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Análise do modo e efeito da falha (FMEA)

No documento Gestão Da Qualidade_Livro (páginas 149-154)

Imagine que você esteja descendo uma ladeira bastante íngreme, de bicicleta. Você vai devagar, brecando prudentemente para evitar um acidente. De repente, o freio falha, a velocidade aumenta muito, você perde o controle da bicicleta e acaba caindo. Não sofre ferimentos graves, mas raspa os joelhos no asfalto, leva um belo susto e fica todo dolorido.

Se soubesse que aquela marca de bicicleta já havia derrubado outras pessoas por falhas no freio, você a teria comprado? Não. Seguramente, teria dado preferência a uma bicicleta sem histórico de falhas nos freios. Em uma situação como essa, mesmo que o fabricante troque o freio com defeito e lhe devolva a bicicleta em perfeitas condições, ou mesmo que Como dissemos, há muitas va- riações da casa da qualidade e não nos ateremos a explicar essas diferenças em porme- nores. Para saber mais sobre o assunto, você pode consultar a obra QFD: desdobramento da função qualidade na ges- tão de desenvolvimento de produtos, de Lin Cheng e Leo- nel Del Rey de Melo Filho (São Paulo: Blücher, 2007).

ele troque a bicicleta por outra nova, muitas ladeiras terão de ser descidas sem problemas para que você volte a ter confiança no freio daquela marca de bicicleta.

A falha de um produto sempre gera uma quebra na confiança do cliente. Embora saibamos que as falhas podem acontecer, nunca esperamos por elas, não nos dedicamos a imaginar quando elas podem acontecer. Isso acontece porque somos clientes. Se fôssemos fa- bricantes dos produtos que adquirimos, seria nossa obrigação imaginar que falhas poderiam ocorrer em nossos produtos e, também, efetivar as mudanças necessárias para preveni-las.

A análise do modo e efeito da falha, conhecida pela si-

gla FMEA, do inglês failure mode effects analysis, é uma

ferramenta que serve precisamente para isto — aumentar a confiabilidade de um produto. Trata-se de um método de análise de falhas ocorridas ou potenciais, em produtos ou processos, que visa eliminá-las ou reduzir sua ocorrência. A falha é um problema e, como tal, precisa ter sua causa determinada. O que se deve resolver é a causa do problema, a fim de eliminá-lo e evitar que volte a acontecer. Nova- mente, estamos falando de prevenção e, por conseguinte, de redução de custos.

O nome da ferramenta — análise do modo e efeito da falha — diz muito sobre sua forma de operação, que consiste em detectar todos os modos de falha e prever seus efeitos. Isso significa que, para um único modo de falha, pode haver mais de um efeito sobre o processo ou produto. Por meio de formulários padronizados, é possível registrar as análises e definir prioridades de melhoria.

Uma FMEA pode ser usada, como já dissemos, para analisar um processo ou um pro- duto. A lógica da ferramenta é a mesma nos dois casos, por isso vamos usar o problema no freio da bicicleta para exemplificar o uso da FMEA.

Você sabe como funciona um freio de bicicleta? Há alguns modelos sofisticados, mas o nosso é um modelo simples. Junto às manoplas há duas alavancas (da direita e da esquerda) que acionam cabos de aço. Esses cabos de aço são ligados a pinças presas nos garfos (garfos são aquelas peças de metal que seguram os pneus da bicicleta). Nas extremidades das pinças há sapatas de borracha, como se vê na Figura 5.2. Quando os cabos são tracionados, essas pinças se fecham, e as sapatas de borracha pressionam as rodas, freando-as por atrito.

Isso posto, comecemos pela definição de modo da falha e de efeito da falha. O modo

pode ser entendido como o tipo de falha. O efeito é aquilo que é causado pelo modo e sen- tido pelo cliente.

A FMEA começa pelo modo. A pergunta é: “o que pode interferir negativamente no funcionamento perfeito do sistema de freio da bicicleta?”. Em seguida, parte-se para a inves- tigação da falha: “o que isso pode causar de problema para o ciclista?”.

O uso da FMEA é muito difun- dido na indústria automobilís- tica, na qual falhas podem co- locar em risco a segurança do cliente. Ela faz parte, inclusive, dos requisitos da ISO/TS 16949, especificação técnica do setor automotivo já mencionada no Capítulo 2.

Examinemos particularmente a sapata, um dos componentes do sistema de freio da bicicleta que se desgasta com o tempo de uso. A troca da sapata deve ser periódica, o que está previsto no projeto da bicicleta. O problema, então, não é o desgaste da sapata, mas sim ele acontecer antes do tempo previsto.

“Por que o desgaste precoce acontece?” deve ser a pergunta seguinte. Estamos partindo para a investigação das causas das falhas. Atente para o fato de que as causas estão direta- mente relacionadas aos modos, e não aos efeitos.

Com os modos, os efeitos e as causas das falhas determinadas, temos o Quadro 5.1. Esses elementos são os pontos centrais da FMEA; porém, a ferramenta é muito mais completa do que isso. O Quadro 5.2 nos mostra um exemplo de uma FMEA básica.

O preenchimento do formulário é relativamente simples. Suas primeiras linhas (em cin- za) são destinadas a identificar a ferramenta e o produto. Nas demais linhas ocorre a análise propriamente dita:

Figura 5.2 Freio de bicicleta.

Pinça Pinça

Sapatas

quadro 5.1 Causas, modo e efeito da falha.

Modo da falha Efeito da falha Causas da falha

Desgaste precoce das sapatas.

Eficácia de frenagem reduzida. Frenagem desigual entre as rodas.

Baixa densidade da borracha usada na fabricação das sapatas.

Regulagem errada do sistema de freios.

Alavancas frágeis. Quebra das alavancas de frenagem. Alavancas feitas de plástico. Entortamento dos

cabos de aço.

Excesso de força necessária para frear. Frenagem desigual entre as rodas.

Cabos de aço pouco flexíveis. Regulagem errada do sistema

„

„ Item: uma FMEA pode ser feita para cada item isoladamente ou para mais de um

item do sistema que apresenta falhas. Em nosso exemplo, como não são mui- tos os itens do sistema, poderíamos colocá-los todos em um mesmo formulário, numerando-os para fins de organização.

„

„ Componentes: aqui são descritos os componentes do sistema. Em nosso exemplo,

seriam as alavancas, os cabos de aço e as sapatas.

„

„ Função: nesse espaço deve ser descrita, de forma sucinta, a função do componente.

Por exemplo, na linha correspondente às alavancas, a função descrita seria “aciona- mento do freio”.

„

„ Falhas possíveis: no centro da FMEA, como você pode observar, está colocado o qua-

dro da análise dos modos, efeitos e causas das falhas. Observe também que nosso modelo de FMEA considera causas possíveis ou ocorridas, pois, como já dissemos, a ferramenta pode ser usada para analisar as falhas em produtos já desenvolvidos ou ainda em desenvolvimento.

„

„ Controles atuais: é o campo no qual devem ser registrados os dados de controle atu-

al do processo ou do produto, tais como gráficos de controle, folhas de verificação, padrões a serem seguidos, inspeções, etc.

„

„ Índices: no campo dos índices, há quatro possibilidades, todas elas expressas por

valores cujas escalas devem ser previamente acordadas. Vejamos cada um deles: 1. Ocorrência: são as probabilidades de a falha acontecer. Se for uma falha já

ocorrida, controles estatísticos ou relatórios a respeito da questão podem

quadro 5.2 Exemplo de FMEA básica. FMEA (  ) processo  (  ) produto Responsável: Data de  elaboração: Cliente: Data de revisão: Produto: Item Componente Função Falhas possíveis

(ou ocorridas) Controles atuais Índices

ajudar a determinar esse índice. Se for uma falha possível, dados estatísticos acerca dos materiais ou de peças similares podem ser de grande valia na iden- tificação do índice de ocorrência.

O cálculo do índice pode considerar, por exemplo, que a probabilidade é muito baixa, baixa, média, alta ou muito alta, atribuindo a cada um desses parâmetros um valor ou um intervalo numérico.

2. Gravidade: deve refletir a gravidade do efeito da falha para o cliente em termos

de sua insatisfação. Aos diferentes níveis de insatisfação devem ser atribuídos diferentes valores numéricos. Em nosso exemplo, se o freio não tivesse parado totalmente a bicicleta, mas tivesse diminuído consideravelmente sua velocida- de, isso seria uma falha parcial, menos grave do que a falha total. Talvez nem tivesse ocorrido a queda. Em uma situação como essa, a insatisfação do cliente seria menor do que sua insatisfação com a falha total, o que se refletiria em um índice de gravidade menor.

É importante citar que, se houver mais de um efeito, podemos ter mais de um índice de gravidade para um mesmo item.

3. Detecção: o cruzamento das informações já obtidas pela FMEA com as informa-

ções dos controles atuais nos dá condições de avaliar nossas chances de detectar ou não a falha. Também aqui devem ser previamente determinados os valores correspondentes às chances de detecção do problema.

4. Risco: o risco pode ser calculado pela multiplicação dos valores relativos à ocor-

rência, gravidade e detecção: R = O × G × D.

No Quadro 5.2 apresentamos, como dito, o exemplo de uma FMEA básica. No entanto, essa ferramenta permite a adaptação a diferentes produtos e processos, possibilitando a in- clusão de colunas nas quais se descrevam as correções ou medidas preventivas recomenda- das, a avaliação dos resultados dessas correções, com os índices recalculados, e as legendas para as escalas de valor usadas.

Apesar de não ser de difícil realização, a FMEA é, muitas vezes, tida como burocrática e trabalhosa — além de cara, pois se estima uma mobilização considerável de recursos huma- nos e de tempo em sua implementação. Vale lembrar, contudo, que recursos gastos com a aplicação da ferramenta são facilmente recuperados quando se previne a falha do processo ou do produto e se reduzem, com isso, os custos de produção.

De modo geral, à FMEA têm sido atribuídas as vantagens de melhorar a confiabilidade dos produtos e a satisfação dos clientes, reduzindo tempo e custo de desenvolvimento e aumentando, desse modo, a competitividade da empresa. Também lhe são creditadas as vantagens de oferecer mapeamento e registro histórico das melhorias, contribuir forte- mente para a padronização de processos e produtos e auxiliar na priorização de projetos de melhoria.

No documento Gestão Da Qualidade_Livro (páginas 149-154)