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Como destacado anteriormente, o estudo se destina a compreender a aprendizagem realizada por praticantes da estratégia atuantes na gestão do PPE. Com vista ao alcance deste propósito é importante firmar o posicionamento ontológico e epistemológico assumido, de modo que haja a compreensão acerca de como o fenômeno foi interpretado.

Neste intuito, Burrell e Morgan (1979) argumentam que as dimensões metodológicas existentes se situam em dois polos distantes, o objetivismo e o subjetivismo, cada um com seus pressupostos, limitações e contribuições à construção da ciência. No entanto, Peci (2004) defende que a valorização desta dicotomia prejudica o desenvolvimento científico, especialmente no âmbito dos estudos organizacionais, tendo em vista restringir possibilidades ao se buscar o reconhecimento e a valorização das áreas limítrofes entre estas duas vertentes. Ainda assim, se apreciada a perspectiva do continuum entre os contextos da Sociologia enquanto mudança radical e enquanto regulação, a consideração destes polos possibilita a observância de quatro paradigmas para análise da teoria social, sendo estes o humanismo radical, o interpretativismo, o estruturalismo radical e o funcionalismo (BURRELL; MORGAN, 1979).

A opção epistemológica do estudo está fundamentada na observância de limitações na aplicação da abordagem objetivista, considerando que a aprendizagem de praticantes da estratégia no PPE é um construto complexo e multifacetado. Em face de suas especificidades, é nítido o caráter subjetivo presente em suas entranhas, haja vista a diversidade de abordagens, conotações e resultados já obtidos ao longo de sua existência. Reconhece-se ainda que o contexto histórico, social, político e econômico apresentam características que reforçam as particularidades da aprendizagem de praticantes da estratégia no PPE, demandando olhar multidimensional sobre o que se estuda. Os conhecimentos a serem observados refletem peculiaridades que podem contribuir para o entendimento do fenômeno estudado e, consequentemente, para o avanço da ciência.

Após a consideração destes aspectos, optou-se por escolher uma abordagem interpretativista do fenômeno social estudado, englobando uma rede de representações complexas e subjetivas, um processo emergente, uma extensão da experiência vivida pelas pessoas (incluindo o pesquisador) encarnadas no mundo “real” (VERGARA; CALDAS, 2005), visando à compreensão dos significados vivenciados pelos sujeitos (GEPHART, 2004). Igualmente, há que se reconhecer a influência no olhar do pesquisador das lentes teóricas decorrentes do construtivismo. Sob o ponto de vista ontológico, a realidade é

interpretada como socialmente construída, de modo que indivíduos e mundos são mutuamente concebidos (CLARKE, 1991; STRAUSS, 1993).

O relativismo ontológico que caracteriza o construtivismo possibilita olhar a realidade constituída por construções mentais socialmente e experimentalmente vivenciadas pelos atores (GUBA; LINCOLN, 1994). Desta forma, as relações contextuais decorrentes das interações realizadas por indivíduos, seus semelhantes, natureza e artefatos possibilitam o entendimento das ações desenvolvidas no âmbito social, dentre as quais se insere a aprendizagem.

Nesta seara, é necessário compreender a possibilidade de criação de conhecimento a partir da interpretação dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas experiências por intermédio de suas interações sociais. Assim, optou-se pela realização de um estudo de caso qualitativo (PATTON, 2002; STAKE, 2009), mediante a adoção da abordagem da teoria fundamentada (CHARMAZ, 2014). Esta possibilidade de combinação entre estudo de caso e teoria fundamentada (ou grounded theory) é defendida por Merriam e Tisdell (2016) e tem como exemplo o trabalho desenvolvido por Isabella (1990), o qual é expressamente elogiado por Gephart (2004).

Stake (2009, p. 11) argumenta que o estudo de caso é “o estudo da particularidade e complexidade de um único caso, chegando a compreender a sua atividade dentro de circunstâncias importantes". Yin (2008, p. 13), por sua vez, expõe que “um estudo de caso é uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo dentro de seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes”. Merriam (2009, p. 40) ressalta que "um estudo de caso é uma descrição detalhada e análise de um sistema delimitado". Assim, um estudo de caso pode ser representado por uma política inovadora, vez que este é definido como algo específico, delimitado e complexo. Este é o entendimento do pesquisador para justificar a escolha da abordagem a ser adotada na pesquisa, visto que o PPE se configura como uma política pública com as características acima apresentadas.

Patton (2002) apresenta a possibilidade da realização de estudos de caso mediante interseções e sobreposições de unidades de análise. Nesta perspectiva, é possível combinar estudos em diferentes níveis como a abordagem de um caso primário, a partir de diferentes fontes consultadas. Patton (2002) exemplifica esta possibilidade com um estudo sobre a avaliação de um programa educacional, no qual foram utilizadas bases de dados disponíveis,

observações, entrevistas informais, entrevistas em grupo (focus group), excertos de revistas e de anotações pessoais, e entrevistas de follow-up realizadas por telefone.

Além da abordagem de estudo de caso, o trabalho está alicerçado na abordagem da teoria fundamentada. Desenvolvida por Barney Glaser e Anselm Strauss (1967), a teoria fundamentada tem suas bases no interacionismo simbólico, a partir da tentativa de compreender ações coletivas e interações entre indivíduos e a sociedade, “em função do significado atribuído às definições sociais coletivas, formadas por meio do processo de socialização” (BANDEIRA-DE-MELO; CUNHA, 2010, p. 246).

Apesar de terem formulado conjuntamente a abordagem da teoria fundamentada, Glaser e Strauss cindiram o pensamento em duas correntes. Glaser (2002) defende a total separação entre a descrição e a teorização, o que proporcionaria uma clara distinção com outros métodos de caráter qualitativo, como a fenomenologia e a etnografia, que apresentam uma perspectiva com ênfase descritiva. Neste sentido, Glaser se aproxima mais da abordagem positivista, ao acreditar que uma realidade objetiva irá emergir dos dados, desde que seja respeitada a neutralidade na participação do pesquisador no processo de construção teórica (CHARMAZ, 2014).

Por outro lado, Strauss apresenta a teoria fundamentada em sentido subjetivista/ interpretativista, a partir do desenvolvimento de procedimentos de coleta e análise de dados baseados na interpretação do pesquisador acerca dos resultados alcançados. Neste sentido, busca-se, com a abordagem da teoria fundamentada, a construção de teorias substantivas a partir da interpretação do pesquisador acerca da multiplicidade das realidades percebidas e de sua contextualização (STRAUSS; CORBIN, 1994; STRAUSS; CORBIN, 2008; CHARMAZ, 2014).

A abordagem da teoria fundamentada tem como foco o processo de geração de teoria a partir de conteúdos particulares (PATTON, 2002; MERRIAM; TISDELL, 2016). Existem divergências entre o paradigma positivista e o paradigma interpretativista no entendimento sobre o que se constitui uma teoria. Para Charmaz (2014, p. 230), enquanto para os positivistas a teoria “busca as causas, favorece as explicações deterministas e enfatiza a generalidade e a universalidade”, os interpretativistas defendem que a teoria “visa compreender significados e ações, e como as pessoas os constroem”, pressupondo a existência de realidades múltiplas e emergentes, e expondo a verdade como algo provisório e a vida social como um processo. Sob esta ótica, as teorias originadas conforme a grounded theory

apresentam caráter empírico, baseadas em dados representativos da realidade. (GOULDING, 2002; STRAUSS; CORBIN, 2008; CHARMAZ, 2014).

A preocupação deste método reside em se tentar explicar as razões da diversidade e variedade de comportamentos ao longo do tempo e em relação a determinado fenômeno (MERRIAM; TISDELL, 2016). Neste diapasão, a teoria fundamentada é predominantemente caracterizada como qualitativa e descritiva, visto que a preocupação central reside na interpretação dos dados obtidos com os diversos atores envolvidos, além da observação e análise de documentos relacionados ao objeto de estudo. Portanto, difere-se diametralmente do método hipotético-dedutivo, visto que este parte de uma hipótese que virá ou não a ser confirmada para gerar a compreensão da teoria explicativa da realidade objetiva, enquanto a abordagem da teoria fundamentada envolve a própria construção teórica para explicar uma realidade subjetiva, a partir da interpretação do pesquisador e dos participantes da pesquisa.

Creswell (2007) destaca a existência de duas perspectivas mais populares nos estudos da teoria fundamentada: a corrente dos procedimentos sistemáticos, desenvolvida por Strauss e Corbin (1994), e a corrente social construtivista, desenvolvida por Charmaz (2014), dentre outros. Para Charmaz (2014, p.239) “uma abordagem construtivista estabelece a prioridade nos fenômenos do estudo e concebe ambos, dados e análise, como tendo sido gerados a partir de experiências compartilhadas e das relações com os participantes e com outras fontes de dados”. Decorre desta ideia a proposição da aplicação do método das comparações constantes com os resultados obtidos no campo. As interpretações das realidades observáveis emergem de um processo baseado em interações sucessivas entre a coleta e análise de dados, partindo de comparações, codificações e categorizações dos fenômenos estudados, propiciados por comportamentos, ações e palavras extraídas dos atores pesquisados (STRAUSS; CORBIN, 1994; GOULDING, 1999; STRAUSS; CORBIN, 2008; CHARMAZ, 2014).

Uma característica típica deste método é a intensa interação entre o pesquisador e as realidades vivenciadas pelos sujeitos, bem como o envolvimento simultâneo na coleta e análise de dados. Outra característica é a adoção da lógica abdutiva no desenvolvimento das ideias, em que o raciocínio se inicia a partir dos dados e, a partir da análise destes, são formuladas hipóteses, em um processo iterativo, até o alcance de uma interpretação plausível acerca dos resultados observados (CHARMAZ, 2014). Torna-se primordial a compreensão dos atores que desempenham seus papéis em processos organizacionais, residindo o interesse sobre como estes atuam, despertando a curiosidade peculiar às origens dos achados científicos.

Charmaz (2009, p.179) chama a atenção para o aspecto do pesquisador, ao adotar abordagem construtivista, precisar estar vigilante em relação às condições nas quais ocorrem diferenças e distinções entre pessoas, de modo a identificar como elas surgem e se mantém, a partir de uma análise “contextualmente situada no tempo, no espaço, na cultura e na situação”. É nítida a preocupação com o contexto, especialmente no sentido de compreender as contribuições para a formação da realidade observada.

Apresentado o delineamento da pesquisa, com a exposição das opções ontológicas e epistemológicas assumidas, cabe o detalhamento dos procedimentos metodológicos realizados ao longo da pesquisa. Desta maneira, são expostos em seguida os procedimentos relativos à seleção da amostra, coleta e análise dos dados.