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NO AMBIENTE HOSPITALAR

No documento SOS Plantão (OCR).pdf (páginas 132-136)

Andréa Povedano • Rodrigo Simões Eleutério

NO AMBIENTE HOSPITALAR

No hospital, o paciente vai receber o famoso exame primário ("ABCDE" do trauma). Diversas técnicas de reanimação podem ser necessárias durante o atendimento (p. ex., intubação, reposição de volume etc.) (Quadro 23.1).

Q uadro 23.1 Exame primário (é sistematizado: "ABCDE") A - vias aéreas e imobilização cervical

B - respiração/ventilação C - circulação

D - exame neurológico direcionado

E - exposição do paciente e controle da hipotermia

"A" - Vias aéreas e imobilização cervical

1. Vias aéreas livres

A primeira etapa do exame primário do trauma consiste em avaliar se as vias aéreas estão pér- vias para a passagem de ar ou garantir uma desobstrução, caso exista algum comprometimento:

• Avaliação da via aérea: quando o paciente é capaz de falar e sua voz está normal, provavelmente não existe comprometimento da via aérea. No entanto, se o paciente não consegue falar, fala com dificuldade ou apresenta alterações na voz, fique atento, pois pode haver lesão da via aérea. Du­ rante a etapa "A", pergunte ao paciente seu nome, como se sente e se sabe o que aconteceu; faça-o falar com você. Com isso será possível verificar não só a pervialidade da via aérea, mas também a orientação sensorial do paciente.

Alguns achados podem significar comprometimento da via aérea: rebaixamento de consciên­ cia (letargia em virtude de hipercapnia), agitação (em razão de hipoxemia), taquidispneia, cia­ nose, cornagem/estridor, uso de musculatura acessória, outros sinais de esforço respiratório e hipoxemia na saturação de pulso. Além disso, investigue a presença de lesões no pescoço. Em alguns casos, pode ser necessária uma laringoscopia direta para avaliação da via aérea (devem ser aspirados o sangue e a secreção presente para melhor visualização da via).

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Quadro 23.2 Situações em que é necessária uma via aérea definitiva

Paciente em apneia (não ventila) ou insuficiência respiratória aguda TCE grave (Glasgow < 8, indicação de intubação)

Paciente mantém-se hipoxêmico apesar de máscara ou cateter nasal ligado a fonte rica de 02

Paciente necessita de proteção das vias aéreas (impedir broncoaspiração de volume gástrico, sangue, secreção abundante etc.)

As vias aéreas provavelmente vão se tornar comprometidas (trauma intenso de face e pescoço, lesão por inalação, crises convulsivas frequentes etc.)

• Opções de via aérea definitiva: trata-se de uma opção segura que permita tanto uma ventilação

adequada como a proteção da via aérea contra broncoaspiração de secreções. Na maioria das vezes, a escolha é a intubação endotraqueal (geralmente intubação orotraqueal); se esta não for possível, torna-se necessário o acesso cirúrgico de via aérea, como a cricotireoidostomia cirúrgica. Em determinadas situações, a opção mais rápida será a cricotireoidostomia por punção, mas esta é apenas uma medida imediata, de emergência, que deverá ser substituída por outro método as­ sim que possível:

• Intubação endotraqueal ("orotraqueal ou nasotraqueal"): esta é a melhor forma de acessar a via

aérea. Opte por intubação endotraqueal sempre que a situação permitir. A intubação orotraqueal é mais praticada do que a nasotraqueal. Não hiperestenda o pescoço, pois isso pode agravar uma lesão da coluna cervical (um assistente deve manter a cabeça reta enquanto o atendente faz a in­ tubação).

• Intubação orotraqueal: o tubo é passado pela boca do paciente. Indução para intubação com eto- midato, 0,3mg/kg (anestésico), e succinilcolina, 1 a 2mg/kg (relaxante muscular de curto efeito);

utilize spray anestésico na orofaringe, quando possível. Ofereça 0 2 antes da intubação, através de máscara, por 2 minutos, se possível. Confirme intubação (p. ex., ausculta pulmonar, dispositivos de medição do C 0 2, expirado). Nas vias aéreas difíceis, podem ser adotadas medidas auxiliares, como o guia introdutor de Eschmann.

• Intubação nasotraqueal: o tubo é passado pelas cavidades nasais do paciente até a traqueia. A

vítima deve ter movimentos respiratórios espontâneos. Nunca use a via nasotraqueal se houver suspeita de fratura de base do crânio (rinorragia, otorragia, sinal de Batle, sinal do guaxinim) ou se o paciente estiver em apneia.

• Acesso cirúrgico de via aérea: podem ser citadas a cricotireoidostomia e a traqueostomia.

O procedimento cirúrgico de acesso é realizado sempre que houver necessidade de via aérea definitiva e a intubação endotraqueal não for possível (p. ex., não se visualiza a laringe adequa­ damente para intubação [sangue, vômitos, edema], anatomia anormal do pescoço ou via aérea [própria do paciente ou devido ao trauma], trauma extenso com fratura/edema de face/mandí­ bula/maxila etc.).

• Cricotireoidostomia (melhor opção de acesso cirúrgico no trauma): de execução simples e rápida. Técnica: rápidas assepsia, antissepsia e anestesia local (lidocaína). Com lâmina de bisturi, faça

uma incisão (2cm) transversal na membrana cricotireóidea (membrana entre a cartilagem tireói- dea e a cricoide); afaste as bordas da incisão com uma pinça de Kelly ou o cabo do bisturi e passe a cânula de cricotireoidostomia. Infla-se o cuff. Imobilize a cânula e confirme a intubação (p. ex., dispositivo de C 0 2 expirado), ventilar o paciente com 0 2 a 100%. Contraindicações: não fazer em crianças menores de 12 anos (contraindicação relativa) e pacientes com lesão/fratura de cartila­ gens da laringe (contraindicação absoluta); nessas situações, opte por traqueostomia.

• Traqueostomia: opção quando a cricotireoidostomia não pode ser realizada (lesão de laringe e

crianças < 1 2 anos).

• Cricotireoidostomia por punção: usada nos casos em que a via aérea cirúrgica está indicada,

porém a intervenção deve ser imediata (paciente em apneia, não havendo tempo para uma cri­ cotireoidostomia cirúrgica). Técnica: com um jelco calibroso (12-14, de 8,5cm), conectado a uma seringa (5 a lOmL), puncione a membrana cricotireóidea na linha média. A agulha, inclinada em

CAPÍTULO 23 I Abordagem Inicial ao Trauma 113

45 graus, penetra em direção distai. Enquanto a agulha estiver perfurando, faça pressão negativa na seringa. Quando a agulha entrar na via aérea, o ar entrará na seringa rapidamente. Retire a se­ ringa e a agulha do jelco e introduza um pouco mais o cateter. Conecte o paciente a um dispositivo de ventilação intermitente a jato (fonte de 0 2 de alta pressão). 0 0 , a 15L/min. Trata-se de uma

via aérea provisória, que deve ser utilizada por 30 a 45 minutos, no máximo, pois essa técnica

favorece a hipercapnia.

2. Imobilização cervical

Realizada por meio de colar cervical rígido. Sempre que existe a possibilidade de lesão da colu­ na cervical, o colar cervical rígido deve ser colocado ainda na fase "A" do exame primário (o ideal é já ter sido colocado no ambiente pré-hospitalar). Lesão vertebral sem imobilização adequada permite que fragmentos ósseos desloquem-se e comprimam a medula espinhal:

• Indicações: todo paciente politraumatizado; trauma fechado acima da cintura escapular; paciente

inconsciente ou evoluindo com rebaixamento da consciência; sempre que se suspeite de lesão cervical.

Obs.: quando o paciente apresenta risco de lesão da coluna vertebral/medula espinhal, está indicado o uso de prancha longa para imo­ bilização.

• Quando retirar o colar: deve ser retirado apenas no hospital. Não é necessário exame de imagem da coluna cervical se o paciente estiver lúcido e orientado, não usou drogas ou álcool, não tem queixas cervicais (dor no pescoço, instabilidade) e não há alterações no exame neurológico. Nos demais pacientes, ou em caso de dúvida, será necessária radiografia de coluna cervical em perfil (é essencial visualizar até a vértebra T l no RX), ou mesmo uma TC da coluna cervical.

" B " - Respiração/ventilação

Na fase "B " do atendimento, a atenção é voltada para a respiração do paciente, que deve ser capaz de ventilar os pulmões adequadamente e manter trocas gasosas satisfatórias.

1. Forneça oxigênio ( 0 2) suplementar: por cateter nasal, máscara facial ou pela via aérea definitiva

(tubo, cânula). Acompanhe a saturação de 0 2 (oximetria de pulso). O objetivo é uma SatO, > 95%.

2. Realize um exame rápido e objetivo do tórax e das regiões adjacentes: o tórax deve estar total­

mente exposto.

• Inspeção: algumas perguntadas devem ser respondidas durante a inspeção.

• O tórax está expandindo de maneira inadequada e assimétrica? (Atenção para pneumotórax, tórax instável, hemotórax.)

• Existe alguma lesão penetrante da parede torácica? (Cuidado com pneumotórax aberto.) • Existe respiração paradoxal em alguma região da parede? (Cuidado com tórax instável.) • Há desvio da traqueia ou turgência jugular? (Atenção para pneumotórax hipertensivo.) • Palpação: enfisema subcutâneo pode surgir no paciente com pneumotórax hipertensivo. • Percussão: o som claro-pulmonar é o normal. A presença de timpanismo sugere pneumotórax

e a presença de submacicez/macicez sugere hemotórax.

• Ausculta: murmúrio vesicular (MV) está diminuído ou abolido em algum hemitórax (descon­ fie de um pneumotórax ou hemotórax).

3. Na fase "B ", as condições que merecem mais atenção e intervenção imediata são: pneumotórax

hipertensivo, pneumotórax aberto, tórax instável (associado a contusão pulmonar) e hemotórax maciço (condições que rapidamente podem produzir insuficiência respiratória aguda). Lembre-se

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Obs.: o diagnóstico e o tratamento mais específico das condições descritas acima estão no Capítulo 24.

"C "- Circulação

Merece atenção a condição hemodinâmica do paciente. Deve-se analisar se o paciente está apresentando hipotensão ou choque (instabilidade hemodinâmica). Nessa etapa, os sangramen- tos externos também devem ser contidos por meio de pressão no foco do sangramento (compres­ são direta).

A principal causa de hipotensão e choque no trauma é a hemorragia, que pode ser interna (mais grave) ou externa (visível à inspeção). Todo paciente politraumatizado que apresente choque deve ser considerado com choque hipovolêmico, merecendo portanto reposição volêmica rápida e controlada.

O principal local de hemorragia que leva ao choque hipovolêmico é a cavidade abdominal (hemorragia de origem abdominal é a causa mais comum de choque no trauma). No paciente que evolui com instabilidade hemodinâmica, é mandatório investigar se há sangramento na cavidade abdominal. Essa investigação pode ser feita por meio de dois exames rápidos e que podem ser rea­ lizados ainda na sala de emergência: a USG-FAST ou o lavado peritoneal diagnóstico (LPD) (mais detalhes no Capítulo 25.

Obs.: basta um dos exames (a USG-FAST é o mais usado).

Uma vez afastada a origem abdominal da hemorragia, devem ser investigadas outras causas para hipovolem ia e choque hipovolêmico (p. ex., fraturas pélvicas, hemotórax maciço, fraturas do fêmur [situações que sequestram muito sangue e podem produzir hipovolemia]).

Na fase "C" do exame primário, o paciente deve receber reposição volêmica controlada con­ forme a necessidade:

1. Acesso venoso (dois acessos calibrosos): a primeira opção é a veia periférica do membro superior; a segunda é uma veia profunda (acesso venoso profundo - p. ex., veia subclávia ou fémoral) ou a infusão intraóssea (p. ex., tíbia), como terceira opção.

2. Reposição de cristalóide: a primeira opção é o Ringer lactato (RL) à temperatura de 39°C (SF é uma alternativa, se RL não estiver disponível). Administre 2.000mL de RL no adulto e 20mL/kg na criança. Monitorize a condição hemodinâmica e o débito urinário; a dose pode ser repetida até alcançar parâmetros adequados.

3. Objetivos da reposição: elevar demais a PA pode agravar o sangramento e piorar a condição hemodinâmica; por isso, o objetivo da reposição volêmica é manter uma PA sistólica de 90 a lOOmmHg e um débito urinário adequado (adulto: > 0,5mL/kg/h e criança > lmL/kg/h indicam boa resposta ao volume). A restauração do nível de consciência, a perfusão capilar periférica e o pulso são importantes critérios de avaliação. Alguns pacientes podem precisar de hemotransfusão (concentrado de hemácias) para melhorar a saturação.

Atenção: se a hemorragia não é a causa do choque, outras situações devem ser pesquisadas, como tamponamento cardíaco, contusão miocárdica, pneumotórax hipertensivo, choque neurogênico (por traumatismo medular alto), insuficiência adrenal (aplique hidrocortisona EV). Todas essas condições podem levar ao choque, porém com frequência bem menor. As três primeiras estão descritas no Capítulo 24.

Na suspeita de tamponamento cardíaco, avalia-se a presença da tríade de Beck (hipotensão, turgência jugular e bulhas hipofonéticas), do pulso paradoxal e da instabilidade hemodinâmica.

CAPÍTULO 23 I Abordagem Inicial ao Trauma 115

Confirme o derrame pela USG (pode ser empregada a USG-FAST do traumatismo abdominal) ou o ecocardiograma transtorácico.

"D" - Avaliação neurológica direcionada

1. Escala de Coma de Glasgow: a pontuação na escala de Glasgow ajuda a avaliar o nível de cons­ ciência do paciente, uma etapa essencial diante da suspeita de TCE.

Obs.: Glasgow < 8 é indicação absoluta de via aérea definitiva.

Atenção: drogas, álcool, sedação e choque influenciam o resultado do Glasgow. Se esses elementos não estiverem presentes, o rebaixa­ mento da consciência sugere TCE de moderado a grave.

2. Reação pupilar: pesquise o diâmetro das pupilas e a reação à luz (reflexo fotomotor). A presença de pupilas anisocóricas, midríase unilateral ou comprometimento do reflexo fotomotor sugere um "efeito de massa" no interior do crânio, com elevação da pressão intracraniana (PIC) - TCE grave.

3. Movimentação dos membros: a hemiparesia/plegia dos membros pode sugerir "efeito de massa" no interior do crânio (aumento da PIC) e herniação cerebral (TCE grave).

" E " - Exposição e controle da temperatura

Para a exposição são retiradas as roupas do paciente, permitindo encontrar lesões que não foram investigadas nas primeiras etapas do exame primário e também avaliar melhor as já encontradas.

A hipotermia deve ser sempre evitada; por isso, apesar de despir o doente, cobertores térmicos devem ser colocados e a temperatura monitorizada constantemente. O ambiente deve estar aquecido (lembre-se de que os volumes administrados devem ser aquecidos).

MONITORIZAÇÃO E EXAMES COMPLEMENTARES QUE PODEM SER SOLICITADOS AINDA NO EXAME

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