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qualidade no setor nuclear

No documento Gestão Da Qualidade_Livro (páginas 52-55)

Goiânia, 13 de setembro de 1987. Dois sucateiros pegaram, em um prédio abandonado onde outrora havia funcionado uma clínica radiológica, um antigo aparelho que lá se en- contrava, no intuito de vender o metal para algum ferro-velho. Levaram, então, a engenhoca para o quintal da casa de um deles e separaram as peças usando marretas e outras ferra- mentas de uso comum.

Procure assistir, no YouTube ou em qualquer outro site que o disponibilize, a um vídeo deno- minado A história das coi-

sas (do inglês The story of

stuff), que trata justamente das relações entre o consumo e a cadeia produtiva. É muito interessante.

Outra dica bacana é sobre a questão ética na indústria farmacêutica. Trata-se do fil- me O jardineiro fiel, do diretor Fernando Meirelles, baseado no livro homônimo do inglês John Le Carré.

Chamou-lhes atenção uma cápsula contendo um pó branco que, no escuro, emitia uma linda luz azul. Convidaram os vizinhos para ver o tal pó, distribuíram um pouco entre as pessoas mais chegadas e levaram as demais peças para o ferro-velho.

Passados alguns dias, as pessoas que tinham tido contato com o pó branco começaram a apresentar estranhos sintomas, como náuseas, queda de pelos do corpo, perda de unhas, dentes, pele etc. A esposa de um dos sucateiros desconfiou que aqueles sintomas poderiam estar relacionados com o tal pó branco e levou a cápsula à Vigilância Sanitária.

A partir daí, tornou-se público o acidente radioativo com o césio 137, o tal pozinho branco que brilhava no escuro. Quatro pessoas morreram e dezenas tiveram ferimentos gra- ves em virtude de terem manipulado a substância. Outras centenas foram contaminadas pela radiação. Casas foram derrubadas, terra e plantas, removidas, gerando mais de seis toneladas de lixo radioativo, que se encontra, atualmente, devidamente armazenado e assim terá de ficar por alguns séculos.

Esse acidente foi resultado de uma ingerência, de uma clara falta de controle na gestão de um processo. Nesse caso, o processo foi a aquisição, o uso e o posterior descarte de um aparelho com material radioativo. Um aparelho como aquele não deveria, jamais, ter ficado exposto. Em setores como esse, erros não podem acontecer.

Se erros não podem acontecer, é natural, então, que a indústria nuclear tenha tradição na gestão da qualidade. Segundo Eduardo Kibrit (2008, p. 3), já em 1970, quando nenhu- ma outra indústria brasileira pensava em qualidade, a área

nuclear se preocupava com isso. O órgão conhecido como

indústrias Nucleares do Brasil (iNB), ligado ao Ministério

da Ciência e Tecnologia, exigia, já naquela época, de todos os seus fornecedores, a implementação de programas de garan- tia de qualidade.

A premissa que provocou o movimento da qualidade na área nuclear foi um pouco diversa da que provocou o mesmo movimento em outras áreas — no campo nuclear, a ne- cessidade de segurança falava mais alto do que a produtivi-

dade, a redução de custos e a satisfação dos clientes. Dado o perigo potencial que envolve os processos de obtenção e uso de combustível e de outros produtos de natureza nuclear, torná-los seguros sempre foi o foco da gestão da qualidade nessa área.

Em 1984, alguns anos antes do acidente em Goiânia, a

Comissão Nacional de energia Nuclear (CNeN) havia pu-

blicado a norma CNEN-NE-1.16, que versava justamente so- bre a qualidade para usinas nucleoelétricas. Ninguém espe- rava que um acidente nuclear pudesse vir de outro lugar que não da usina nuclear Angra 1, a única em operação na época.

O INB atua em toda a cadeia produtiva do urânio, da mi- neração à fabricação do com- bustível nuclear.

A CNEN foi fundada em 1956 e é ligada ao Ministério da Ciên- cia e Tecnologia. É o órgão ao qual cabe planejar, orientar, supervisionar e fiscalizar a atividade nuclear em nosso País. Também é sua incumbên- cia estabelecer normas, diretri- zes e regulamentações sobre o tema, bem como realizar pes- quisas para utilização pacífica de técnicas nucleares.

Quinze anos depois, tal norma foi substituída pela CNEN–NN-1.16 e passou a dizer respeito também às demais instalações nucleares ou radiativas, não apenas às nucleoelétricas.

Essa norma determina os requisitos para os sistemas de garantia de qualidade das em- presas que atuam na área nuclear e, juntamente com as demais que compõem a família de normas CNEN, aponta para a padronização como fundamento da qualidade. Se o risco é grande, maior ainda deve ser a prevenção, por isso os procedimentos-padrão para processos como instalação de usinas, controle de materiais radioativos, radioproteção, transporte e descarte desses materiais e de seus rejeitos, entre outros, devem ser rigorosamente seguidos.

O Quadro 2.1 apresenta a família de normas da CNEN.

Outros países, como Canadá e Estados Unidos, já tinham normas referentes à qualidade na nucleoindústria há mais tempo do que nós. Já havia também as normas do órgão de co- operação internacional no campo nuclear, o international atomic energy agency (iaea),

difundidas em todo o mundo desde a década de 1970. As normas do Iaea têm embasado a criação de outras normas ao redor do mundo e são as mais usadas como parâmetro de qualidade por organizações da área.

Kibrit (2008) aponta para o fato de que muitas empresas do setor nuclear usam as normas de qualidade setoriais, mas apoiam-se igualmente na ISO 9000 e suas derivações para implementar um sistema de gestão da qualidade.

Se o foco da qualidade é diferente na área nuclear, muitos outros aspectos são seme- lhantes, tais como:

„

„ a qualidade depende de todas as pessoas envolvidas no processo produtivo; „

„ a qualidade pode ser melhorada com o aporte de conhecimentos e tecnologia; „

„ a qualidade trabalha com a ideia da prevenção; „

„ a qualidade deve ser cuidadosamente planejada, praticada e avaliada.

Como última observação, vale ressaltar que, por ter saído na frente na gestão da quali- dade, a indústria nuclear no Brasil encontra-se mais amadurecida nesse quesito, e atualmen- te fala de sistemas integrados de gestão, ou seja, sistemas que permitem gerir não apenas os

quadro 2.1 Família de normas da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN). Grupo 1 Instalações nucleares.

Grupo 2 Controle de materiais nucleares, proteção física e proteção contra incêndio. Grupo 3 Radioproteção.

Grupo 4 Materiais, minérios e minerais nucleares. Grupo 5 Transporte de materiais radioativos. Grupo 6 Instalações radioativas.

Tanto o site do INB (<www.inb. gov.br>) quanto o da CNEN (<www.cnen.gov.br/>) e o da Iaea (<www.iaea.org>) são pre- ciosas fontes de dados para pesquisa acerca da qualidade na área nuclear.

aspectos previstos nas normas, mas todos os demais, mesmo que não diretamente ligados à organização, tais como os ambientais e sociais. É seguramente uma evolução, que pode servir de exemplo para organizações de outras áreas e naturezas.

No documento Gestão Da Qualidade_Livro (páginas 52-55)