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Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica (DPOC)

No documento SOS Plantão (OCR).pdf (páginas 122-126)

Sônia Regina da Silva Carvalho • Rodrigo Simões Eleutério

INTRODUÇÃO

A DPOC consiste em uma síndrome definida pela obstrução crônica, difusa e irreversível das vias aéreas inferiores, acompanhada de sintomas respiratórios (p. ex., dispneia, tosse crônica, expec­ toração) e progressiva destruição de parênquima pulmonar. Apesar de só comprometer os pulmões, a doença é capaz de produzir repercussões sistêmicas importantes.

Na composição da DPOC vamos encontrar duas doenças principais: a bronquite obstrutiva crônica e o enfisema pulmonar. Em geral, as duas doenças estão presentes simultaneamente, qxiase sempre com predomínio de uma delas.

A DPOC é a quarta causa principal de morte no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

FISIOPATOLOGIA

A DPOC costuma ser encontrada em adultos com mais de 40 a 50 anos de idade e com história positiva de inalação prolongada de materiais particulados e gases irritantes/tóxicos, sendo o taba­ gismo o principal fator de risco para a doença. Até 90% dos pacientes são tabagistas há muitos anos.

Os dois principais elementos formadores da DPOC são:

• Bronquite obstrutiva crônica: caracterizada por um processo inflamatório crônico (devido aos gases tóxicos e irritantes), levando ao espessamento da parede dos brônquios e reduzindo a luz destes. Também se observam hiperplasia e hipertrofia das glândulas secretoras na submucosa, produzindo hipersecreção de muco nas vias aéreas. O paciente costuma exibir tosse crônica, acompanhada de expectoração mucosa, por muitas semanas, principalmente em meses de inver­ no. Para definir clinicamente a doença, o paciente deve apresentar: tosse crônica e expectoração por pelo menos 3 meses sequenciais e por 2 ou mais anos consecutivos. Também deve exibir sinais de obstrução crônica das vias aéreas.

• Enfisema pulmonar: observa-se uma dilatação/alargamento das vias aéreas distais ao bronquíolo terminal, com destruição progressiva da parede dos alvéolos. Surgem grandes "espaços" onde deveriam existir alvéolos e sacos alveolares. As trocas gasosas ficam comprometidas devido à perda de superfície respiratória, as vias aéreas colabam com facilidade durante a expiração (apri­ sionando o ar), e o pulmão tende a ficar hiperinsuflado. Essa doença também produz maior resis­ tência ao fluxo sanguíneo pelo pulmão e aumenta o risco de desenvolvimento de cor pulmonale.

QUADRO CLÍNICO

• Normalmente, o paciente tem idade > 40 a 45 anos e é tabagista há muitos anos, sendo este o prin­ cipal fator de risco.

• Dispneia é um dos mais importantes sintomas relatados pelo paciente, sendo de caráter progressivo. Inicialmente, trata-se de uma dispneia aos grandes esforços, que progride até se tomar uma dispneia aos pequenos esforços ou mesmo em repouso. Nas exacerbações da DPOC, a dispneia torna-se mais intensa que o habitual. Relatos de dispneia paroxística noturna e ortopneia são frequentes.

• Tosse produtiva é outro importante achado da doença. O paciente costuma relatar que apresenta a tosse há muito tempo, e por dias ou meses essa tosse é acompanhada de expectoração. A tosse

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está muitas vezes relacionada com a bronquite crônica. A tosse, bem como a expectoração, tende a se intensificar durante a exacerbação da doença. Os tabagistas costumam relatar que pela manhã apresentam muita tosse com "pigarro na garganta". A tosse pode se manifestar antes ou durante a dispneia.

• Ao exame físico, é possível encontrar diminuição do murmúrio vesicular; nos pacientes com pre­ domínio de bronquite obstrutiva crônica, a ausculta pode também revelar estertores, sibilos e ron­ cos. Nos pacientes com predomínio de enfisema pulmonar, os ruídos adventícios não costumam ser percebidos, apenas a diminuição do murmúrio vesicular. Outro achado comum é o tempo expiratório anormalmente aumentado: o paciente parece fazer força para "soprar" o ar durante a expiração. O tórax dos pacientes pode apresentar-se com sinais de hiperinsuflação ("tórax em tonel/barril"), expansibilidade e elasticidade reduzidas e hipersonoridade à percussão. Alguns pacientes podem desenvolver policitemia (aumento do número de hemácias) e por isso desenvol­ vem pletora facial (a pele fica avermelhada, principalmente no rosto). Alguns pacientes podem apresentar cianose.

DIAGNÓSTICO

• O diagnóstico definitivo de DPOC pode ser obtido juntando os achados da história clínica (sinais e sintomas característicos e fatores de risco presentes) aos resultados da espirometria. Os princi­ pais parâmetros da espirometria a serem analisados são VEF1 e CVF. No paciente com DPOC, a relação VEF1/CVF está < 70% (< 0,7), mesmo após prova broncodilatadora, sendo este um critério diagnóstico da DPOC. A espirometria também auxilia o estadiamento dos pacientes, sendo o va­ lor do percentual do VEF1 após a prova broncodilatadora o parâmetro escolhido para essa avalia­ ção. Classificamos o DPOC em leve (%VEF1 pós-BD > 80%), moderado (entre > 50 e < 80%), grave (entre > 30 e < 50%) e muito grave (< 30%). No entanto, sabe-se que a espirometria muitas vezes não estará disponível no ambiente de PS e, consequentemente, tanto o diagnóstico de DPOC como a identificação da exacerbação (DPOC descompensada) devem ser baseados na história clínica e auxiliados por exames inespecíficos. Em geral, a espirometria é solicitada para o paciente durante a fase compensada da doença.

• Deve-se suspeitar de DPOC nos pacientes com história de tabagismo e sinais, sintomas e exame físico sugestivos. Durante a agudização ("exacerbação da DPOC") observam-se, em geral, piora/

intensificação da dispneia, tosse mais frequente e com expectoração aumentada, ou de aspecto purulento (amarelado-esverdeado); piora dos padrões gasométricos e clínicos e achados compa­

tíveis com infecção pulmonar.

• Alguns exames complementares que auxiliam a avaliação do paciente: radiografia de tórax PA e perfil, gasometria arterial, oximetria de pulso constante, hemograma completo, eletrocardiogra- ma (ECG), ecocardiograma e bioquímica do sangue (coagulograma, função renal, glicemia).

DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

Os principais diagnósticos diferenciais a serem considerados são com: pneumonia, TEP, derra­ me pleural, pneumotórax, arritmias cardíacas, insuficiência cardíaca, insuficiência cardíaca descom­ pensada, asma, tuberculose, bronquiolites e bronquiectasias.

TRATAMENTO

As exacerbações no paciente com DPOC são comuns e devem ser rapidamente reconhecidas e controladas. Na maioria dos casos, a exacerbação é desencadeada por infecção das vias aéreas, mas existem outras causas não menos importantes, como TEP, asma brônquica, insuficiência cardíaca descompensada, isquemia miocárdica, arritmias cardíacas, pneumotórax (rompimento de bolhas) e uso de sedativos e outras substâncias.

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O tratamento do paciente com DPOC descompensada baseia-se principalmente em nebulização (A) + antibioticoterapia conforme a necessidade (B) + corticoides sistêmicos (C) + oferta adicional controlada de 0 2 (D). Alguns pacientes podem necessitar de ventilação mecânica invasiva (E). Outros pacientes podem se beneficiar da ventilação não invasiva com pressão positiva (F):

A. Nebulização com |32-agonista de curta duração associado a brometo de ipratrópio:

• A nebulização associando os dois medicamentos promove importante melhora da dispneia. • O (32-agonista de curta duração mais usado é o fenoterol. Nebulização com 1,25 a 2,5mg (de

5 a 10 gotas), até três nebulizações na primeira hora, e depois, até 4/4h (até estabilização); o brometo de ipratrópio deve ser usado na dose de 250 a 500mcg (de 20 a 40 gotas), de 4/4h (até estabilização).

B. Antibioticoterapia: infecção das vias aéreas é a principal causa de agudização da DPOC (até 70% das vezes de etiologia bacteriana). Utilize o antibiótico sempre que houver evidências claras de infecção (consolidação na radiografia de tórax, febre alta, leucocitose etc.) ou sempre que o pa­ ciente apresentar dois ou três dos itens a seguir: (1) piora da dispneia, (2) escarro se tom a mais abundante (volume aumentado), (3) escarro adquire aspecto purulento (amarelado, amarelo- -esverdeado):

• Streptococcus pneumoniae, Haemophiliis influenzae e Moraxella catarrhalis são as bactérias mais comuns. Outras: micoplasma, clamídia, Pseudomonas aeruginosa, Proteus, Klebsiella pneumoniae,

Escherichia coli e outros gram-negativos entéricos.

Quadro 21.1 Esquema de antibiótico sugerido

B.1). Pacientes com crises leves (VEF1 > 80%) e sem fatores de risco*: p-lactâmico + inibidor da p-lactamase (p. ex., amoxicilina-clavulanato ou ampicilina-sulbactam); outras alternativas são azitromicina ou daritromicina ou cefuroxima

B.2). Pacientes com crises leves/moderadas (VEF1 > 50% ) com fatores de risco*: fluoroquinolona respiratória (p. ex., levofloxacino ou moxifloxacino) ou então p-lactâmico + inibidor da p-lactamase (p. ex., amoxicilina-clavulanato ou ampicilina-sulbactam)

B.3). Pacientes com crises graves (VEF1 < 50%) e com fatores de risco*: fluoroquinolona respiratória em doses altas, EV. Alternativa:

P-lactâmico + inibidor da p-lactamase (p. ex., ampicilina-sulbactam). Em caso de risco aumentado para pseudomonas, deve-se associar cefepima ou piperacilina-tazobactam ou meropenem ou imipenem

Doses sugeridas

Amoxicilina-clavulanato: 875mg de amoxicilina + 125mg de clavulanato, V0, de 12/12h, ou então I.OOOmg de amoxicilina + 200mg de davulanato, EV, de

8/8h ou de 6/6h (infecções mais graves)

Ampicilina-sulbactam: dose baixa/moderada (0,5g de sulbactam + 1,0g ampicilina, EV, de 8/8h), dose alta (1,0g de sulbactam + 2,0g de ampicilina, EV, de

8/8h ou de 6/6h). A dose máxima diária de sulbactam recomendada é 4,0g

Levofloxacino: 500mg, V0, de 24/24h, ou então 500 a 750mg, EV, de 24/24h (infusão lenta > 90min) Moxifloxacino: 400mg, V0, de 24/24h,ou então 400mg, EV, de 24/24h (infusão lenta > 60 min) Cefepime: 1 a 2g, EV, de 8/8h ou de 12/12h (infusão > 30min)

Piperacilina-tazobactam: 4g + 0,5g, EV, de 8/8h

*Fatores de risco: > 65 anos, dispneia grave, comorbidades graves associadas, quatro ou mais exacerbações nos últimos 12 meses, hospitalização, uso de antibió­

ticos nos últimos 15 dias, desnutrição, insuficiência renal ou hepática, cardiopatas, diabetes dependente de insulina.

C. Glicocorticoides sistêmicos: os corticoides ajudam na melhora clínica da exacerbação atual e tam­ bém contribuem para diminuir a frequência e a intensidade de novas exacerbações. Podem ser administrados a todos os pacientes (exceto em caso de contraindicação a corticoides).

Utilizar prednisona, 40 a 60mg, VO, lx/dia, por 10 a 14 dias, nos pacientes em regime ambula- torial ou internados que aceitem VO. Pacientes em crise grave, internados e que não podem inge­ rir o comprimido podem usar a metilprednisolona, 0,5 a l,0mg/kg (de 62,5 a 125mg), EV, de 6/6h por 3 dias, e depois substituir por prednisona, VO (se possível). Outra opção é a hidrocortisona, 3 a 5mg/kg (dose de 200 a 300mg), EV, de 6/6h também por 3 dias, posteriormente substituída por medicação oral.

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D. Oxigênio suplementar: ofereça 0 2 em um fluxo de 1 a 2L/min, em caso de saturação de pulso <

90%. O ideal é manter a saturação de 0 2 entre 90% e 92%.

Atenção: não oxigenar além dos limites indicados, pois pode favorecer a retenção de C02.

E. Suporte ventilatório:

• Como conduzir o suporte ventilatório: avalie se o paciente tem, necessariamente, indicação de

ventilação mecânica invasiva; depois, avalie as indicações e contraindicações na ventilação não invasiva; e, por último, avalie se precisa de 0 2 apenas por máscara facial ou cateter nasal.

• Ventilação não invasiva com pressão positiva (VNIPP): pode-se utilizar CPAP, pressão de 8

a 12cmH0O, ou então BiPAP, pressão de 8 a 12cmH20 na inspiração e de 3 a 5cm H ,0 na expi­ ração (sugestão de pressão). Mantenha a cabeceira elevada. A ventilação com pressão positiva pode ser usada se alguns dos critérios a seguir estiverem presentes: FR > 25irpm, acidose res­ piratória (pH < 7,35) com PaCO0 > 45mmHg e dispneia intensa com utilização de musculatura acessória ou respiração paradoxal. Contraindicações: pacientes não cooperativos, rebaixa­ mento/alteração do nível de consciência, queimados, instabilidade cardiovascular, alterações do rosto que impossibilitam o posicionamento da máscara, traumatismo craniofacial, obesida­ de mórbida.

• Ventilação invasiva (através de tubo orotraqueal): normalmente mantido por 24 a 48 horas,

dando preferência ao modo assistido-controlado, com ciclagem por volume e tempo expira- tório prolongado. Indicações: alteração do nível de consciência (principal indicação), FR > 35irpm, acidose respiratória grave (pH < 7,25) e PaCO., > 60mmHg, hipoxemia grave (P a02 < 40mmHg, mesmo recebendo 0 2 adicional), hipoxemia refratária à ventilação não invasiva, dispneia grave com uso de musculatura respiratória acessória e/ou respiração paradoxal, fa­ diga respiratória, instabilidade hemodinâmica, apneia e condições em que se torna necessário proteger as vias aéreas (muita secreção, broncoaspiração de sangue ou conteúdo gástrico etc.).

F. Outros: Após a estabilização do paciente com DPOC, este necessitará de acompanhamento ambu-

latorial. Todos os pacientes com DPOC devem abandonar o tabagismo para evitar a progressão da doença.

• Internação hospitalar: está indicada sempre que o paciente apresentar quadro grave, insufi­

ciência respiratória, hipercapnia e acidose grave, comorbidades associadas, embolia, pneumo­ nia ou pneumotórax, insuficiência cardíaca descompensada no paciente incapaz de realizar acompanhamento ambulatorial adequado ou se há necessidade de intervenções/procedimen­ tos invasivos ou cirúrgicos. O julgamento individual do atendente é o principal elemento na

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