave e naqueles com doença cardiovascular ou intracraniana aterosclerótica importante.
Comentários práticos
1. Pode-se começar com captopril 25mg VO e avaliar após 1 hora.
2. Se PA continuar > 160 x lOOmmHg, repetir captopril. Se PA < 160 x lOOmmHg, observar por 3 a 6 horas; se mantiver medição, encaminhar o paciente para acompanhamento ambulatorial.
3. Se PA continuar > 160 x lOOmmHg, usar, por exemplo, clonidina 0,1 a 0,2mg VO. 4. Se não mantiver controle adequado, internar.
Observação: captopril por via oral e não sublingual.
Quadro 5.3 Medicamentos frequentemente utilizados nas urgências hipertensivas
Agente* Mecanismo de ação Dose inicial Início de ação Duração
Captopril Inibidor da ECA 6,5 a 25mg 15min 4 a 6 h Clonidina a-agonista central 0,1 a0,15mg 30min 6 a 8 h Nifedipina BloqueadordeCa^ 5 a 10mg 5 a 15min 3 a 5h Hidralazina Vasodilatador arterial 12,5a50m g 30min 3 a 8h Furosemida Diurético 20a40m g 30min 6 a 8h Propranolol p-bloqueador 20a40m g 15 a 30min 3 a 6h Anlodipina Bloqueador de Ca++ 2,5mg 30a50m in 35h
26 SEÇÃO I I CARDIOLOGIA
Emergências hipertensivas
A conduta nas emergências hipertensivas deve ser individualizada, levando em consideração as características do paciente, o órgão-alvo afetado e as comorbidades apresentadas. Os pacientes
devem ser hospitalizados, inicialmente admitidos no departamento de emergência, mas idealmente encaminhados para a UTI assim que estiverem estáveis.
Uma vez confirmada a emergência hipertensiva, considera-se que a PA seja reduzida em ques tão de minutos a 1 hora por meio do uso de anti-hipertensivos EV, retirando o paciente da situação de risco iminente de morte e/ou de lesão permanente no órgão-alvo acometido. Sugere-se redução de aproximadamente 10% a 20% na PAM durante a primeira hora. Após 6 horas de tratamento, deve-se iniciar a terapia de manutenção VO, com redução gradual da medicação EV. A PA pode ser reduzida a valores normais nas próximas 24 a 48 horas.
Na abordagem inicial das emergências hipertensivas, em geral, estão indicadas as seguintes medidas concomitantemente à terapêutica farmacológica imediata:
1. Internação em UTI ou unidade semi-intensiva (de acordo com a gravidade da apresentação inicial). 2. Oxigenoterapia.
3. Monitorização cardíaca. 4. Oximetria de pulso.
5. Eletrocardiograma de 12 derivações. 6. PAM não invasiva ou invasiva.
Quadro 5.4 Medicamentos usados no tratamento das emergências hipertensivas
Agente Mecanismo de ação Dose Início de ação Duração Efeitos adversos/precauções
Nitroprussiato de sódio
Vasodilatador arterial e venoso direto
0,25a10m cg/kg/min Imediato(s) 2a3m in Intoxicação por cianeto/tiocianato; infusão protegida da luz Nitroglicerina Vasodilador venoso (principal)
e arterial/coronário
5 a 200mcg/min 2 a 5min 5 a 10min Cefaleia, vômitos, taquicardia; tolerância com infusão prolongada Hidralazina Vasodilatador arteriolar direto Bolus:
5 a 20mg EV ou 10a40mg IM Repetir 4 a 6h EV: 10 min IM: 20 a 30min
1 a 4h Taquicardia, cefaleia, flushing
Metoprolol p-bloqueador Bolus: 5 a 15mg (com
intervalo de 5min)
5 a 10min 3a 4 h Bradicardia BAV
Broncoespasmo
Piora da classe funcional da IC
BAV: bloqueio atrioventricular; 1C: insuficiência cardíaca.
CAPÍTULO 6 I Pericardite Aguda 27