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Pneumonia Nosocomial (PN)

No documento SOS Plantão (OCR).pdf (páginas 108-111)

Helton José Bastos Setta • Sandro Vieira de Oliveira • Rodrigo Simões Eleutério • Yuri Ferreira Balthazar

INTRODUÇÃO

Pneumonia adquirida no hospital (PAH) é definida pelo surgimento da doença no paciente

com mais de 48 horas de admissão hospitalar e não está relacionada com intubação traqueal ou ven­ tilação mecânica. Outro conceito importante refere-se à pneumonia associada à ventilação mecânica (PAVM), que ocorre 48 a 72 horas após intubação endotraqueal e ventilação mecânica. Estima-se que até um quinto dos pacientes em ventilação mecânica possa desenvolver uma pneumonia hospitalar.

Quando a pneumonia surge até o quarto dia de internação, é definida como precoce; já a pneu­ monia a partir do quinto dia de internação é conceituada como tardia (o mesmo conceito se aplica ao número de dias de ventilação mecânica). Essa diferenciação é importante, pois a pneumonia tardia tem maior chance de apresentar germes resistentes, como Pseudomonas aeruginosa, bactérias da famí­ lia Enterobacteriaceae e Staphylococcus aureus oxacilina-resistente.

FISIOPATOLOGIA

A PN acontece em razão da invasão e infecção do trato respiratório inferior por bactérias ou

outros agentes etiológicos, superando os mecanismos de defesa do paciente.

Os principais meios pelos quais as bactérias podem chegar às vias aéreas inferiores são: mi-

croaspiração (ou macroaspiração) de material da orofaringe (principal via), disseminação hema- togênica oriunda de outro foco infeccioso (incluindo sítios de punção) ou ainda por translocação bacteriana do trato gastrointestinal, que se tomou colonizado.

O mecanismo de "contaminação cruzada" não deve ser esquecido. Esse ocorre por intermédio das mãos ou objetos/instrumentos dos profissionais de saúde, que carregam bactérias de um paciente para o outro (atuam como vetores).

As bactérias são os principais agentes etiológicos da PN, e a prevalência de cada espécie pode va­ riar muito de um hospital para o outro. Desse modo, é dever do atendente se informar com a Comissão

de Controle de Infecção Hospitalar (CC1H) do hospital e descobrir quais germes são mais comuns em

cada setor do hospital (principalmente na hora de decidir-se sobre o antibiótico empírico).

ETIOLOGIA

• Gram-negativos estão envolvidos em mais de 60% dos casos. Podemos citar: Acinetobacter spp e bactérias da família Enterobacteriaceae (p. ex., Escherichia coli, Klebsiella pneumoniae, Proteus spp,

Serratia spp). Merece especial atenção a Pseudomonas aeruginosa, em virtude da crescente e impor­

tante resistência a antimicrobianos e da frequência com a qual se relaciona com a PAVM (principal agente etiológico).

• O S . aureus pode estar presente em 20% ou mais das PN.

• O pneumococo e o Haemophilus influenzae são os agentes etiológicos em menos de 10% dos casos. Tendem a ser mais observados nas PN precoces (< 4 dias) e são raros nas pneumonias tardias.

QUADRO CLÍNICO

Em alguns pacientes, o quadro clínico pode ser semelhante ao da pneumonia comunitária típi­ ca. Nesse grupo, os sinais e sintomas serão: febre alta, tosse produtiva, expectoração amarelo-esver- deada, dispneia, mal-estar, ausculta pulmonar compatível (estertores finos) etc.

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No entanto, a maioria dos pacientes com PAH ou PAVM não vai apresentar o quadro clínico ca­ racterístico de uma pneumonia comunitária. Isso ocorre em razão de múltiplos fatores, como comor- bidades associadas, idade avançada, imunodepressão, nível de consciência alterado ou rebaixado, intubação traqueal, ventilação mecânica, uso de fármacos (incluindo sedativos e agentes sintomá­ ticos), ambiente de terapia intensiva, coma etc. Portanto, nunca se deve esperar um quadro clínico característico para pensar em PAH ou PAVM.

Recomenda-se que o médico desconfie de pneumonia nosocomial nos pacientes apresentando item "a" e pelo menos um item "b": (a) radiografia de tórax com infiltrado pulmonar novo ou pro­ gressivo em exames seriados; (b.l) febre (temperatura > 38'-’C); (b.2) aumento do número de leucó­ citos (leucocitose - [>10 mil células/mm3] - ou leucopenia - [<4.000 células/mm3]); (b.3) aumento da secreção traqueal e/ou quando esta adquire um aspecto purulento, principalmente para o paciente em ventilação mecânica.

Cuidado: nenhum desses critérios e/ou sinais é específico de PN, podendo surgir na evolução de diversas outras doenças. Os critérios clíni­

cos são importantes para levantar a suspeita de PN e não devem ser usados para confirmar o diagnóstico.

CONSIDERAÇÕES

A presença de fatores de risco ajuda na suspeita de PN. Os principais fatores de risco são: in­ tubação + ventilação mecânica (mais importante), internações longas, idosos, comorbidades graves, gravidade da doença principal, UTI, cirurgia torácica ou abdominal alta, neurocirurgia, macroaspi- ração de material da orofaringe, posição supina, SDRA, Antibioticoterapia prévia recente, coma, in­ fecções em outros locais, uso de inibidores da bomba de prótons ou antiácidos, dieta enteral, cateter orogástrico ou nasogástrico, condições inadequadas de higiene e contato entre pacientes e profissio­ nais da saúde, além de procedimentos invasivos do trato respiratório.

DIAGNÓSTICO

O diagnóstico ideal de PN vai associar critérios clínicos, exames de imagem e investigação bac­ teriológica. Lembre-se que sempre é um diagnóstico difícil e por diversas vezes duvidoso, apesar dos múltiplos exames complementares disponíveis. Alguns escores clínicos podem ajudar na investiga­ ção da PAVM:

• Os critérios clínicos já foram citados no "quadro clínico". Empregar apenas critérios clínicos implica baixa especificidade para o diagnóstico, e por isso é tão importante incluir exames de imagem e bacteriológicos na investigação. No entanto, os critérios clínicos são muito úteis para a suspeita do diagnóstico.

• Exames de imagem: todo paciente com suspeita de PN deve fazer a radiografia de tórax, que identifica um infiltrado pulmonar, sua extensão e eventuais complicações (p. ex., derrame pleural, abscessos etc.).

Atenção: no paciente hospitalizado, diversas doenças podem produzir infiltrados pulmonares semelhantes a uma pneumonia; sendo assim,

a radiografia de tórax tem menores especificidade e sensibilidade para pneumonia nosocomial, se comparada à pneumonia comunitária.

A TC de tórax apresenta um pouco mais de sensibilidade e especificidade para identificar o infiltrado da pneumonia e suas complicações, porém é um exame mais difícil de se realizar no pa­ ciente grave ou em terapia intensiva. A TC e a USG de tórax podem ser usadas para identificar al­ terações no parênquima pulmonar e derrames pleurais com sensibilidade superior e melhor tempo de clareamento de imagem do que a radiografia, além de auxiliar sua punção, quando indicada.

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• Exames laboratoriais inespecíficos: sempre devem ser solicitados, alguns inclusive de rotina.

Poucos se aplicam ao diagnóstico, devido à baixa especificidade, porém são úteis para prognós­ tico e acompanhamento clínico. Merecem destaque: hemograma completo, coagulograma (TAP, PTT e INR), íons séricos (sódio, potássio, cálcio, magnésio), glicemia, marcadores de função re­

nal (ureia e creatinina) e hepática (em casos selecionados). A proteína C reativa (PCR) e a procal- citonina (PCT) são importantes marcadores de resposta ao tratamento e prognóstico. Recomenda-

-se que a PCR seja dosada sequencialmente para acompanhar a resposta ao tratamento.

A gasometria arterial é importante para o acompanhamento clínico, especialmente nos pacien­ tes em ventilação mecânica, com insuficiência respiratória aguda ou doenças pulmonares prévias.

• Exames bacteriológicos: os exames bacteriológicos vão tentar identificar o agente etiológico da

infecção e estão indicados a todos os pacientes com suspeita de pneumonia nosocomial, respeitan­ do as limitações de cada hospital. O ideal é coletar o material antes de iniciar a antibioticoterapia empírica.

Obs.: não se deve atrasar o início da antibioticoterapia empírica à espera dos resultados dos exames bacteriológicos.

• Hemoculturas: as amostras devem ser coletadas em dois sítios diferentes, com intervalo de 30

minutos entre cada punção. Cada frasco deve ser preenchido com pelo menos lOmL de sangue. Recomenda-se a coleta da amostra quando o paciente estiver próximo do pico febril.

• Bacterioscopia e cultura do material obtido das vias aéreas inferiores: deve-se obter material das

vias aéreas inferiores, preferencialmente por meio de broncofibroscopia, utilizando técnicas como

lavado broncoalveolar (LBA), LBA protegido e escovado protegido (EP). A primeira técnica é a

mais comum. A cultura do material sempre deve ser quantitativa.

As técnicas citadas anteriormente apresentam sensibilidade e especificidade próximas a 90% em alguns estudos.

Existem "técnicas não invasivas" para coleta de secreção das vias aéreas, nas quais não é necessária a broncofibroscopia. As mais utilizadas incluem aspirado endotraqueal (AET), mini-

-LBA, lavado brônquico não broncoscópico (LBNB) e escovado protegido não broncoscópico

(EPNB). As duas primeiras técnicas são as mais utilizadas. Opte sempre pela cultura quantitativa do material. Uma amostra adequada das vias aéreas inferiores deve apresentar > 25 neutrófilos e < 1 0 células epiteliais por campo de pequeno aumento.

Os exames bacteriológicos (bacterioscopia e cultura) também podem ser aplicados ao líquido pleural, quando existe indicação de punção do derrame pleural.

• Escore clínico de infecção pulmonar (CPIS - Clinicai Pulmonary Infection Score): trata-se de um

escore criado por alguns autores com o objetivo de ajudar no diagnóstico de infecção pulmonar. O CPIS vai de 0 a 12 pontos, e valores acima de 6 pontos aumentam a probabilidade de PAVM (Quadro 18.1).

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Embolia pulmonar, insuficiência cardíaca congestiva, atelectasia, carcinoma bronquíolo-alveo- lar, linfoma, hemorragia intrapulmonar, doenças inflamatórias pulmonares, colagenoses, sarcoidose, pneumonites intersticiais, doença pulmonar secundária a medicações e edema pulmonar.

COMPLICAÇÕES

As principais complicações são: sepse, choque séptico, abscesso pulmonar, empiema, derrame pleural e insuficiência respiratória aguda.

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Quadro 18.1 Escore clínico de infecção pulmonar (CPIS)

Temperatura (°C) > 36,5 e < 38,4 - 0 ponto £ 38,5 e £ 38,9 - 1 ponto > 3 9 ,0 ou ^ 3 6 , 0 - 2 pontos Leucometria sangue (/m m 3) > 4.000 e < 11.000 - 0 ponto

< 4.000 ou > 11.000 - 1 ponto (+ bastões> 5 0 0 — h l ponto) Secreção traqueal (0 - 4 + , cada aspiração, < 14 + - 1 ponto

total/dia) > 1 4 + - 1 ponto

(+ secreção purulenta - + 1 ponto) índice de oxigenação: Pa02/F i02 (mmHg) > 240 ou SDRA - 0 ponto

< 240 e sem SDRA- 2 pontos Radiografia de tórax ausência de infiltrado - 0 ponto

Infiltrado difuso - 1 ponto Infiltrado localizado - 2 pontos

Aspirado traqueal, cultura semiquantitativa Cultura de bactéria patogênica < 1+ ou sem crescimento - 0 ponto

(0 ,1 ,2 ou 3 + ) Cultura de bactéria patogênica > 1 + - 1 ponto (+ mesma bactéria identificada ao Gram > 1 + - + 1 ponto)

Fonte: adaptado das diretrizes brasileiras para tratamento das pneumonias adquiridas no hospital e das associadas à ventilação mecânica, 2007.

TRATAMENTO

O tratamento da pneumonia nosocomial tem como elemento principal a antibioticoterapia, seguida pelas diversas medidas de suporte, que variam de paciente para paciente.

Antibioticoterapia

A medicação deve ser iniciada o mais precocemente possível, tão logo exista forte suspeita de pneumonia nosocomial. A escolha dos fármacos é inicialmente empírica, sendo possível a troca dos medicamentos por outros mais específicos, caso os resultados de culturas estejam disponíveis, mas isso não é uma regra. A espera pelos resultados dos exames bacteriológicos não deve atrasar o início dos antibióticos empíricos.

A escolha do medicamento empírico e/ou específico também é influenciada pela CCIH do hos­ pital, que conhece os patógenos mais prevalentes do ambiente e os fármacos a que são sensíveis. Sempre consulte a CCIH.

Os materiais para exames bacteriológicos devem ser coletados antes do início do antibiótico empírico.

Tratamento empírico sugerido

No documento SOS Plantão (OCR).pdf (páginas 108-111)