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Propósitos e Resultados de Aprendizagem em Organizações

A aprendizagem pode ser compreendida mediante a reflexão sobre conteúdos e processos. No tocante aos conteúdos, refere-se àquilo que é percebido, sentido, pensado e à ação correspondente, enquanto a reflexão sobre processos discute como o indivíduo realiza tais ações e a avaliação da eficácia destas (KNASSMÜLLER; MEYER, 2013). Esta é a leitura adotada, por exemplo, por Easterby-Smith e Lyles (2011) ao realizarem um mapeamento dos estudos realizados nesta área de pesquisa, associando conteúdo e processo à teoria e à prática como modo de distinção entre as correntes de pensamento. No entanto, em face da complexidade inerente à aprendizagem, outros aspectos contribuem como mediadores, dentre os quais se destacam o estabelecimento de propósitos e a avaliação de resultados (RAELIN, 2007).

Como afirmado anteriormente, a reflexão serve aos propósitos, que irão proporcionar coerência e ordem para as ações realizadas pelos indivíduos (DEWEY, 1976). Para Miettinen, Samra-Fredericks e Yanow (2009) os propósitos se caracterizam como força motriz de uma atividade, constituindo produtos e serviços que representam o resultado da ação. O alcance de resultados exige a reflexão sobre propósitos, de modo a orientar as ações posteriores. A consequência é um movimento continuado para um propósito, possibilitando a ação de finalidade consciente. Nos termos de Dewey (1959, p. 26),

O pensamento faz-nos capazes de dirigir nossas atividades com previsão e de planejar de acordo com fins em vista ou propósitos de que somos conscientes; de agir deliberada e intencionalmente a fim de atingir futuros objetos ou obter domínio sobre o que está, no momento, distante e ausente. Trazendo a mente as consequências de diferentes modalidades e linhas de ação, o pensamento faz-nos saber a quantas andamos ao agir. Converte uma ação puramente apetitiva, cega e impulsiva, em ação inteligente.

Entende-se como valor do pensamento reflexivo a capacidade de planejar e agir intencional e deliberadamente, visando ao alcance dos propósitos, contrapondo-se à ação fundada meramente em estímulos. Pode-se compreender também como valores da reflexão o preparo sistemático e a invenção, além do enriquecimento do significado e do aumento do controle sobre as ações (DEWEY, 1959). Knassmüller e Meyer (2013) destacam a necessidade de realização de ajustes na reflexão em função da situação e dos propósitos vivenciados na organização. Observa-se, desta maneira, que as práticas reflexivas não podem ser consideradas apartadas de uma situação e dos propósitos organizacionais para os quais estas são adotadas (CRESSEY; BOUD; DOCHERTY, 2006).

Dewey (1976, p. 65) afirma que “a formação de propósitos e a organização dos meios para executá-los resumem o trabalho da inteligência”. Os propósitos são caracterizados como fins em vista, envolvendo a dimensão temporal ao demandar a previsão de consequências futuras, mediante a observação das condições objetivas, das condições subjetivas e das circunstâncias. Além dessa percepção, é preciso também que ocorra um processo de significação pelo indivíduo daquilo que é sentido e observado.

O gatilho para a constituição de um propósito é o impulso, que irá se converter em desejo em face da dificuldade ou obstrução de sua realização imediata (DEWEY, 1976). Ao avaliar a conexão de um desejo com as circunstâncias estabelecidas, considerando as consequências da ação a ser realizada, desenvolve-se o processo de formação de propósitos.

Dewey (1976, p.67) defende que o processo de formação de propósitos se desenvolve a partir de três etapas:

1) observação das condições e circunstâncias ambientes; 2) conhecimento do que aconteceu em situações similares no passado, conhecimento obtido, em parte, pela lembrança e, em parte, pela informação, conselho; aviso de cuidado dos que tiveram maiores e mais amplas experiências; e 3) julgamento ou juízo, ou seja, a operação pela qual juntamos o que observamos e o que recordamos e concluímos sobre o que significa toda a situação, para podermos tomar, então, o propósito de ação. O propósito difere de um impulso ou desejo original por essa translação para um plano e método de ação, baseado na previsão das consequências de agir nas condições observadas de certo modo.

Verifica-se que a formação do propósito contempla a análise contextual a partir da dimensão temporal, relacionando aspectos presentes (condições e circunstâncias), passados (experiências) e futuros (julgamentos e planos). A experiência influi na formação de atitudes, de desejos e de propósitos, despertando curiosidade e fortalecendo a iniciativa para conduzir uma pessoa aonde for preciso no futuro (DEWEY, 1976). Entretanto, percebe-se a necessidade de conversão do pensamento em ação, ao se demandar a confecção de planos que

possibilitem a explicitação dos meios que tornem possível a realização do propósito. Dewey (1929, 1976) afirma que a leitura de resultados futuros no presente em curso é condição para a capacidade reflexiva, pois quando o resultado é mentalmente antecipado se converte em objetivo, um plano na formação do curso de eventos. A definição dos meios, relacionados ao como e quando, também se convertem em objetivos, que precisam ser estudados e compreendidos para possibilitar o alcance do propósito (DEWEY, 1976).

A conscientização do alcance destes objetivos implica em um processo de reflexão sobre os resultados obtidos ao longo do tempo. Para Cressey, Boud e Docherty (2006, p. 18) “a reflexão ocorre no contexto de produzir um resultado de aprendizagem que possa ser aplicado em uma situação concreta”. O resultado obtido, ainda que produzido por consequências involuntárias (efeitos inesperados), pode realimentar a reflexão, influenciando decisões posteriores.

Para Dewey (1959, p. 85) “uma atividade verdadeiramente reflexiva termina declarando com exatidão qual é o resultado”. Neste sentido, Dewey (1959) realiza uma comparação sobre a percepção do adulto e da criança no que se refere aos frutos obtidos em uma atividade, que para o adulto é o trabalho e para a criança é o brinquedo. A criança aprende mediante um processo semelhante ao do adulto, que envolve observação, seleção, experimentação e confirmação por meio de resultados. No entanto, o interesse da mesma reside sobre a própria atividade, enquanto que para o adulto a atenção se volta para o produto gerado pela atividade. Dewey (1959) afirma ser artificial a distinção entre processo (atividade) e produto (resultado), visto que a real distinção reside na percepção temporal de continuidade ou não da atividade. O efeito exterior das ações é mais necessário para o adulto, de modo que este disciplina o espírito e os fins da atividade se tornam mais especializados, monopolizando a atenção e medindo a validade dos meios (DEWEY, 1959).

Boud, Keogh e Walker (1985) discorrem sobre os resultados da reflexão ao elaborarem um modelo visando à compreensão de como esta ocorre mediante o contexto. Neste sentido, o processo reflexivo é oriundo das experiências vivenciadas pelos indivíduos, considerando as ideias, os comportamentos e sentimentos observados. Este processo apresenta como seus principais constituintes o retorno às experiências, a atenção aos sentimentos e a reavaliação da experiência. Ao realizá-lo, o indivíduo pode conceber como resultados novas perspectivas sobre a experiência, mudanças nos comportamentos, prontidão para a aplicação e comprometimento com a ação. A figura 2, apresentada a seguir, representa o modelo:

Figura 2 – O processo de reflexão em contexto

Fonte: Boud, Keogh e Walker (1985, p. 36), traduzida pelo autor.

No âmbito organizacional, a aprendizagem é resultado de uma complexa interação entre o indivíduo e a coletividade na qual está inserido, conectada por processos sociocognitivos envolvidos na reflexão, conduzindo para a mudança de foco da ação e para o desenvolvimento de novas práticas (KNIPFER et al., 2013). A aprendizagem coletiva é um processo contínuo de reflexão e ação caracterizado pelo debate sobre erros, pela reflexão sobre resultados e pelo compartilhamento de visão e de experiências, num processo de construção colaborativa do conhecimento (VAN WOERKOM; NIJHOF; NLEUWENHULS, 2008). Deste modo, equipes “podem refletir sobre metas compartilhadas, objetivos, domínio e desempenho da tarefa e outros processos sociais relacionados” e a partir daí desenvolverem aprendizagens individuais e coletivas (KNIPFER et al., 2013, p. 39).

Ao adotar a lente pragmática na realização deste estudo, é possível a percepção de contribuições para o desenvolvimento da aprendizagem na perspectiva social. Para Brandi e Elkjaer (2011, p.) o principal aporte se refere à noção de inquérito, que “fornece um método em que o pensamento é considerado como uma maneira para definir problemas e a reflexão é compreendida como uma forma de possibilitar o compartilhamento dos resultados de aprendizagem”.

Os resultados de aprendizagem podem implicar na geração de efeitos instrumentais e/ ou conceituais, conforme preceituam Preskill e Torres (2001). Os resultados instrumentais estão relacionados às mudanças observadas em estruturas, artefatos e processos organizacionais, podendo ser observados também em relação ao desempenho de equipes no

tocante à resolução de problemas e ao gerenciamento e melhoria de métodos de trabalho. Podem também se configurar como conceituais, quando proporcionam mudanças na maneira com que os atores “pensam, sentem e agem no ambiente de trabalho” (PRESKILL; TORRES, 2001, p. 141).

Com base no que foi exposto na presente seção é possível propor preliminarmente que a aprendizagem vinculada à experiência humana e ao consequente processo reflexivo é orientada por propósitos e resultados. Especificamente nos termos de Boud, Keogh e Walker (1985, p. 31), “quando desejamos processar nossa experiência para extrair conscientemente alguns resultados de aprendizagem, a maneira que podemos fazer será recebendo influências de nossos objetivos e intenções”. A reflexão sobre expectativas acerca do futuro, traduzidas em formulação de metas, implica na identificação dos esforços necessários em relação ao contexto vivenciado no presente. De igual modo, a reflexão sobre a avaliação dos resultados de aprendizagem alcançados, referindo-se ao passado, pode contribuir com a ressignificação das metas originalmente estabelecidas. Assim, é possível sugerir a ocorrência da dimensão temporal no âmbito da reflexão e da aprendizagem nas organizações, em caráter individual e coletivo. Ressalte-se que tal formulação é compreendida como uma proposição teórica propedêutica, que serve de plataforma para o entendimento do contexto vivenciado pelos praticantes da estratégia atuantes no PPE.

3 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Para estabelecer os passos necessários ao desenvolvimento da pesquisa, torna-se impreterível a edificação de um plano metodológico. Nesse sentido, o presente capítulo tem como escopo apresentar aspectos relacionados ao método investigativo, de modo a clarificar o modo com que os objetivos traçados puderam ser alcançados. A seção inicial contém a apresentação das perguntas de pesquisa que se vinculam aos objetivos propostos para o estudo. Em seguida é apresentada a seção que estabelece o delineamento do estudo, contemplando a opção ontológica e epistemológica adotada. A seção seguinte considera os elementos que possibilitaram a composição do corpus de pesquisa, com a apresentação dos fundamentos do PPE e a exposição do perfil dos praticantes da estratégia entrevistados. Depois são apresentados os métodos e técnicas de coleta de dados e de análise de dados. No final, são explicitados os critérios de validade e confiabilidade, assim como as limitações do estudo.