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Aprendizagem em Organizações, Reflexão e a Dimensão Temporal

Apesar de ser um tema bastante discutido desde a Antiguidade, o debate sobre o tempo enquanto construção social ainda se encontra fragmentado e disperso, consoante Berends e Antonacopoulou (2014). No âmbito organizacional, tal debate constitui importante lacuna do conhecimento, identificada por pesquisadores como Hernes e Irgens (2013), Schultz e Hernes (2013), Berends e Antonacopoulou (2014), Hydle (2015), dentre outros, em face da reduzida quantidade de estudos sobre a interpretação dos eventos organizacionais em função da dimensão temporal. Como exemplo, o debate sobre o tempo e a aprendizagem nas organizações é apresentado como uma lacuna que ainda demanda esforço acadêmico (BERENDS; ANTONACOPOULOU, 2014).

Vergara e Vieira (2005) reconhecem o tempo como categoria útil para os estudos organizacionais, considerando-o como uma dimensão que potencializa a capacidade de explicação de outras categorias, tais como: estrutura, processos, tecnologias, modelos de gestão, tomadas de decisão e poder, visto que estas se configuram de modo diferente em função do tempo-espaço. Vergara e Vieira (2005) compreendem que o tempo, como ordem de sucessões, e o espaço, como ordem de coexistências, configuram-se como categoria única,

haja vista a impossibilidade de dissociá-las e que, como tal, esta dimensão espaço-tempo é importante para a análise de organizações.

Hydle (2015, p. 643) expõe que “a dimensão temporal incorpora o passado, presente e futuro da temporalidade e o tempo objetivo, enquanto a dimensão espacial envolve os lugares e caminhos de espacialidade e o espaço objetivo”. No debate sobre teoria e prática no âmbito da estratégia, enquanto temporalidade e espacialidade se referem aos elementos vinculados à experiência, tempo objetivo e espaço objetivo são aqueles independentes da percepção, compreensão e ação humana, normalmente mensurados através de mecanismos, como o relógio ou calendário, no caso do tempo, ou por réguas e trenas, no caso do espaço. Concordando com este pensamento, Flaherty e Fine (2001) afirmam que estes termos são produtos da experiência humana, rompendo com a concepção de que tais dimensões são facetas fundamentais da natureza.

Para Elias (1998, p. 18), a noção de tempo “representa uma síntese de nível altíssimo, uma vez que relaciona posições que se situam, respectivamente, na sucessão dos eventos físicos, no movimento da sociedade e no curso de uma vida individual”. A existência humana e de sua capacidade de perceber e reter na memória eventos ao longo do tempo seria condição para que houvesse capacidade de aprendizagem a partir das experiências vivenciadas. Assim, a dimensão temporal se configura como uma construção social e a realidade humana, como um referencial em algum ponto do tempo-espaço, “a dimensão da experiência vivida ou da consciência” (ELIAS, 1998, p.66). Como tal, a aprendizagem humana é fruto de uma ampla cadeia de gerações, não podendo ser referida apenas como resultante de um indivíduo ou de uma organização.

Nesta perspectiva, as contribuições de Dewey (1959) indicam que o pensamento reflexivo sobre a experiência funciona como gatilho para que a aprendizagem aconteça. Para tanto, este pensamento é compreendido como ordenado e contínuo, de modo a permitir reavaliações constantes dos dados disponíveis visando ao sequenciamento de ideias. Assim, continuidade é compreendida como flexibilidade e variedade, direcionadas para um mesmo fim, contrapondo-se à concepção de rotina. Torna-se possível o entendimento que a continuidade representa o dinamismo necessário ao aprender constante e à geração possibilidades de mudanças.

A experiência ocorre continuamente porque a interação do indivíduo com as condições ambientais está envolvida no próprio processo de viver (DEWEY, 1934). Como tal, apresenta efeitos imediatos, percebidos no momento em que é vivenciada, e efeitos mediatos, que

influenciam as experiências futuras (DEWEY, 1976). Neste sentido, a experiência é inevitável e envolve o questionamento acerca da trajetória vivenciada pelo indivíduo e sua história.

Elkjaer (2004) argumenta que tempo e espaço possibilitam o entendimento das interações e transações decorrentes das relações entre o indivíduo, a organização e seu ambiente. Enquanto o tempo representa o dinamismo existente na atuação organizacional, sendo necessário à compreensão dos fenômenos presentes a partir de sua constituição histórica, o espaço representa o âmbito da atuação do indivíduo e de suas ações.

Para possibilitar o entendimento de que indivíduos e organizações são mutuamente formados, Elkjaer (2004) propõe que os eventos sejam caracterizados como unidades de análise. Nos termos de Mead (1932, p. 1) “o mundo é um mundo de eventos” e, como tal, se configura como uma arena temporal que fornece dinamismo à conduta humana e à experiência. O tempo é uma contínua realização do passado e do futuro a partir dos eventos que emergem no presente (MEAD, 1932).

O fluxo de eventos pode ser representado na forma de ritmos na organização, que são sequências padronizadas de ação e reflexão ao longo do tempo, iniciados como projeções, podendo passar a se constituir em práticas e, posteriormente, em rotinas organizacionais (ROWE, 2015). O ritmo da projeção representa o olhar para o futuro imaginado pelos atores, enquanto o ritmo da rotina corresponde ao olhar para o passado e o ritmo da prática surge quando a rotina estabelecida já não é adequada às circunstâncias vivenciadas pelos atores, constituindo-se com um caráter momentâneo e transitório do presente (ROWE, 2015).

Os eventos desdobrados em função da dimensão temporal, configuram-se como uma “unidade de fenômenos interligados e complexos cujas partes são mutuamente penetrantes e inseparáveis” (ELKJAER, 2004, p. 427). Deste modo, podem ser compreendidos a partir de um desdobramento no tempo e no contexto, possibilitando a observância de padrões de comprometimento organizacional.

Para representar tal desdobramento, Strauss (1993, p. 53) propõe o conceito de trajetória, como sendo: “(1) o curso de qualquer fenômeno experiente como ele evolui ao longo do tempo (...) e (2) as ações e interações que contribuem a sua evolução”. Para Strauss (1993) as ações humanas são caracterizadas pela temporalidade, como cursos de ação com duração variável, com a possibilidade do surgimento de contingências que levem a alterações na duração, ritmo ou na intenção da ação. Corroborando com este pensamento, Antonello e Godoy (2011, p. 46) afirmam que “aprender torna-se um ato reflexivo, por meio do olhar dos sistemas para os atos passados e os planos de seu futuro”. Assim, as ações são embutidas nas

interações com o passado, com o presente e com o futuro imaginado, e são compostas por significados que, por sua vez, pertencem a um sistema simbólico. O ser humano entende seu entorno como um “universo simbólico”, cuja percepção pode ser modificada a partir de reavaliações do passado ou de projeções acerca do futuro.

Crossan et al. (2005) argumentam sobre a existência de tensão na mediação entre o que pode ser exigido e o que é possível de ser realizado pelos indivíduos em função do tempo. Para tanto, registram que tal mediação pode ser conflituosa em função da percepção do sentido temporal, enquanto tempo-urgência (preocupação com a passagem do tempo) e enquanto tempo-perspectiva (passado, presente e futuro). A partir disso, Crossan et al. (2005) desenvolvem uma síntese fundamentada na capacidade dos sujeitos em realizar improvisações em suas práticas como forma de atender a eventos imprevistos e equalizar o descompasso entre a orientação temporal individual e organizacional.

O debate sobre o tempo é conduzido a partir de duas correntes de pensamento, sendo a primeira àquela que o concebe como independente da ação humana, como um fenômeno objetivo, representado como elementos temporais construídos (relógio, calendários, prazos de projetos, horários de trabalho, etc.), e a segunda aquela que o considera como socialmente construído em função da ação humana e, como tal, se configura como um fenômeno subjetivo (ORLIKOWSKI; YATES, 2002). Em posicionamento integrador, propõem que o tempo é vivido nas organizações através de um processo de estruturação temporal, a partir do engajamento cotidiano das pessoas no mundo. Deste modo, reconhecem que os indivíduos vivenciam múltiplas estruturas temporais, dificultando o sincronismo indivíduo-organização.

Para discutir a dimensão temporal Emirbayer e Mische (1998, p. 962) apresentam o conceito de agência humana, entendida como uma coletividade de termos, como “individualidade, motivação, vontade, propósito, intencionalidade, escolha, iniciativa, liberdade e criatividade”. A agência humana é concebida como

Um processo temporalmente incorporado de engajamento social, informado pelo passado (em seu aspecto habitual), mas também orientado para o futuro (como a capacidade de imaginar possibilidades alternativas) e para o presente (como capacidade de contextualizar hábitos passados e projetos futuros dentro das contingências do momento). (EMIRBAYER; MISCHE, 1998, p. 963)

Nesta visão, a ação humana só pode ser compreendida a partir da dimensão temporal. Emirbayer e Mische (1998) destacam ainda que os atores assumem concomitantemente diferentes orientações no tempo, incorporando dinamismo nas ações humanas. Tal perspectiva rompe com a assunção racional e instrumental de que os atos envolvem relações de causa e consequência, assumindo posição de que a ação é um complexo fenômeno social e interativo,

realizada ao longo do tempo. Para Flaherty e Fine (2001, p. 157), “a interação é um processo temporal, caracterizado como um fluxo de eventos dinâmico e aberto”.

Inspirados na obra do Filósofo George Mead, Flaherty e Fine (2001) concebem a dimensão temporal como uma perspectiva em que pessoas vivem no presente, interpretando o passado e moldando o futuro a partir de uma atitude deliberada no tempo hodierno. O caráter temporal da experiência é, neste sentido, baseado no modo social de emergência, configurando-se como um processo intersubjetivo no qual atores desenvolvem suas capacidades deliberativas conforme confrontam a emergência das situações (EMIRBAYER; MISCHE, 1998).

Emirbayer e Mische (1998) utilizam como metáfora uma tríade de cordas para representar a agência humana a partir da dimensão temporal em suas três orientações (ou estágios sucessivos de ação): passado, futuro e presente. A pretérita está relacionada com a iteratividade da ação, caracterizada por rotinas, hábitos, disposições e padrões de ação. O ser humano direciona seletivamente a atenção, baseado em seu conhecimento prévio, de modo a reconhecer padrões a partir de aspectos recorrentes, reiterando categorias vividas e usando repertórios de ações anteriores para buscar a manutenção de expectativas e estabilidade ou continuidade de resultados. O passado é um recurso utilizado para proporcionar sentido ao presente e possibilitar a imaginação acerca do futuro (FLAHERTY; FINE, 2001).

A orientação para o futuro está relacionada com a dimensão da projetividade temporal, envolvendo aspectos como improviso, criatividade e previdência na prática de esquemas de ação. Conforme Emirbayer e Mische (1998) a dimensão projetiva envolve a elaboração de metas, planos e objetivos, incluindo propósitos mais efêmeros, como sonhos, desejos e aspirações. A projetividade se configura, conforme Dewey (1959) como a fagulha para o pensamento reflexivo, bem como é matéria-prima para o processo de geração de ideias ou hipóteses, mediante a resolução hipotética e a realização de experimentos. Emirbayer e Mische (1998) argumentam que a projetividade não está voltada apenas para a solução de problemas, sendo também um importante elemento para a inventividade humana, observada através da construção de narrativas e da recomposição simbólica. A reflexão sobre o futuro é caracterizada como emocionalmente engajada, em um processo em que “planos e propósitos passam por um contínuo ‘fantasiar’ o futuro” (EMIRBAYER; MISCHE, 1998, p. 987).

A dimensão prática-avaliativa do tempo se refere ao atendimento às demandas e contingências do presente. Mead (1932) estabelece que o presente seja um “tornar-se” e um “deixar de ser”, de modo que ocorre conforme a dinâmica das interações sociais,

configurando-se como o lócus da realidade. É através dele que se realiza o julgamento e escolha visando à mitigação de ambiguidades, de incertezas e de conflitos. Emirbayer e Mische (1998) defendem que processos de problematização, caracterização, deliberação, decisão e execução representam a estrutura interna do presente. Flaherty e Fine (2001) argumentam que o passar do tempo não ocorre de modo que o passado precede o presente e este precede o futuro. Ao invés disso, ocorre um pensamento consciente que conecta memória, percepção e antecipação em um senso coerente de duração (FLAHERTY; FINE, 2001).

Hernes e Irgens (2013) entendem a continuidade do tempo como processual, contemplando situações repetitivas, com ausência de pausas nos processos em curso ou nas rotinas e procedimentos. A aprendizagem nas organizações, sob essa perspectiva, reflete a manutenção consciente do curso de ação, ainda que haja o necessário reconhecimento da organização frente às oportunidades, com a compreensão de suas implicações para as atividades, mesmo que não seja possível aproveitá-las imediatamente. A aprendizagem é fruto de processos adaptativos em função das dificuldades ambientais e organizacionais detectadas, mas também em função da estabilidade. Assim, mediante condições de continuidade, essa aprendizagem ocorre incrementalmente, excetuando-se quando ocorra redução na atenção organizacional ao contexto em que se encontra inserida, em função de uma excessiva confiança na forma de atuação pretérita ou, em outras palavras, “a aplicação de soluções de negócios de ontem para os problemas de hoje” (HERNES; IRGENS, 2013, p. 256).

Neste sentido, Hernes e Irgens (2013, p. 253) defendem que a aprendizagem, sob a visão da continuidade, implica em: “(1) avaliação dos atuais cursos de ação; (2) a exploração de futuros cursos de ação; e (3) reinterpretação dos cursos anteriores de ação”. Nota-se em tal concepção a associação inerente à noção de tempo, envolvendo a compreensão do passado, presente e futuro, numa perspectiva em que a atuação temporalmente multifocal precisa ser considerada para que a aprendizagem ocorra.

Berends e Antonacopoulou (2014) apresentam uma perspectiva que contempla a aprendizagem organizacional situada no tempo, com conexões emergentes, a partir de três mecanismos identificados, relacionados em pesquisas anteriores: duração, momento e a relação entre passado, presente e futuro. Deste modo, o tempo pode ser percebido como duração, vinculando-o como uma ameaça, em função da obsolescência ou de esquecimento organizacional, ou como uma oportunidade para a aprendizagem, em função da aquisição de experiência, exploração de melhorias externas, realização de atividades de aprendizagem e a

observância de resultados tardios. O tempo pode ser também entendido como uma dimensão que influencia o ritmo, as oportunidades e a sincronização de atividades, correspondente ao termo “momento”. Outra perspectiva de compreensão reside na forma de transcorrer temporal como passado, presente e futuro. Neste caso, o tempo é considerado como inerente e recursivo, possibilitando reinterpretações das experiências, conexões com a realidade, imaginação e antecipação de visões acerca do porvir (BERENDS; ANTONACOPOULOU, 2014).

Por outro lado, Berends e Lammers (2010) defendem que a aprendizagem nas organizações pode acontecer de modo contínuo, quando ocorre um sequenciamento no fluxo de ações, e de modo descontínuo, quando ocorre uma ruptura neste fluxo em virtude do contexto ou de peculiaridades organizacionais. A descontinuidade pode ocorrer em perspectiva macro (ou institucional) ou em micro processos, que podem ser interrompidos, atrasados ou abandonados, afetando a trajetória de aprendizagem. A existência de uma estrutura temporal implica em janelas de tempo para a aprendizagem e, em função disso, a existência de momentos sincronizados para que ocorra a institucionalização da mudança.

Kaplan e Orlikowski (2013) discutem o “strategizing” das organizações em função do tempo, questionando a perspectiva da estratégia enquanto produto oriundo de previsão, passando a incorporar ao debate a necessidade de discussão acerca das preocupações atuais e da trajetória vivenciada pela organização. Para estas autoras, tais elementos ampliam a condição de explicação acerca de como as práticas adotadas contribuem para a inércia ou para a mudança organizacional. Incorporam o conceito de trabalho temporal, caracterizado pela intensidade do uso de processos de negociação e resolução de tensões acerca do passar do tempo como forma de balancear as percepções e expectativas dos atores, caracterizando-os como mecanismos inerentes para tornar as estratégias coerentes, plausíveis e aceitáveis.

Para o reconhecimento da associação da dimensão temporal à aprendizagem é necessária a compreensão de que reflexão das pessoas sobre o passado, presente e futuro produzem efeitos em suas ações. Desta forma, as organizações não podem ser entendidas como a geração de resultados estáveis ou lineares, mas com um dinamismo que é inerente a elas devido a interações e transações realizadas por vários indivíduos que nelas trabalham, sendo adequado o uso do gerúndio para expressar a ação que se encontra em curso (DEWEY, 1976).

O dinamismo inerente à dimensão temporal implica na possibilidade de reflexão individual e coletiva, constituindo-se como oportunidade para melhoria de ações subsequentes

a serem tomadas pelos sujeitos na organização. De acordo com Hernes e Irgens (2013, p. 260), “a contínua avaliação de desempenho presente abre um potencial para a aprendizagem e para o desenvolvimento de mecanismos para acessar e compartilhar práticas importantes através da organização”. Para Epstein e Roy (2001) a existência de mecanismos de feedback e aprendizagem contínua auxilia no desafio de suposições acerca das decisões tomadas e de suas implicações futuras, sendo importante o compartilhamento de boas práticas e iniciativas direcionadas neste sentido em toda a organização. Sendo assim, a discussão sobre a avaliação de desempenho ao longo do tempo demanda a compreensão da reflexão dos indivíduos sobre sua aprendizagem, bem como os efeitos retroativos, ativos e ultra-ativos de suas ações. Esta questão será explorada na próxima seção do trabalho.