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Investigação da Dor Torácica

No documento SOS Plantão (OCR).pdf (páginas 33-37)

Eduardo Alvarenga Junqueira Filho • Aureo do Carmo Filho

INTRODUÇÃO

A dor torácica na emergência representa um grande desafio para o médico, pois, além de ser uma queixa frequente, compreende uma variedade de etiologias, com ampla gama de implicações clínicas, algumas potencialmente fatais, se não diagnosticadas rapidamente. A diferenciação entre as doenças que oferecem e as que não oferecem risco de vida é um ponto crítico na tomada de decisão do médico emergencista para definir sobre a liberação ou admissão do paciente ao hospital e iniciar o tratamento imediatamente.

A abordagem inicial ao paciente é sempre dirigida à confirmação ou ao afastamento do diag­ nóstico de síndrome coronariana aguda (SCA). Nesse sentido, é importante identificar outras causas potencialmente fatais, como dissecção de aorta, pericardite ou embolia pulmonar, bem como reco­ nhecer indivíduos sob risco maior de complicações cardiovasculares relacionadas com a isquemia. Por isso, estratégias para identificação rápida e correta de pacientes sob alto risco de desenvolver complicações são fundamentais na avaliação do paciente com dor torácica.

Para a redução de admissões desnecessárias, elaboração de estratégias para manter o cuidado ade­ quado aos pacientes de maior risco e otimizar a relação custo-benefício, devem ser desenvolvidos proto­ colos de investigação da dor torácica de maneira sistematizada da conduta médica, seja ela diagnostica ou terapêutica.

A Figura 3.1 esquematiza os principais diagnósticos diferenciais referentes à dor torácica.

Figura 3.1 Diagnósticos diferenciais da dor torácica.

PARTICULARIDADES DA DOR TORÁCICA

• Dor da isquemia cardíaca: dor em pressão, aperto, constritiva ou em peso, com duração usual de

alguns minutos e geralmente de localização precordial ou retroesternal, podendo ainda irradiar- -se eventualmente para membros superiores (MMSS), mandíbula e pescoço. Episódios de diafore-

se, na'useas, vômitos e dispneia são comuns. Essa dor muitas vezes se inicia por esforço ou estresse

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• Dor da dissecção aguda da aorta: ocorre geralmente em indivíduos hipertensos, portadores de

síndrome de Marfan ou com história de traumatismo torácico recente. Em geral, é caracterizada como uma dor lancinante que se inicia no tórax e se irradia para o dorso. Muitas vezes, também é encontrada diferença na amplitude de pulso e de pressão arterial (PA) entre os MMSS.

• Dor do pneumotórax: dor encontrada muitas vezes em dorso e ombro, associada a dispneia, ta-

quipneia e ausência de ruídos respiratórios à ausculta pulmonar.

• Dor da embolia pulmonar: dois terços dos pacientes apresentam dor do tipo pleurítica, a qual

costuma ser súbita. Dispneia e taquipneia são sintomas comuns que podem acompanhar o qua­ dro.

• Dor da pericardite: dor do tipo pleurítica que melhora ao sentar-se ou inclinar-se para a frente.

Atrito pericárdico, alterações ao eletrocardiograma (ECG) e derrame pericárdico são manifesta­ ções clássicas. Os pacientes podem ainda ter febre e frequentemente relatam que o quadro é pre­ cedido por uma síndrome gripal.

• Dor do prolapso da valva mitral: dor que geralmente ocorre em repouso, descrita tipicamente como

sendo em pontadas, não apresentando irradiações. O diagnóstico é feito por ausculta cardíaca.

• Dor da estenose aórtica: dor semelhante à da doença coronariana. Diagnóstico feito principal­

mente pela ausculta do sopro, associada à hipertrofia ventricular esquerda no ECG.

• Dor da miocardiopatia hipertrófica: pode ter característica anginosa. No exame físico podem ser encontrados uma quarta bulha e um sopro sistólico ejetivo aórtico. O diagnóstico é feito pelo ecocardiograma transtorácico. O ECG geralmente mostra hipertrofia ventricular esquerda, com ou sem alterações de ST-T.

• Dor do refluxo e espasmo esofagiano: pacientes com refluxo podem apresentar desconforto torá­ cico, geralmente em queimação, em alguns casos associado a regurgitação alimentar, e que pode melhorar com a posição ereta ou com o uso de antiácidos. O espasmo esofagiano pode apresentar melhora com o uso de nitratos, causando dificuldade na diferenciação com síndromes coronarianas. • Dor da úlcera péptica: dor localizada, principalmente, em região epigástrica ou no andar superior

do abdome. Habitualmente, ocorre após uma refeição e melhora com o uso de antiácidos.

• Dor da ruptura esofagiana: dor excruciante de localização retroesternal ou no andar superior do abdome. Em geral, a ruptura ocorre após episódios de vômitos incoercíveis. Encontra-se pneumo- mediastino na radiografia de tórax.

• Dor osteomuscular: geralmente tem característica pleurítica, por ser desencadeada ou exacerbada pelos movimentos dos músculos e/ou articulações que participam da respiração. Tem duração prolongada, de horas a semanas, e piora com a palpação.

• Dor psicogênica: achado extremamente comum nos serviços de emergência, pode apresentar qualquer padrão, mas costuma ser difusa e imprecisa. Em geral, os sinais de ansiedade são detec­ táveis e, com frequência, observa-se utilização abusiva e inadequada de medicações analgésicas.

COMO INVESTIGAR?

Nosso objetivo é fornecer ferramentas simples e de fácil aplicação prática para orientar o médico emergencista nas tomadas de decisões. O primeiro contato com o paciente é de extrema importância, devendo ser realizado rapidamente em três etapas:

Primeiro passo - História clínica —» Qual o tipo de dor referida?

O primeiro passo na abordagem a um paciente com dor torácica consiste em saber caracterizá-la por meio da realização de uma breve história clínica, que continua sendo um dos mais importantes pontos na avaliação. Características da dor sugestivas de angina e a presença de sintomas associados, como sudorese, vômitos ou dispneia, são muito úteis para o diagnóstico correto. Ao mesmo tempo, a história possibilita a elaboração de possíveis diagnósticos diferenciais de etiologias não cardíacas.

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Quadro 3.1 Avaliação do tipo de dor torácica

Tipo da dor Característica da dor

Definitivamente anginosa

Provavelmente anginosa Provavelmente não anginosa Definitivamente não anginosa

Dor ou desconforto retroesternal ou precordial, geralmente precipitada pelo esforço físico, podendo irradiar-se para ombro, mandíbula ou face interna do braço (ambos), com duração de alguns minutos, e aliviada pelo repouso ou nitrato em menos de 10 minutos

Tem a maioria, mas não todas as características da dor definitivamente anginosa

Tem poucas características da dor definitivamente anginosa ("dor atípica", sintomas de "equivalente anginoso") Nenhuma característica da dor anginosa, fortemente indicativa de diagnóstico não cardiológico

• Eletrocardiograma: o ECG deve ser feito imediatamente, em no máximo 10 minutos após a che­

gada do paciente ao serviço. Na maioria dos doentes que se apresentam com dor torácica, o ECG será normal, o que não descarta uma possível condição maligna. Por isso, devemos sempre ficar atentos a algumas situações e tratar cada caso de modo bem específico, para que, aí sim, saber se podemos ou não dar alta ao paciente.

• Exame físico: frequentemente é inexpressivo no contexto de uma síndrome coronariana aguda

(SCA). Entretanto, deve incluir:

- PA nos dois braços: avaliar simetria e diagnosticar hipotensão. - Palpar pulsos em MMSS e membros inferiores (MMII).

- Ausculta cardíaca: avaliar presença de sopros, B3. - Ausculta pulmonar: avaliar presença de crepitações.

- Geral: avaliar se há palidez, sudorese, ansiedade, cianose, turgência jugular. - Extremidades: procurar sinais de insuficiência vascular, edema.

Segundo passo - Qual a probabilidade de estar ocorrendo uma SCA?

O principal desafio reside em estabelecer a probabilidade de o quadro apresentado pelo pacien­ te ser uma SCA. Unindo as informações da avaliação clínica da dor descritas no primeiro passo, an­ tecedentes pessoais, exame físico e ECG, é possível estimar a probabilidade de isquemia miocárdica e, assim, tomar decisões terapêuticas.

Quadro 3.2 Níveis de probabilidade de angina instável ou IAM

Alta probabilidade Média probabilidade Baixa probabilidade

Qualquer um dos itens abaixo: • Dor definitivamente anginosa

• Dor provavelmente anginosa (especialmente em pacientes com idade avançada)

• Alterações hemodinâmicas e de ECG durante dor precordial

Ausência dos itens de alta probabilidade e pelo menos um dos itens abaixo:

• Dor provavelmente não anginosa em diabéticos • 2 fatores de risco, exceto DM

• Doença vascular extracardíaca

• Depressão ST de 0,5 a 1 mm ou inversão de onda T > 1mm não dinâmicas

Ausência dos itens de alta e média probabilidade e: • Dor definitivamente não anginosa

• Dor provavelmente não anginosa e um fator de risco (exceto DM)

• ECG normal ou com alterações inespecíficas

DM: diabetes mellitus.

A etapa mais importante nessa estratificação de probabilidade para SCA consiste na definição dos dois extremos de pacientes, ou seja, os de baixa e os de alta probabilidade. Pacientes de baixa probabilidade não necessitam de avaliação complementar para isquemia miocárdica, devendo ser pesquisados diagnósticos diferenciais para o quadro apresentado. Pacientes de alta probabilidade devem ser considerados portadores de SCA e, desse modo, iniciar rapidamente o tratamento. Resta- -nos um grupo intermediário, o de média probabilidade. É nesse grupo que encontramos um grande número de pacientes e onde devemos ter bastante cuidado, principalmente pelas características clí­ nicas, muitas vezes duvidosas, que esses doentes apresentam. Devem submeter-se a um protocolo

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específico de avaliação de dor torácica, descrito no terceiro passo, já que necessitam de monitorização dos sintomas e exames subsidiários adicionais para auxílio diagnóstico e decisão terapêutica.

Terceiro passo - Há necessidade de inclusão no protocolo diagnóstico da Unidade de Dor Torácica (UDT)?

Uma possibilidade para o protocolo de UDT consiste em manter o paciente com probabilidade moderada de SCA em observação, por até 12 horas do início da dor. Nesse período, o paciente será observado clinicamente e submetido a avaliações clínicas seriadas.

Os ECG devem ser realizados de modo seriado (por exemplo, em 0, 3, 6, 9 e 12 horas após o início da dor e a cada novo episódio de dor torácica).

Os marcadores de necrose miocárdica constituem o ponto fundamental para a avaliação diag­ nostica e prognostica dos pacientes com provável SCA. Marcadores cardíacos seriados são de extre­ ma importância. O tempo de coleta varia conforme o protocolo utilizado em cada UDT, embora o mais utilizado seja 0, 3, 6, 9 e 12 horas após admissão ou apenas em 6 e 12 horas após o início da dor.

Aplicado o protocolo de dor torácica, apenas duas possibilidades são aventadas:

• O protocolo é negativo - o paciente evoluiu sem dor, sem alteração significativa do exame físico,

ECG seriados sem novas alterações e marcadores de necrose miocárdica negativos.

• O protocolo é positivo - o paciente apresentou pelo menos uma das seguintes alterações: nova

dor anginosa, exame físico sugestivo de insuficiência cardíaca aguda, qualquer ECG com novas alterações (bloqueio de ramo novo, alteração do segmento ST/T) ou elevação dos marcadores de necrose miocárdica. Nesse caso, o quadro, que inicialmente era duvidoso, agora se confirma como SCA, devendo ser iniciado imediatamente o tratamento do paciente.

Caso o protocolo seja negativo, não é possível afastar a possibilidade de SCA, porém é afastada a de IAM. Portanto, após termos considerado outras hipóteses diagnosticas para dor torácica, pode­ mos tomar duas decisões:

1. O paciente recebe alta e é orientado a marcar uma nova consulta ambulatorial para melhor avalia­ ção de testes não invasivos de isquemia.

2. Realizar essa prova de isquemia no próprio hospital ao término deste protocolo. Os testes mais usados são o teste ergométrico, o ecocardiograma de estresse e a cintilografia de perfusão miocár­ dica com estresse físico ou farmacológico.

Pacientes com testes não invasivos sugestivos de isquemia devem ser tratados como portadores de SCA. Pacientes com testes não invasivos normais podem ser dispensados com segurança.

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Capítulo 4

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