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O desenvolvimento das organizações e do contexto social em que estão inseridas conduziu ao alvorecer de uma sociedade do conhecimento. Aspectos como o processo globalizante, advindo do incremento do uso de tecnologia no cotidiano das pessoas e do desenvolvimento dos meios de comunicação, implicaram em profundas mudanças demográficas e sociais. Tais mudanças reforçam a necessidade de entender a aprendizagem, a partir de um contexto mais complexo e diverso da existência humana.

Exordialmente cabe destacar que a ênfase dada para a aprendizagem no seio das organizações não corresponde àquela direcionada à educação infantil. Quando se estuda a aprendizagem nas organizações, o foco é direcionado para adultos e para sua aplicação no seio do ambiente laboral. Merriam e Bierema (2014) fazem a distinção entre adultos e crianças, sinalizando que aqueles assumem tarefas e responsabilidades, enquanto buscam a aprendizagem em tempo parcial e direcionada ao desenvolvimento de papéis sociais e de aspectos psicológicos inerentes ao seu estágio no ciclo de vida.

Nesta perspectiva, considerando as diferenças entre adultos e crianças, percebe-se a existência de diferentes modos de aprendizagem. Um desses modos é a aprendizagem formal, caracterizada por ser estruturada e organizada por instituições educacionais, conduzida por professores ou instrutores em ambientes de sala de aula, cuja ênfase reside na obtenção de graus e diplomas mediante a aquisição de conhecimentos que são alheios ao aprendiz, assemelhando-se ao praticado com crianças (MARSICK; WATKINS, 2001; MERRIAM; CAFFARELLA; BAUMGARTNER, 2007). Conforme o pensamento de Coelho Jr. e Borges- Andrade (2008, p. 229), “a aprendizagem formal possui relevância variável às necessidades dos trabalhadores e é pautada na programação e organização prévia de conhecimentos e habilidades que serão apresentados aos aprendizes”, destacando-se a ênfase no conteúdo e não no aprendiz. Apesar de este modo resistir hodiernamente, nota-se que os esforços têm sido realizados no sentido de proporcionar outras formas de aprendizagem que melhor se coadunem com a realidade vivenciada pelos indivíduos, especialmente no âmbito do trabalho.

Outra possibilidade de aprendizagem proposta por estes autores (COELHO JR.; BORGES-ANDRADE, 2008) é a denominada aprendizagem informal, concebida como àquela desenvolvida de modo natural, decorrente das atividades desempenhadas no ambiente de trabalho. Desta forma, a aprendizagem informal é realizada de modo espontâneo e não estruturado, caracterizada pela ausência de espaços delimitados para sua realização. É derivada da própria existência, materializada pelas relações cotidianas do indivíduo com seus semelhantes, com a natureza e com os artefatos presentes no seu cotidiano. Configura-se, portanto, como uma aprendizagem incorporada ao contexto do viver, sendo realizada prioritariamente na instância privada e de modo não organizado (MARSICK; WATKINS, 2001; MERRIAM; BIEREMA, 2014).

Complementarmente, Merriam e Bierema (2014) indicam a possibilidade de concepção de aprendizagem de modo não formal. O modo não formal corresponde àquelas atividades “apoiadas por organizações, agências e instituições cuja missão primária não é

educação” (MERRIAM; BIEREMA, 2014, p. 16-17), cujas características principais são a flexibilidade na condução das ações, relacionada com o tempo, o espaço e a forma. Nesse sentido, a aprendizagem não formal difere da formal por ser voluntária e orientada para tempos curtos, podendo ocorrer em ambientes públicos, e não apenas em ambientes de sala de aula e/ ou de trabalho.

No âmbito laboral, ainda que se observe a predominância da modalidade informal, são observadas atividades vinculadas aos três modos de aprendizagem. Independente do modo como se desenvolve a aprendizagem, Coelho Jr. e Borges-Andrade (2008) entendem que esta pode se aplicar diretamente às atividades desenvolvidas pelo indivíduo no trabalho ou indiretamente, contribuindo perifericamente para o desenvolvimento das atividades cotidianas do indivíduo. Qualquer que seja o tipo em que a aprendizagem informal aconteça, percebe-se que os saberes obtidos pelo sujeito são mais difíceis de serem capturados e compreendidos pelos demais indivíduos e pela própria organização (MERRIAM; BIEREMA, 2014)

Outro debate que se desenvolveu recentemente se refere às modalidades de aprendizagem. Nesta seara, destaca-se a obra de Dos-Santos et al. (2015) que apresenta uma escala com seis modalidades de aprendizagem: treinamento expositivo tradicional, leitura de textos, acesso a bancos de dados, participação em comunidades de prática, mentoria, treinamento on-the-job e interações casuais. Verificou-se ainda que habilidades interpessoais são desenvolvidas com maior intensidade na modalidade de mentoria.

Como se observa, o campo de estudos sobre aprendizagem nas organizações é vasto e complexo. Objetivando construir uma síntese, Wang e Ahmed (2003) propõem que o conceito de aprendizagem nas organizações envolvem cinco diferentes ênfases: aprendizagem individual, aprendizagem como processo ou sistema, aprendizagem como cultura ou metáfora, gestão do conhecimento e aprendizagem como melhoria contínua. Em semelhante diapasão, Easterby-Smith e Lyles (2011) realizaram um mapeamento embasado nas dicotomias entre teoria-prática e processo-conteúdo, propondo a definição do campo em quatro termos: aprendizagem organizacional, organizações que aprendem, conhecimento organizacional e gestão do conhecimento. Para efeito de compreensão da aprendizagem nas organizações, optou-se por reconhecer a concepção defendida por Dos-Santos et al. (2015) na qual são explicitadas duas correntes principais, sendo a primeira vinculada à epistemologia da posse, com caráter mais individual-cognitivista, e a segunda ligada à epistemologia da prática, que enfatiza uma visão sócioprática. Complementando esta concepção, introduziu-se a perspectiva

de Elkjaer (2004) que destaca a existência de uma terceira corrente emergente denominada de aprendizagem social.

Os estudos iniciais sobre aprendizagem nas organizações enfocavam a aquisição de informações e conhecimentos no âmbito individual, bem como o desenvolvimento de habilidades analíticas e de comunicação, que forneceria a base para a aprendizagem ocorrer nas organizações a partir das capacidades desenvolvidas pelos seus membros (ELKJAER, 2004). A organização, neste sentido, é definida como um sistema dependente de recursos cognitivos desenvolvidos pelos seus participantes para funcionar, havendo, portanto, nítida distinção entre o indivíduo e a entidade, numa perspectiva dualística. O conhecimento estaria disponível e acessível, cabendo aos sujeitos o acesso e o uso das informações. Nesta linha destacam-se, dentre outros, os estudos realizados por Argyris e Schön (1978), Kolb (1984), Fiol e Lyles (1985), Huber (1991), Nonaka (1994), Dibella, Nevis e Gould (1996).

Sfard (1998) defende ser possível conceber esta corrente como uma metáfora da aquisição do conhecimento, em que este pode ser acessado diretamente pelo indivíduo. Esta perspectiva, nominada por Elkjaer (2004) como “primeira via”, sofreu diversas críticas no decorrer do tempo, especialmente em função do entendimento da organização como um sistema de partes separadas e cujo conhecimento se limitava à mente dos sujeitos. Desta maneira, não se observava como a informação, armazenada em meios físicos, poderia ser transferida e adquirida pela organização, constituindo-se em uma importante limitação e uma crítica relacionada a esta corrente (ELKJAER, 2004; BRANDI; ELKJAER, 2011; ILLERIS, 2013).

Em contraposição ao pensamento dual fornecido pela “primeira via”, que propunha a separação entre indivíduo e organização, foi gerada uma corrente de estudos que destacou a importância da análise das práticas realizadas pelos atores para a compreensão da aprendizagem. A ênfase desta corrente reside no cotidiano organizacional e na vida dos participantes, visando à identificação de práticas coletivas que possibilitem aprendizagem. Conforme este pensamento, defendido em obras escritas por Brown e Duguid (1991), Lave e Wenger (1991), Cook e Yanow (1993), Gherardi, Nicolini e Odella (1998) e Yanow (2000), a aprendizagem é um processo integrado sujeito-organização, emanada por grupos sociais informalmente estabelecidos, sendo inerente à existência organizacional e às práticas de trabalho. Cook e Brown (1999) propõem a existência de uma dança generativa entre o conhecimento e o saber (knowing) na organização, na qual o reconhecimento, apoio e aproveitamento do conhecimento são essenciais para compreender a aprendizagem, inovação

e eficácia. Nesta perspectiva, uma forma de conhecimento explicitamente desenvolvido em grupos é o compartilhamento de histórias entre os atores organizacionais.

Esta abordagem, representada pela metáfora da participação (SFARD, 1998; ELKJAER, 2004), compreende que a aprendizagem é inerente à atividade humana, constituindo-se como uma construção de indivíduos mediante a participação em comunidades de prática, além de outras modalidades de aprendizagem. O enfoque adotado transcende a perspectiva cognitivista, reconhecendo que o conhecimento é intrinsecamente situado nestas comunidades, jogando luz em questões de ordem emocional, cultural, política e social. Para melhor caracterizar tal abordagem, Elkjaer (2004) cunhou o termo “segunda via” de modo a realizar a distinção com relação à corrente anterior.

Conforme esta abordagem, a aprendizagem é concebida como resultante das relações entre os indivíduos e o mundo em que estão inseridos, assim como caracterizada pelas práticas sociais desenvolvidas. Brown e Duguid (1991) defendem que os indivíduos, suas práticas e o contexto são mutuamente construídos, o que leva à consideração de que a aprendizagem se configura como reflexo das práticas cotidianas. Lave e Wenger (1991) entendem que a atividade situada compõe um processo que denominam participação periférica legítima, caracterizado por discutir a relação sobre identidade, artefatos e comunidades de compartilhamento de conhecimentos e práticas entre profissionais novatos e experientes.

A existência de duas correntes aparentemente antagônicas foi alvo de debate promovido por Sfard (1998) que questiona a necessidade da existência de ambas, tendo em vista as lacunas que proporcionaram. Com isso, introduz a ideia de que o caminho de integração entre as duas representa a solução mais adequada. Desta maneira, reconhece a importância da aprendizagem fundamentada tanto na aquisição de conhecimentos, quanto na base das práticas desenvolvidas no seio organizacional.

A proposição de integração entre a perspectiva cognitivista e a incorporação da prática para o entendimento da aprendizagem levou a um processo de síntese, elaborado por Elkjaer (2004). Fundamentada nos conceitos de experiência e reflexão, concebidos por John Dewey, e nos conceitos de mundos/ arenas sociais e matriz condicional, apresentados por Strauss (1993), Elkjaer (2004) pavimenta o caminho da “terceira via” pelo qual transita a integração entre as duas correntes mencionadas, representadas pelas metáforas da aquisição e da participação. Com isso, propõe o conceito de aprendizagem social como uma visão não dualista, a compreensão da interligação entre o indivíduo e a organização. Tal leitura implica

na não separação entre estes dois termos, em qualquer nível de atuação. Observa-se assim que a aprendizagem é concebida enquanto produto, como combinação das habilidades e conhecimentos adquiridos pelos sujeitos, e como processo, fruto da participação em comunidades de prática (ELKJAER, 2004).

A terceira via de aprendizagem organizacional enseja o desenvolvimento de experiências e conhecimentos através do pensamento reflexivo, especialmente no âmbito coletivo. Nessa perspectiva, Ipiranga et al. (2014) constataram a importância da participação enquanto prática de aprendizagem em processos de negociação, conectando saberes com fazeres coletivamente construídos.

Estudos contemporâneos (RAELIN, 2001; REYNOLDS; VINCE, 2004; BOUD; CRESSEY; DOCHERTY, 2006; VINCE; REYNOLDS, 2008; IPIRANGA et al., 2014; FERREIRA; GODOY, 2015) inauguraram uma nova seara para o desenvolvimento do construto aprendizagem com a incorporação da perspectiva coletiva do pensamento reflexivo. Cressey (2006, p. 54) confirma este pensamento ao afirmar que “o debate sobre a reflexão coletiva é importante [...] em arenas de aprendizagem no local de trabalho”. O caminhar científico sobre esta temática ainda está em construção, cabendo destacar a corrente da aprendizagem social como um olhar mais atual sobre o tema, demandando a consideração sobre as condições contextuais vivenciadas pelos atores, o que se discute na próxima seção.