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Introdução da Perspectiva Gerencial no Setor Público

As organizações pertencentes ao setor público passaram por profundas transformações em face dos desafios de condições sociais e econômicas vividas especialmente no final do século passado e no início do presente século. O debate sobre a incorporação de mecanismos de gestão aplicada ao setor privado em todo o mundo é recente e reflete uma faceta destas mudanças. A administração pública, assim como no setor privado, tem sido dominada por quase um século pelas ideias estabelecidas a partir da tradição da burocracia weberiana. No entanto, práticas gerenciais implantadas no setor público recentemente demandam a necessidade de introduzir uma mentalidade orientada para a aprendizagem, de modo a possibilitar adaptação ao complexo contexto posto no tempo hodierno (CUNHA, 2011).

As reformas no setor público são compreendidas como “esforços deliberados por parte de autoridades para efetuar a mudança em um domínio de política pública, [...] de forma que a mudança se torne institucionalizada e, como resultado, acontece um modus operandi novo e relevante” (CUNHA; TSOUKAS, 2015, p. 226). As transformações podem ocorrer em diferentes níveis, envolvendo a busca por mais eficiência (mudança de primeira ordem), a adoção de novos valores, como a gestão do desempenho, prestação de contas e transparência (mudança de segunda ordem), ou a alteração das regras, sistemas e significados que compõem o domínio político, de modo que a organização contribui para a transformação do campo institucional (mudança de terceira ordem). Reconhece-se que o êxito em processos de reforma do Estado é concomitantemente dependente do contexto, dos propósitos e da ação, o que pode obstaculizar sensivelmente o seu alcance. Ainda conforme Cunha e Tsoukas (2015, p.227),

“quando o trabalho é de rotina (burocracias), coercitivo (burocracias estatais) e quando a mudança é imposta sem sentido de propósito, as pessoas vão se sentir presas em um ciclo de interminável repetição, sem sentido”.

Conectando tal discussão com o contexto brasileiro, entende-se que está em curso um processo de transformação que engloba a própria formação cultural do povo brasileiro como fator de compreensão da realidade, mas que também contempla o atual contexto de mudanças globais que tem influenciado na tomada de decisões e na própria atuação do gestor público. Nesse sentido, o processo de colonização, realizado por portugueses, incorporou um conjunto de crenças e práticas sociopolíticas e culturais, moldando a gestão da república brasileira conforme características herdadas da corte lusitana. Os primeiros traços constituintes da administração pública que se afiguraram a partir das dimensões expostas foram forjados por práticas características de um Estado personalístico, gerando uma estrutura de poder estamental (HOLANDA; CÂNDIDO, 1984; FAORO, 2001; NUNES, 2003).

Assim, emana a perspectiva inicial da gestão pública brasileira, denominada como patrimonialismo, marcada por uma relação híbrida entre Estado e sociedade que reforça as disparidades institucionais presentes no campo do domínio público. Configura-se como uma forma de administração dominada por um chefe mandatário que, fundado em seu livre arbítrio e na tradição, dirige o Estado conforme sua própria vontade (PAULA, 2005). É nesse cenário que surgem algumas características peculiares à sociedade brasileira, como o nepotismo, o clientelismo e a corrupção, que ainda se encontram presentes em ações do atual contexto de gestão pública. O patrimonialismo se consolidou com tamanha profundidade nas raízes culturais de nosso país que perdurou após a constituição da República, vindo a influenciar o surgimento e o desenvolvimento inicial do capitalismo tupiniquim. Contudo, sua herança passou a ser questionada, especialmente com o advento do conhecimento científico e racional em Administração (COSTA, G., 2012).

Frente aos descontentamentos e à incapacidade de se gerar desenvolvimento econômico e social a contento, o patrimonialismo no Brasil passou a declinar, em favor do crescimento da perspectiva burocrática weberiana. Para Weber (1999) a burocracia é a forma de dominação que possibilita a conversão da ação comunitária consensual em ação associativa racionalmente ordenada. Ao ocultar a capacidade crítica de seus agentes, em detrimento das regras definidas, da divisão do trabalho e da hierarquia, a burocracia direciona a organização no sentido da estabilidade, limitando sua capacidade transformacional (WEBER, 1999).

A conversão para o modelo weberiano se deu no âmbito da administração pública, principalmente a partir do Governo de Getúlio Vargas na década de 1930. Nesta época foi implantada a primeira reforma administrativa, de caráter racional-legal, fundada nos preceitos da burocracia weberiana, com a implantação do Departamento Administrativo do Serviço Público – DASP, órgão responsável por realizar o planejamento e a organização da gestão pública brasileira (TENÓRIO; SARÁVIA, 2006; FALCÃO; GUERRA; ALMEIDA, 2013). Ao longo de várias décadas, a perspectiva burocrática imperou de modo incólume, sobretudo por se caracterizar como um sistema de autoridade exercida de modo impessoal, baseada em normas e regulamentos formais (CUNHA, 2011).

A administração pública sofreu profundas transformações, iniciadas ainda na década de 1970, com a percepção das ineficiências do modelo vigente de gestão do Estado. As décadas seguintes viram surgir diferentes perspectivas baseadas no management, com intensa substituição de instrumentos gerenciais tradicionais por técnicas aplicadas no setor privado. Iniciativas de descentralização, desregulação, flexibilização e achatamento de estruturas estatais foram implantadas objetivando atender as necessidades dos cidadãos (MADUREIRA; RODRIGUES, 2006).

Para Nunes (2003), coabitam na realidade da gestão pública brasileira quatro dimensões institucionalizadas, que proporcionam o sustentáculo entre a sociedade e as organizações formais no Brasil: clientelismo, corporativismo, insulamento burocrático e universalismo de procedimentos. A perspectiva do universalismo de procedimentos representa, principalmente mediante as iniciativas oriundas no DASP (e que foram multiplicadas por grande parte dos governos estaduais), uma tentativa de proporcionar para a administração pública um modelo baseado em resultados (NUNES, 2003; RIBEIRO FILHO

et al., 2012).

Com esta perspectiva, Destaca-se a iniciativa do desenvolvimento da gestão por resultados (GpR) no âmbito nacional, especialmente com a publicação do plano diretor da reforma do aparelho do Estado (BRASIL, 1995). Neste documento foi enfatizada a aplicação do modelo da administração pública gerencial, com a responsabilização dos gestores pelos resultados. Sundström (2006) concebe a GpR como um modelo racional de gestão cuja ênfase reside na formulação de metas e diretrizes para a administração e o acompanhamento dos resultados. Para tanto, envolve a delegação de atividades administrativas de modo a possibilitar a concentração de esforços da administração central nas ações voltadas para o

alcance dos resultados, bem como envolve a gestão do fluxo de informação, especialmente relacionada ao acompanhamento das ações e dos resultados alcançados.

Neste sentido, aflora o pensamento de uma gestão profissionalizada, cuja denominação mais frequente é New Public Management (NPM), e que apresenta como principais métodos e ferramentas a identificação de resultados desejados pela população, o estabelecimento de metas de acompanhamento, a definição de medidas qualitativas e/ ou quantitativas, o uso de informações de desempenho para gerenciar e fornecer feedback para a sociedade e a prestação de contas para as partes interessadas (EHRENHARD, 2009). Também foi enfatizada a necessidade de responsabilização dos gestores públicos, considerando a comparabilidade dos resultados com outras entidades e esferas públicas e da ampliação do controle social ou

accountability (OSBORNE; GAEBLER, 1995; COSTA, F., 2006).

De acordo com Pollitt (2007), a perspectiva da Nova Gestão Pública (NGP) se destaca por enfatizar o processo de medição e avaliação dos resultados, com foco no desempenho na prestação de serviços públicos. Mais recentemente, esta perspectiva se tornou mais evidente, reconhecendo a natureza plural do Estado, como um discurso alternativo ao anterior, e a complexidade do desenvolvimento e implantação de políticas públicas, influenciada pelas condições contextuais e por relações interorganizacionais (OSBORNE, 2006).

Na transição para o século XXI, a partir das contradições e críticas às perspectivas burocrática e gerencialista, foi concebida uma nova modelagem que leva em consideração a complexidade de administrar no âmbito governamental e da participação dos diversos atores sociais, objetivando tornar o Estado mais acessível às necessidades da população, denominada “administração pública societal” (PAULA, 2005; CAPOBIANCO; NASCIMENTO; SILVA, 2013). A intensificação e o fortalecimento dos movimentos sociais que lutaram pela redemocratização do país, fizeram surgir no seio da sociedade, a necessidade de ampliar a legalidade e a legitimidade das ações governamentais. Com isso, passa-se a exigir do gestor público uma capacidade de lidar com o poder de modo descentralizado, possibilitando a participação da população na construção de objetivos e propostas a serem implantadas pelo Estado (PAULA, 2005). A competência relacional passa a ser debatida no âmbito da condução das atividades públicas e passa a exigir a constituição de entidades estatais como agentes de aprendizagem institucional (MADUREIRA; RODRIGUES, 2006).

Em trilha semelhante, Denhardt (2012) propõe as bases epistemológicas para a perspectiva emergente de administração pública, que denomina de New Public Service (ou Novo Serviço Público - NSP). Esta corrente defende que o ser humano é agente ativo do

mundo social em que vive e trabalha, mediante a reconciliação entre sujeito e objeto em um mundo compartilhado e intersubjetivamente compreendido.

Evidencia-se, a partir da leitura acima, que existem significativas transformações em curso no âmbito do setor público decorrentes da GpR. Neste sentido, torna-se importante a observância da ocorrência de iniciativas de GpR em setores específicos, como no caso da Educação brasileira, o que se configura como cerne da próxima seção.