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As condições contextuais vivenciadas pelos atores no PPE representam um conjunto específico de fatos ou acontecimentos que se estabelecem no tempo e no espaço, criando situações para as quais as pessoas respondem de determinada maneira mediante ações/interações em seu cotidiano (STRAUSS; CORBIN, 2008). É importante identificar as principais condições contextuais com as quais convivem os praticantes da estratégia atuantes na gestão do PPE, bem como verificar como estas influenciam a aprendizagem dos atores.

O debate sobre a influência das condições contextuais para a aprendizagem humana é um tema abordado há algum tempo no âmbito acadêmico. Ao conectarem o contexto organizacional à ação gerencial, Ghoshal e Bartlett (1994) propuseram um framework no qual a disciplina, a confiança, o apoio e o alongamento (stretch) contribuem para a realização de iniciativas e para a cooperação mútua que, segundo os autores, conduzem à aprendizagem coletiva. Com a mesma intenção, Seibert e Daudelin (1999) realizaram outro estudo no qual

apresentam condições contextuais vinculadas à reflexão. Estas autoras destacaram como condições contextuais a autonomia, o feedback, a interação com outros e as pressões presentes no processo de reflexão sobre determinada experiência.

No âmbito nacional foi identificado o estudo realizado por Costa, L. (2011) sobre a influência do ambiente organizacional no processo de aprendizagem de indivíduos. Nele, a autora destaca como fatores contribuintes para a aprendizagem a responsabilidade da organização em ofertar recursos e a existência de um ambiente sem barreiras. Por outro lado, reporta como condições contextuais que proporcionam obstáculos à aprendizagem a existência de bloqueios à comunicação e a pressão por resultados.

A partir dos dados coletados foi possível estabelecer como principais condições contextuais na atuação de praticantes da estratégia no PPE a existência de controle social da ação governamental, o estímulo ao diálogo, o apoio governamental, a valorização baseada no desempenho gerencial e as oportunidades de interação, conforme detalhado na subseção 4.4, no capítulo anterior. Cabe destacar que, considerando que o estudo foi direcionado para uma política pública, parte dessas condições contextuais tem seu embasamento respaldado por instrumentos normativos, especialmente em função da adoção do princípio constitucional da legalidade nos atos da gestão pública nacional. Para uma melhor compreensão de cada condição contextual, foi elaborado o quadro 3 a seguir apresentado.

Quadro 3 – Condições contextuais vivenciadas por praticantes da estratégia na gestão do PPE

Categoria Subcategoria Caracterização

Convivendo com Condições Contextuais

Observância de um conjunto específico de fatos ou acontecimentos estabelecidos no tempo e que criam situações, questões e problemas, relacionados a um fenômeno, para as quais as pessoas respondem de determinada maneira mediante ações/interações.

Controle Social da Ação de

Governo

Capacidade da população de atuar sobre a formulação, implantação e acompanhamento da execução de políticas públicas.

Estímulo ao Diálogo

Predisposição de se comunicar com outros, ouvindo seus pontos de vista e expressando suas posições, visando ao estabelecimento de transações, à identificação de problemas e ao alcance de soluções.

Apoio Governamental

Esforço realizado por atores vinculados ao Estado no sentido de contribuir para a consecução de ações voltadas para os propósitos estabelecidos.

Valorização baseada no desempenho

gerencial

Reconhecimento proporcionado em função da existência de um processo de avaliação dos resultados alcançados em relação a determinado propósito estabelecido.

Oportunidades de Interação

Estabelecimento de encontros físicos ou virtuais entre pessoas que podem proporcionar o compartilhamento de ideias e experiências. Fonte: elaborado pelo autor (2017).

Primeiramente, o conceito de controle social pode gerar controvérsias em função da possibilidade de denotar duas interpretações: o controle da sociedade pelo Estado e o controle do Estado pela sociedade. A linha adotada na presente construção se coaduna com a segunda interpretação, ou seja, entende-se o controle social como aquele exercido sobre a ação de governo por membros da sociedade. Deste modo, em consonância com Loureiro et al. (2012, p. 56), o controle social envolve “a participação da sociedade civil no controle das administrações públicas, contribuindo de forma decisiva para a institucionalização deste processo através de diversas iniciativas”. Nesta perspectiva, o controle social é exercido mediante a participação da sociedade em processos de discussão que contribuem para direcionar decisões governamentais para os interesses da população. Esta condição contextual pode ser verificada no PPE quando ocorre a participação de membros da sociedade na exposição de demandas locais, ou ainda na formulação de soluções para a resolução de problemas.

Um aspecto associado ao processo de controle social é a necessária disposição estatal de atuar de modo transparente (RAUSCH; SOARES, 2010). Esta atuação se configura como um instrumento para o exercício do controle social à medida que possibilita aos atores a visualização sobre as ações realizadas, os gastos realizados e os resultados obtidos. No entanto, não se pode confundir a transparência com o controle social, visto que atuar de modo transparente não implica necessariamente no exercício do controle social (RAUSCH; SOARES, 2010).

Uma segunda condição contextual verificada mediante a realização da pesquisa é o estímulo ao diálogo. O diálogo está relacionado a processos que assumem caráter democrático, haja vista possibilitar a libertação de pessoas “de forças institucionais que limitam sua autonomia pessoal e levam à aquisição de uma consciência coletiva” (RAELIN, 2012, p. 819). Raelin (2012) afirma que a ausência de diálogo implica na desvalorização do trabalho, em virtude da limitação da capacidade de refletir. Neste sentido, o diálogo assume a configuração de “uma tentativa de atingir um acordo, defender suas suposições ou convencer alguém de uma ideia [...], procura inquirir, compartilhar significados, entender a totalidade e revelar suas suposições” (PRESKILL; TORRES, 2001, p.134). Nos termos de Mazutis e Slawinski (2008, p. 438), “o diálogo é o núcleo da aprendizagem organizacional, pois sem diálogo, indivíduos e grupos não podem efetivamente trocar ideias, nem podem desenvolver entendimento compartilhado”. Uma evidência de que esta condição contextual está presente

no PPE é a participação da população nos seminários regional “Todos por Pernambuco”, quando são geradas as metas do governo em função das sugestões formuladas.

A terceira condição contextual identificada foi o apoio governamental, concebido como o esforço realizado por atores governamentais no sentido de contribuir para a consecução de ações voltadas para o alcance do propósito dos praticantes da estratégia que atuam na gestão do PPE. Seibert e Daudelin (1999) entendem que mudanças podem ocorrer nas organizações quando a estrutura oferta apoio aos gestores para que possam refletir sobre seus desafios, proporcionando-lhes sentido às experiências vivenciadas.

Em acréscimo, Shipton e Sillince (2012) destacam a importância do apoio emocional para a reflexão de gestores sobre questões estratégicas. Para estes autores, a existência de uma rede de apoio emocional pode contribuir para o desenvolvimento dos gestores e para a aprendizagem nas organizações. Neste sentido, Coelho Jr. e Mourão (2011) reconhecem a importância da percepção de apoio por parte dos indivíduos para o desenvolvimento da aprendizagem. No âmbito do PPE, a principal evidência desta condição reside no suporte técnico-administrativo fornecido pela SEPLAG para a SEE, gerências regionais e escolas.

A quarta condição contextual foi denominada como valorização baseada no desempenho gerencial, correspondendo à atribuição de valor e reconhecimento pelos resultados alcançados por gestores em função dos propósitos estabelecidos. Minayo (2013), em pesquisa direcionada aos policiais militares, destaca que a valorização pode ser observada a partir de cinco indicadores qualitativos: dignidade, realização, reconhecimento, segurança e perspectiva promissora. Ferreira e Godoy (2015, p. 36), por sua vez, destacam que “é uma expectativa das organizações que os valores organizacionais coincidam com aqueles valorizados pelos trabalhadores”, sinalizando, no entanto, a possibilidade da existência de conflitos entre os valores pessoais, que denominam como terminais, e os organizacionais, que denominam como instrumentais. Apesar de não se configurar exclusivamente como um aspecto instrumental, observou-se que a principal forma de valorização por resultados vinculada ao PPE é a concessão do BDE.

As oportunidades de interação se configuram como a quinta e última condição contextual identificada na pesquisa. Vivenciadas ao longo do processo de coleta de dados, as oportunidades de interação foram interpretadas como a realização de encontros físicos entre pessoas visando ao compartilhamento de ideias e experiências. Knipfer et al. (2013) entendem que para que a reflexão ocorra é necessário que haja a necessidade de refletir, demonstrada pela existência de um problema, a habilidade de refletir, caracterizada pela competência dos

atores em buscar soluções para o problema, e a existência de oportunidades para interagir e refletir.

Ao realizar um estudo em uma universidade pública alemã, Hoon (2007) explica que a interação proporcionada aos atores mediante a realização de reuniões em formatos de comitês, de modo semelhante ao realizado no PPE, possibilita a identificação e concretização de contribuições para melhoria na gestão, especialmente oriundas de gerentes de nível médio (middle managers), legitimando a continuidade dos propósitos e das estratégias na organização. Cabe ressaltar que, além destas oportunidades formais de interação, Hoon (2007) apresenta a possibilidade da existência de outras modalidades informais. Foi possível observar no caso estudado que também estão presentes as oportunidades informais de interação.

A participação dos praticantes da estratégia no PPE nas reuniões do PPE se configura como evidência principal da existência desta condição contextual. Outras oportunidades de interação identificadas ao longo do estudo foram visitas técnicas e seminários para disseminação de boas práticas. No entanto, não foram identificados estudos que viessem a corroborar diretamente com tais formas de interação, configurando-se como uma peculiaridade presente no PPE.

Comparando os componentes do framework proposto por Ghoshal e Bartlett (1994) com os dados obtidos na pesquisa realizada, foi possível identificar no depoimento dos informantes a presença de todas as condições contextuais apresentadas pelos autores. No entanto, houve maior evidência extraída no caso estudado do apoio governamental na realização das ações gerenciais. Este apoio foi destacado pelos participantes da pesquisa principalmente no sentido técnico-administrativo, fornecido por consultores ou tutores vinculados à SEPLAG.

Quando a comparação é realizada com os estudos de Seibert e Daudelin (1999) e Costa, L. (2011) são identificadas congruências em relação aos problemas de ordem comunicacional (feedback, barreiras à comunicação), porém com pouca intensidade nos depoimentos dos praticantes da estratégia no PPE. No entanto, foi enfatizado o diálogo como peculiaridade inerente ao PPE e, por suas características, facilitam o processo de comunicação entre os atores.

Isto se coaduna com a perspectiva adotada por Raelin (2001; 2002), que destaca a necessidade de criação de um ambiente em que a confiança esteja presente para que possa ocorrer o escrutínio público das ideias, visando à validação dos planos e ações mediante o diálogo. Complementarmente, as pressões exercidas sobre os gestores, especialmente por

resultados, também foram identificadas nas falas dos informantes, mas a maior ênfase residiu na questão do controle social exercido sobre os gestores públicos, denotando uma característica específica da atuação no setor público.

A evidenciação da condição contextual de valorização baseada no desempenho gerencial se configurou como um achado nesta tese. Sua existência no PPE é demonstrada no capítulo de resultados tanto na questão do processo de seleção e avaliação de gestores públicos atuantes no PPE como na própria remuneração dos atores da rede estadual de Educação, no tocante ao processo remuneratório baseado em bônus atrelado ao desempenho educacional. Entretanto, cabe destacar que estes processos, reconhecidos pelos informantes como vinculados a um modelo meritocrático, sofrem resistências no âmbito do PPE, principalmente se for considerado o caráter instrumental a ele vinculado.

A partir das condições contextuais presentes, Dewey (1976) argumenta que é necessário considerar o que ocorreu no passado, mediante o acesso às lembranças individuais e/ ou pelo relato de experiências vivenciadas por outros indivíduos. No âmbito do PPE, conforme relatado pela maioria dos entrevistados, a ampliação das oportunidades de interação entre os atores exerceu papel importante para a identificação de problemas comuns e para o desenvolvimento e julgamento coletivo de alternativas de solução a partir da reflexão. Deste modo, ocorre a valorização de experiências alheias como possibilidades de aprendizagem.

Na presente seção foram discutidas as condições contextuais com as quais os praticantes da estratégia no PPE convivem e que contribuem para sua aprendizagem. Verificou-se adequação em relação aos trabalhos desenvolvidos por autores como Ghoshal e Bartlett (1994), Seibert e Daudelin (1999) e Costa, L. (2011) no tocante as condições contextuais de apoio governamental, o estímulo ao diálogo e a existência de oportunidades de interação.

No entanto, foi possível constatar que no contexto específico da política pública estudada, a condição contextual de valorização baseada no desempenho gerencial se constituiu como uma peculiaridade inerente ao PPE. De igual modo, foi possível observar como condição contextual a ocorrência de controle social da ação de governo que contribuiu para o desenvolvimento dos propósitos, para o reconhecimento da existência de problemas e para a elaboração de soluções no âmbito coletivo. Tais aspectos contribuem para a verificação de eventos de aprendizagem, que são discutidos na próxima seção do trabalho, e que emergem sob a influência das condições contextuais aqui discutidas.