Sônia Regina da Silva Carvalho • Rodrigo Simões Eleutério
INTRODUÇÃO
A DPOC consiste em uma síndrome definida pela obstrução crônica, difusa e irreversível das vias aéreas inferiores, acompanhada de sintomas respiratórios (p. ex., dispneia, tosse crônica, expec toração) e progressiva destruição de parênquima pulmonar. Apesar de só comprometer os pulmões, a doença é capaz de produzir repercussões sistêmicas importantes.
Na composição da DPOC vamos encontrar duas doenças principais: a bronquite obstrutiva crônica e o enfisema pulmonar. Em geral, as duas doenças estão presentes simultaneamente, qxiase sempre com predomínio de uma delas.
A DPOC é a quarta causa principal de morte no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).
FISIOPATOLOGIA
A DPOC costuma ser encontrada em adultos com mais de 40 a 50 anos de idade e com história positiva de inalação prolongada de materiais particulados e gases irritantes/tóxicos, sendo o taba gismo o principal fator de risco para a doença. Até 90% dos pacientes são tabagistas há muitos anos.
Os dois principais elementos formadores da DPOC são:
• Bronquite obstrutiva crônica: caracterizada por um processo inflamatório crônico (devido aos gases tóxicos e irritantes), levando ao espessamento da parede dos brônquios e reduzindo a luz destes. Também se observam hiperplasia e hipertrofia das glândulas secretoras na submucosa, produzindo hipersecreção de muco nas vias aéreas. O paciente costuma exibir tosse crônica, acompanhada de expectoração mucosa, por muitas semanas, principalmente em meses de inver no. Para definir clinicamente a doença, o paciente deve apresentar: tosse crônica e expectoração por pelo menos 3 meses sequenciais e por 2 ou mais anos consecutivos. Também deve exibir sinais de obstrução crônica das vias aéreas.
• Enfisema pulmonar: observa-se uma dilatação/alargamento das vias aéreas distais ao bronquíolo terminal, com destruição progressiva da parede dos alvéolos. Surgem grandes "espaços" onde deveriam existir alvéolos e sacos alveolares. As trocas gasosas ficam comprometidas devido à perda de superfície respiratória, as vias aéreas colabam com facilidade durante a expiração (apri sionando o ar), e o pulmão tende a ficar hiperinsuflado. Essa doença também produz maior resis tência ao fluxo sanguíneo pelo pulmão e aumenta o risco de desenvolvimento de cor pulmonale.
QUADRO CLÍNICO
• Normalmente, o paciente tem idade > 40 a 45 anos e é tabagista há muitos anos, sendo este o prin cipal fator de risco.
• Dispneia é um dos mais importantes sintomas relatados pelo paciente, sendo de caráter progressivo. Inicialmente, trata-se de uma dispneia aos grandes esforços, que progride até se tomar uma dispneia aos pequenos esforços ou mesmo em repouso. Nas exacerbações da DPOC, a dispneia torna-se mais intensa que o habitual. Relatos de dispneia paroxística noturna e ortopneia são frequentes.
• Tosse produtiva é outro importante achado da doença. O paciente costuma relatar que apresenta a tosse há muito tempo, e por dias ou meses essa tosse é acompanhada de expectoração. A tosse
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está muitas vezes relacionada com a bronquite crônica. A tosse, bem como a expectoração, tende a se intensificar durante a exacerbação da doença. Os tabagistas costumam relatar que pela manhã apresentam muita tosse com "pigarro na garganta". A tosse pode se manifestar antes ou durante a dispneia.
• Ao exame físico, é possível encontrar diminuição do murmúrio vesicular; nos pacientes com pre domínio de bronquite obstrutiva crônica, a ausculta pode também revelar estertores, sibilos e ron cos. Nos pacientes com predomínio de enfisema pulmonar, os ruídos adventícios não costumam ser percebidos, apenas a diminuição do murmúrio vesicular. Outro achado comum é o tempo expiratório anormalmente aumentado: o paciente parece fazer força para "soprar" o ar durante a expiração. O tórax dos pacientes pode apresentar-se com sinais de hiperinsuflação ("tórax em tonel/barril"), expansibilidade e elasticidade reduzidas e hipersonoridade à percussão. Alguns pacientes podem desenvolver policitemia (aumento do número de hemácias) e por isso desenvol vem pletora facial (a pele fica avermelhada, principalmente no rosto). Alguns pacientes podem apresentar cianose.
DIAGNÓSTICO
• O diagnóstico definitivo de DPOC pode ser obtido juntando os achados da história clínica (sinais e sintomas característicos e fatores de risco presentes) aos resultados da espirometria. Os princi pais parâmetros da espirometria a serem analisados são VEF1 e CVF. No paciente com DPOC, a relação VEF1/CVF está < 70% (< 0,7), mesmo após prova broncodilatadora, sendo este um critério diagnóstico da DPOC. A espirometria também auxilia o estadiamento dos pacientes, sendo o va lor do percentual do VEF1 após a prova broncodilatadora o parâmetro escolhido para essa avalia ção. Classificamos o DPOC em leve (%VEF1 pós-BD > 80%), moderado (entre > 50 e < 80%), grave (entre > 30 e < 50%) e muito grave (< 30%). No entanto, sabe-se que a espirometria muitas vezes não estará disponível no ambiente de PS e, consequentemente, tanto o diagnóstico de DPOC como a identificação da exacerbação (DPOC descompensada) devem ser baseados na história clínica e auxiliados por exames inespecíficos. Em geral, a espirometria é solicitada para o paciente durante a fase compensada da doença.
• Deve-se suspeitar de DPOC nos pacientes com história de tabagismo e sinais, sintomas e exame físico sugestivos. Durante a agudização ("exacerbação da DPOC") observam-se, em geral, piora/
intensificação da dispneia, tosse mais frequente e com expectoração aumentada, ou de aspecto purulento (amarelado-esverdeado); piora dos padrões gasométricos e clínicos e achados compa
tíveis com infecção pulmonar.
• Alguns exames complementares que auxiliam a avaliação do paciente: radiografia de tórax PA e perfil, gasometria arterial, oximetria de pulso constante, hemograma completo, eletrocardiogra- ma (ECG), ecocardiograma e bioquímica do sangue (coagulograma, função renal, glicemia).
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Os principais diagnósticos diferenciais a serem considerados são com: pneumonia, TEP, derra me pleural, pneumotórax, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca, insuficiência cardíaca descom pensada, asma, tuberculose, bronquiolites e bronquiectasias.
TRATAMENTO
As exacerbações no paciente com DPOC são comuns e devem ser rapidamente reconhecidas e controladas. Na maioria dos casos, a exacerbação é desencadeada por infecção das vias aéreas, mas existem outras causas não menos importantes, como TEP, asma brônquica, insuficiência cardíaca descompensada, isquemia miocárdica, arritmias cardíacas, pneumotórax (rompimento de bolhas) e uso de sedativos e outras substâncias.
CAPÍTULO 21 | Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC) 103
O tratamento do paciente com DPOC descompensada baseia-se principalmente em nebulização (A) + antibioticoterapia conforme a necessidade (B) + corticoides sistêmicos (C) + oferta adicional controlada de 0 2 (D). Alguns pacientes podem necessitar de ventilação mecânica invasiva (E). Outros pacientes podem se beneficiar da ventilação não invasiva com pressão positiva (F):
A. Nebulização com |32-agonista de curta duração associado a brometo de ipratrópio:
• A nebulização associando os dois medicamentos promove importante melhora da dispneia. • O (32-agonista de curta duração mais usado é o fenoterol. Nebulização com 1,25 a 2,5mg (de
5 a 10 gotas), até três nebulizações na primeira hora, e depois, até 4/4h (até estabilização); o brometo de ipratrópio deve ser usado na dose de 250 a 500mcg (de 20 a 40 gotas), de 4/4h (até estabilização).
B. Antibioticoterapia: infecção das vias aéreas é a principal causa de agudização da DPOC (até 70% das vezes de etiologia bacteriana). Utilize o antibiótico sempre que houver evidências claras de infecção (consolidação na radiografia de tórax, febre alta, leucocitose etc.) ou sempre que o pa ciente apresentar dois ou três dos itens a seguir: (1) piora da dispneia, (2) escarro se tom a mais abundante (volume aumentado), (3) escarro adquire aspecto purulento (amarelado, amarelo- -esverdeado):
• Streptococcus pneumoniae, Haemophiliis influenzae e Moraxella catarrhalis são as bactérias mais comuns. Outras: micoplasma, clamídia, Pseudomonas aeruginosa, Proteus, Klebsiella pneumoniae,
Escherichia coli e outros gram-negativos entéricos.
Quadro 21.1 Esquema de antibiótico sugerido
B.1). Pacientes com crises leves (VEF1 > 80%) e sem fatores de risco*: p-lactâmico + inibidor da p-lactamase (p. ex., amoxicilina-clavulanato ou ampicilina-sulbactam); outras alternativas são azitromicina ou daritromicina ou cefuroxima
B.2). Pacientes com crises leves/moderadas (VEF1 > 50% ) com fatores de risco*: fluoroquinolona respiratória (p. ex., levofloxacino ou moxifloxacino) ou então p-lactâmico + inibidor da p-lactamase (p. ex., amoxicilina-clavulanato ou ampicilina-sulbactam)
B.3). Pacientes com crises graves (VEF1 < 50%) e com fatores de risco*: fluoroquinolona respiratória em doses altas, EV. Alternativa:
P-lactâmico + inibidor da p-lactamase (p. ex., ampicilina-sulbactam). Em caso de risco aumentado para pseudomonas, deve-se associar cefepima ou piperacilina-tazobactam ou meropenem ou imipenem
Doses sugeridas
Amoxicilina-clavulanato: 875mg de amoxicilina + 125mg de clavulanato, V0, de 12/12h, ou então I.OOOmg de amoxicilina + 200mg de davulanato, EV, de
8/8h ou de 6/6h (infecções mais graves)
Ampicilina-sulbactam: dose baixa/moderada (0,5g de sulbactam + 1,0g ampicilina, EV, de 8/8h), dose alta (1,0g de sulbactam + 2,0g de ampicilina, EV, de
8/8h ou de 6/6h). A dose máxima diária de sulbactam recomendada é 4,0g
Levofloxacino: 500mg, V0, de 24/24h, ou então 500 a 750mg, EV, de 24/24h (infusão lenta > 90min) Moxifloxacino: 400mg, V0, de 24/24h,ou então 400mg, EV, de 24/24h (infusão lenta > 60 min) Cefepime: 1 a 2g, EV, de 8/8h ou de 12/12h (infusão > 30min)
Piperacilina-tazobactam: 4g + 0,5g, EV, de 8/8h
*Fatores de risco: > 65 anos, dispneia grave, comorbidades graves associadas, quatro ou mais exacerbações nos últimos 12 meses, hospitalização, uso de antibió
ticos nos últimos 15 dias, desnutrição, insuficiência renal ou hepática, cardiopatas, diabetes dependente de insulina.
C. Glicocorticoides sistêmicos: os corticoides ajudam na melhora clínica da exacerbação atual e tam bém contribuem para diminuir a frequência e a intensidade de novas exacerbações. Podem ser administrados a todos os pacientes (exceto em caso de contraindicação a corticoides).
Utilizar prednisona, 40 a 60mg, VO, lx/dia, por 10 a 14 dias, nos pacientes em regime ambula- torial ou internados que aceitem VO. Pacientes em crise grave, internados e que não podem inge rir o comprimido podem usar a metilprednisolona, 0,5 a l,0mg/kg (de 62,5 a 125mg), EV, de 6/6h por 3 dias, e depois substituir por prednisona, VO (se possível). Outra opção é a hidrocortisona, 3 a 5mg/kg (dose de 200 a 300mg), EV, de 6/6h também por 3 dias, posteriormente substituída por medicação oral.
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D. Oxigênio suplementar: ofereça 0 2 em um fluxo de 1 a 2L/min, em caso de saturação de pulso <
90%. O ideal é manter a saturação de 0 2 entre 90% e 92%.
Atenção: não oxigenar além dos limites indicados, pois pode favorecer a retenção de C02.
E. Suporte ventilatório:
• Como conduzir o suporte ventilatório: avalie se o paciente tem, necessariamente, indicação de
ventilação mecânica invasiva; depois, avalie as indicações e contraindicações na ventilação não invasiva; e, por último, avalie se precisa de 0 2 apenas por máscara facial ou cateter nasal.
• Ventilação não invasiva com pressão positiva (VNIPP): pode-se utilizar CPAP, pressão de 8
a 12cmH0O, ou então BiPAP, pressão de 8 a 12cmH20 na inspiração e de 3 a 5cm H ,0 na expi ração (sugestão de pressão). Mantenha a cabeceira elevada. A ventilação com pressão positiva pode ser usada se alguns dos critérios a seguir estiverem presentes: FR > 25irpm, acidose res piratória (pH < 7,35) com PaCO0 > 45mmHg e dispneia intensa com utilização de musculatura acessória ou respiração paradoxal. Contraindicações: pacientes não cooperativos, rebaixa mento/alteração do nível de consciência, queimados, instabilidade cardiovascular, alterações do rosto que impossibilitam o posicionamento da máscara, traumatismo craniofacial, obesida de mórbida.
• Ventilação invasiva (através de tubo orotraqueal): normalmente mantido por 24 a 48 horas,
dando preferência ao modo assistido-controlado, com ciclagem por volume e tempo expira- tório prolongado. Indicações: alteração do nível de consciência (principal indicação), FR > 35irpm, acidose respiratória grave (pH < 7,25) e PaCO., > 60mmHg, hipoxemia grave (P a02 < 40mmHg, mesmo recebendo 0 2 adicional), hipoxemia refratária à ventilação não invasiva, dispneia grave com uso de musculatura respiratória acessória e/ou respiração paradoxal, fa diga respiratória, instabilidade hemodinâmica, apneia e condições em que se torna necessário proteger as vias aéreas (muita secreção, broncoaspiração de sangue ou conteúdo gástrico etc.).
F. Outros: Após a estabilização do paciente com DPOC, este necessitará de acompanhamento ambu-
latorial. Todos os pacientes com DPOC devem abandonar o tabagismo para evitar a progressão da doença.
• Internação hospitalar: está indicada sempre que o paciente apresentar quadro grave, insufi
ciência respiratória, hipercapnia e acidose grave, comorbidades associadas, embolia, pneumo nia ou pneumotórax, insuficiência cardíaca descompensada no paciente incapaz de realizar acompanhamento ambulatorial adequado ou se há necessidade de intervenções/procedimen tos invasivos ou cirúrgicos. O julgamento individual do atendente é o principal elemento na
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