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As competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 71-75)

3. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA EDIÇÃO DE LEIS AMBIENTAIS

3.3. Distribuição de competências ambientais na Constituição de 1988

3.3.4. As competências da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios

Como já antecipado, União, Estados e Distrito Federal partilham competências legislativas. Além disso, juntamente com os Municípios, dividem competências administrativas comuns. Tratemos de cada uma dessas categorias.

3.3.4.1. Competência legislativa concorrente (normas gerais e competência suplementar)

As competências legislativas concorrentes estão previstas no art. 24 da Constituição Federal e são atribuídas aos Estados, ao Distrito Federal e à União. Ao Município não foi dado expressamente competência concorrente para editar normas sobre as matérias aí elencadas. Apesar disso, há na doutrina quem defenda que uma leitura conjunta desse dispositivo com o art. 30, I e II autorizariam a inclusão do Município nesse condomínio legislativo. É o que afirmam Ingo Sarlet e Tiago Fensterseifer:

Os dispositivos em questão autorizam, de forma clara e sem a necessidade de grande esforço hermenêutico, a inserção do ente federativo municipal no âmbito da competência legislativa concorrente de um modo geral, e sob o prisma do nosso estudo, em matéria ambiental, bastando, para tanto, uma leitura conjunta da norma inscrita no art. 24, VI, VII e VIII, com o disposto no art. 30, I e II. O art. 30 da CF 88 assegura ao Município legislar sobre assuntos de “interesse local”, de modo que não haveria qualquer razão para que a proteção do ambiente – por exemplo, na hipótese de poluição atmosférica, do solo, hídrica ou mesmo sonora circunscrita à determinada localidade – não fosse acobertada pelo conceito de interesse local.134

133

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2014. p. 144.

134

SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental: constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p.168

Com a devida vênia, não nos parece que esse entendimento seja o mais adequado. É certo que os Municípios têm poderes para legislar em matéria ambiental, como apontado anteriormente. Isso não significa, porém, que esses compartilhem com Estado e União competência concorrente. O regime a que se sujeita ao Município é aquele previsto no art. 30, I e II e não o do art. 24, como assevera Heline Silvini Ferreira em passagem acima citada.

De acordo com o art. 24, caberia ao Estado, ao Distrito Federal e à União legislar sobre as seguintes matérias: florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI); proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico (art. 24, VII); e responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art. 24, VIII).

Por ser concorrente, o exercício da competência para tratar dessas matérias cabe a qualquer um dos entes federativos aí indicados. Entretanto, de modo que esse exercício e as normas dele decorrentes convivam em harmonia, o constituinte entendeu por bem delimitar o espaço de cada um. Assim, restringiu-se a atuação da União ao estabelecimento do que o constituinte chamou de normas gerais e deixou-se a cargo do Estado e do Distrito Federal a suplementação dessas. Além disso, para os

casos em que inexista norma geral editada pela União, o constituinte outorgou ao Estado e ao Distrito Federal competência plena para inovar no ordenamento editando até mesmo normas gerais, de modo a atender suas peculiaridades. A única diferença é que caso uma lei federal sobrevenha, a lei estadual terá sua eficácia suspensa no que for contrária a essa e diga respeito a normas gerais (art. 24, §4o).

A modalidade de competência concorrente adotada pelo constituinte brasileiro é chamada pela doutrina de competência concorrente não cumulativa, em oposição à concorrência comum cumulativa que se mostra presente em outros ordenamentos jurídicos. No primeiro caso, há prévia fixação dos limites dentro dos quais cada um dos entes federativos que atuam concorrentemente deve agir, ao passo que no segundo esse limite não é definido, podendo cada ente político legislar indistintamente sobre a matéria. Sobre a opção do legislador brasileiro pela competência concorrente não

cumulativa, após sinalizar a existência de alguma divergência sobre o tema, assim se manifesta Juraci Mourão Lopes Filho:

A razão está com Alexandre de Moraes quando afirmou que a CF/88 utilizou apenas a técnica da competência concorrente não cumulativa. A hipótese do §3o do art. 24 é uma confirmação da regra de predeterminação

dos limites de atuação de cada ente federativo, o que é situação bastante diferente de uma indistinta comunhão de competências típicas da competência concorrente cumulativa.135

O alcance da expressão normas gerais é polêmico e fonte de incontáveis conflitos, sendo vários os precedentes encontrados nos tribunais discutindo essa questão. O assunto será retomado adiante quando tratarmos sobre os critérios para controle de constitucionalidade formal.

3.3.4.2 Competência administrativa comum.

A competência administrativa comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios encontra-se regulada nos doze incisos do art. 23 da Constituição Federal. Ali há previsões que vão desde matérias mais genéricas, como é o caso do dever geral de todos os entes federativos de zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas, até questões mais específicas, caso do fomento à produção agropecuária ou da promoção de programas de construção de moradias.

Cinco desses incisos elencam competências ambientais, atribuindo a todos esses entes o poder-dever de: proteger os documentos, as obras e outros bens de valor histórico, artístico e cultural, os monumentos, as paisagens naturais notáveis e os sítios arqueológicos (art. 23, III); impedir a evasão, a destruição e a descaracterização de obras de arte e de outros bens de valor histórico, artístico ou cultural (art. 23, IV); proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (art. 23, VI); preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23, VII ); e registrar, acompanhar e fiscalizar as concessões de direitos de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios (art. 23, XI).

135 LOPES FILHO, Juraci Mourão. Competências federativas. Salvador: Editora JusPodivm, 2012. p.

É interessante notar que a preocupação do constituinte com a questão ambiental foi de tal ordem que alguns dispositivos aí elencados chegam a ser redundantes. Não há dúvida, por exemplo, de que ao atribuir aos entes federativos o dever de proteger o meio ambiente já se abrangeria a preservação das florestas, fauna e flora. Também ao tratar dos bens culturais, que compõe o meio ambiente cultural, a Constituição se valeu de dois incisos que guardam entre si relação de conteúdo para continente. Isso, porém, em nada prejudica a compreensão do assunto, servindo, até mesmo, para evitar divergências que possam surgir sobre a matéria136. Nunca é demais lembrar que a Constituição Federal foi editada no final da década de oitenta, em um momento em que a questão ambiental recebia atenção ainda menor do que a recebida hoje, sendo compreensível o excesso de zelo do constituinte ao tratar do tema em tais dispositivos.

Em se tratando de competência comum, todos os entes federativos podem atuar lado a lado, inexistindo, no texto constitucional, preferência pela atuação de um ou de outro. Entretanto, de modo a evitar conflitos e tornar mais efetiva o exercício dessa competência, o próprio constituinte estabeleceu que “leis complementares fixarão normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional” (art. 23, parágrafo único). Falou-se em leis137, no plural, uma vez que a diversidade de matérias envolvidas entre as competências concorrentes dificultaria que todo esse regramento fosse feito de forma uniforme em uma única lei. Em matéria ambiental, o tema é regido pela Lei Complementar Federal nº. 140, de 8 de dezembro de 2011.

Para finalizar esse tópico, é importante ressaltar que as competências administrativas aqui tratadas não se confundem com as competências legislativas abordadas anteriormente. Aquelas, as legislativas, dizem respeito à distribuição do poder-dever de se elaborar leis, ao passo que essas se relacionam com a implementação de

136 LEITE, José Rubens Morato (Coord.). Manual de Direito Ambiental. São Paulo: Saraiva, 2015. p.

160.

137 A redação original da Constituição falava em lei, no singular, tendo sido alterada pela Emenda

diretrizes, políticas e estratégicas. Assim, em regra, não será nas regras sobre as quais ora tratamos que o Poder Judiciário deverá buscar orientação para a verificação da constitucionalidade formal de uma lei, mas nas regras que dividem a competência legislativa.

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 71-75)