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Mitigando Discrepâncias entre o Censo Escolar e o SIEPE

4.2 Quais foram os principais eventos de aprendizagem vivenciados por praticantes da

4.2.1 Mitigando Discrepâncias entre o Censo Escolar e o SIEPE

Durante a implantação do PPE, cujo marco inicial pode ser conferido à realização da primeira reunião do CGPPE, ocorrida 28/09/2011, diversos problemas começaram a se verificar. A concretização deste primeiro encontro possibilitou a observação de falhas inerentes ao processo de disponibilização de dados, prejudicando a análise dos resultados alcançados. Um dos problemas identificados pelos praticantes da estratégia ao longo do estudo foi a existência de discrepâncias de dados existentes no censo escolar e o SIEPE. A observância de tais discrepâncias representa a identificação de um problema comum

vivenciado pelos atores a partir de interações realizadas entre si e com artefatos caracterizados como sistemas, no caso o Educacenso e o SIEPE.

A realização do censo escolar é compulsória e tem como objetivo coletar dados sobre a educação em diferentes etapas e modalidades, sendo considerado o mais importante levantamento estatístico educacional brasileiro. Coordenado pelo INEP, o censo escolar é realizado pelo MEC, com colaboração das secretarias estaduais e municipais de Educação e com a participação de todas as escolas públicas e privadas do país. Os dados são obtidos a partir de declarações fornecidas pelos entes participantes em duas etapas, sendo a primeira realizada na matrícula inicial dos estudantes e a segunda realizada no final do ano letivo, indicando a situação de movimentação (abandono, desistência, transferência, etc.) e rendimento (conceitos, notas, etc.) dos discentes ao longo do ano.

Para a consecução de seu objetivo, o censo escolar é realizado por meio de um sistema informatizado denominado Educacenso, que é preenchido pelos responsáveis em cada unidade escolar participante. O uso deste instrumento possibilita o cruzamento de dados educacionais para a realização de uma avaliação da educação nacional, baseada nos dados disponíveis sobre escolas, estudantes, turmas e profissionais escolares (INEP, 2016).

Por sua vez, o SIEPE é o sistema gerencial adotado pela rede estadual de Educação. Sua atualização ocorre diariamente em cada unidade escolar, o que possibilita o acompanhamento tempestivo dos indicadores educacionais. É através do SIEPE que se realiza a verificação da consistência e da migração das informações para o Educacenso. Por exemplo, para a realização de avaliações externas componentes do SAEPE é realizado um censo rápido, cujo objetivo é coletar dados mais atualizados do número de estudantes por turma e nível de ensino de cada escola, sendo extraídos os dados diretamente do SIEPE.

Desde o início da inserção dos dados no SIEPE, cuja responsabilidade recai sobre o diretor de escola, foram identificadas algumas discrepâncias entre as informações contidas no censo escolar e no SIEPE. Cabe ressaltar que os dados contidos no SIEPE são mais atualizados por retratarem o cotidiano escolar ao ter seus registros atualizados diariamente. O gerente regional Otto apresenta uma breve comparação entre a finalidade dos sistemas ao expor que:

Esse confronto entre matrícula [censo escolar] e sistema interno [SIEPE] a gente foi descobrindo com o passar do tempo. As informações foram ficando cada vez mais precisas. [...] A gente começou identificando que algumas escolas tinham um quantitativo muito grande de estudantes matriculados, mas não tinha acompanhamento preciso de quem era transferido, de quem não estava mais estudando. O censo [escolar] veio e começou a mostrar algumas inconsistências. A

gente acabava tendo esse relatório [do censo escolar] demorando muito e não era algo que a gente usava como ferramenta de gestão. O censo [escolar] sempre foi uma obrigação institucional que tinha que ser feita. Já o SIEPE, a qualquer momento a gente pode atualizar. Então essas distorções se davam, e ainda se dão em pequena escala, principalmente pela falta de monitoramento e acompanhamento.

Para compreender a preocupação com esta situação é preciso entender o quê proporciona esta discrepância. Sua origem pode se referir à ausência de dados ou a existência de erros ocorridos no processo de digitação dos dados, mas também pode indicar intencionalidade, quando destinadas a atender interesses diversos daqueles originalmente propostos. Logo no início de 2012, ano de implantação do SIEPE, foram observados registros em atas de reunião do CGPPE demonstrando a preocupação dos participantes com os dados inseridos, conforme se observa do encaminhamento firmado na reunião ocorrida em 02/03/2012: “Elaborar lista de todas as escolas que não prestaram informações no SIEPE e enviar para o gabinete do governador” (SEPLAG, 2012a).

Percebe-se que a preocupação com a disponibilidade e com a precisão da informação passou a nortear a conduta dos atores, visto que as providências tomadas alcançavam o patamar mais elevado da gestão no Estado. O gerente Otto corrobora com esta afirmação ao explicitar que “o censo [escolar] tem repercussão no levantamento quantitativo dos estudantes, tem vários interesses. [Por exemplo] Os salários e as gratificações da equipe gestora se baseiam no porte [da escola]”. Destarte, verifica-se que existiam conflitos de interesse no julgamento deste problema que precisam ser compreendidos.

Ocorreu então a percepção de que havia uma situação crítica vivenciada pelos praticantes da estratégia no PPE em função da incongruência entre dados informados para um instrumento oficial (censo escolar) e dados disponíveis em um instrumento gerencial de informações educacionais (SIEPE). Grande parcela dos entrevistados sinalizou que a divergência identificada se constituiu em um problema que foi mitigado ao longo do tempo, mas que ainda existe em pequena escala. Uma evidência deste problema é apresentada pela gerente Nelci: “A gente percebeu que tinha um fluxo escolar muito alto. A gente se questionou: o que está acontecendo? Por que tanta reprovação? A gente percebeu, a partir da reflexão, que o problema estava no censo escolar”.

Destaque-se que ao longo do processo foi identificado que o problema não se limitava a questões de ordem técnica, ou seja, não se resumia apenas a aspectos relacionados à integração dos sistemas. A questão passava pela necessidade de mudança de conduta dos gestores escolares, visto que alguns utilizavam de subterfúgios para alimentar inadequadamente os sistemas, inserindo informações que, em um primeiro momento,

poderiam gerar mais recursos para a escola, mas que, no longo prazo, implicavam em redução do resultado finalístico.

Ao perceber as discrepâncias, os gestores se depararam com situações inusitadas, como a identificação da inserção de estudantes adicionais em escolas para que estas tivessem seu porte aumentado e, com isso, fosse possível a obtenção de mais recursos. No entanto, ações como esta levavam ao alcance de resultados negativos na avaliação dos indicadores finalísticos (IDEB/IDEPE), visto que implicavam em aumento nos registros de evasão escolar e, consequentemente, no rendimento escolar. A existência deste problema é confirmada pela gerente regional Vera que afirma:

Para a gente fazer uma avaliação externa [SAEB] tem que ver quantos alunos têm em cada turma. Então se esse número não bater [com o censo rápido], não estiver correto, vai impactar no resultado da avaliação externa. Então aquele aluno [inexistente] conta, esse quantitativo de alunos a mais prejudicava no resultado da avaliação externa.

O problema da existência de divergências entre o censo Escolar e o SIEPE já havia sido identificado por gestores no âmbito das regionais. O registro de um encaminhamento constante na ata de reunião tática da GRE Metro Norte (SEPLAG, 2013a) ocorrida em 05/04/2013, em que destaca a necessidade de análise de conformidade dos dados fornecidos, reforça esta afirmação: “Realizar uma análise de conformidade dos dados do SIEPE com os registros escolares e enviar para regional”. Outra situação que possibilitou a identificação das inconsistências foi a necessidade de confecção de censo rápido para a realização do SAEPE em 2013. Esta situação vivenciada foi explicitada pela gerente regional Nelci:

Quando a gente foi fazer um comparativo do que estava inserido no SIEPE, que era o real da escola, percebemos que foram aqueles meninos que tinham sido inseridos no censo [escolar]. A partir dai, a gente passou a ter um olhar bem diferenciado com o censo escolar e a gente já fez reuniões esse ano com os gestores para que a gente não possa mais cometer esse erro.

Apesar do reconhecimento individual do problema, este só veio a ser tornar comum aos praticantes da estratégia mediante debate realizado pelos gerentes regionais e pela equipe da SEE. A gerente regional Vera reforça a abrangência do problema ao afirmar que: “O problema [da discrepância] não é só da regional. É da secretaria toda, do Estado todo. Porque a gente via que existiam muitos alunos. Tinha mais aluno no censo e na escola não tinha”. Então, a questão foi levada para uma reunião de monitoramento com o governador. As decisões oriundas desta reunião implicaram, em primeiro lugar, no entendimento dos participantes de que o problema era comum aos praticantes da estratégia e, em segundo lugar,

na adoção de uma conduta de maior seriedade em relação aos dados fornecidos. Isto se deu em grande parte pela responsabilização na esfera administrativa e criminal de servidores que estivessem fornecendo dados incorretos, conforme disposto em três encaminhamentos constantes da ata da 1ª. reunião do CGPPE (SEPLAG, 2011), ocorrida em 28/09/2011:

Abrir inquérito administrativo na escola [nome intencionalmente ocultado] em função de ter apresentado informações inverídicas para o monitoramento do Governador [reunião do CGPPE].

Acionar a Delegacia de Defraudações sobre as informações prestadas pela diretora da escola [nome intencionalmente ocultado] ao monitoramento do Governador [reunião do CGPPE] e convocar o delegado responsável para prestar informações sobre o inquérito na próxima reunião.

Exonerar a diretora da escola [nome intencionalmente ocultado].

A partir da identificação e dimensionamento do problema, foram realizadas ações no sentido de mitigar a questão da discrepância entre o censo escolar e o SIEPE. O relato de parte significativa dos atores pesquisados reforça a existência de ações realizadas neste sentido. “A gente traçou um planejamento para melhoria dos resultados: um grupo de controle do SIEPE, visita às outras regionais para buscar experiências, formação continuada, situações de acompanhamento e controle”, afirmou a gerente regional Vera.

A mitigação do problema adveio da ruptura oriunda da ressignificação dos atores do PPE acerca da importância da disponibilização de dados para a tomada de decisão gerencial. Com isso, passou a ocorrer um maior refinamento das informações inseridas e a mudança de conduta vivenciada pelos gestores no tocante à compreensão do uso de indicadores gerenciais. Cabe destacar que um fato importante vivenciado pelos praticantes da estratégia foi a cobrança exercida pelo governador no tocante à seriedade dos dados fornecidos, havendo registro em uma das atas de reunião analisadas da abertura de processo disciplinar e policial contra uma servidora que houvera inserido dado diverso da realidade observada em determinada escola.

O esforço realizado para tanto foi concentrado em parte no ajuste dos sistemas, o que ficou sobre a responsabilidade da equipe técnica da SEE, e em outra parte no processo de conscientização da situação pelos gerentes regionais e diretores de escola. No depoimento da gerente regional Virna é nítida a preocupação dos atores em conduzir o empenho para a modificação da atuação gerencial relativa a esta questão da discrepância entre o censo escolar e o SIEPE:

A gente começou a fazer visita nas escolas para analisar esses dados. Então nessas visitas a gente levou o diretor a refletir, a mudar também a sua prática. Isso diminuiu

muito o índice de abandono. Não é a toa que Pernambuco está aí com a menor taxa de abandono.

Experimentar este problema se configurou como um evento de aprendizagem assim identificado pela maioria dos praticantes da estratégia entrevistados. Para o gerente regional Otto o problema foi sendo superado aos poucos, com o refinamento das informações inseridas e com a mudança de conduta vivenciada pelos gestores: “Acredito que essa divergência se dava muito acentuada e foi diminuindo, cada vez mais, porque os diretores de escola começaram a entender que precisa ter um cuidado maior em relação a essas informações”.

Conforme depoimento dos praticantes da estratégia entrevistados, restou evidente que a solução implantada em Pernambuco para ajustar o censo escolar com o SIEPE foi responsável por parcela significativa na melhoria do IDEB/ EM da rede estadual de Educação. A nova perspectiva gerada a partir da implantação da solução proposta é destacada pelo gerente regional Otto:

Com a implantação dos indicadores [de resultado], do Pacto pela Educação [em Pernambuco], todo o monitoramento que a gente vem fazendo, o diretor de escola começou a entender que só adianta ter um aluno matriculado realmente na escola se realmente ele for aluno. Senão ela vai acabar tendo uma taxa de reprovação muito alta e alguns alunos que nunca nem transitaram pela escola e há algum tempo já desistiram.

A aprendizagem dos praticantes da estratégia evidenciada a partir do evento de identificação e mitigação das discrepâncias entre o censo escolar e o SIEPE extrapola o simples ajuste realizado na inserção de dados em ambos os sistemas. Reside principalmente em uma nova leitura e uma nova conduta frente ao tratamento de indicadores, especialmente na compreensão de sua utilização para fins gerenciais.

Outro evento de aprendizagem vivenciado pelos praticantes da estratégia no PPE está relacionado à inserção de um indicador de processo no monitoramento realizado pelos gestores. Este se refere à participação de familiares em reuniões escolares e será explorado na próxima subseção.