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Legitimidade do controle de constitucionalidade

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 148-151)

6. A LEGITIMIDADE DO CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE E OS

6.1. Legitimidade do controle de constitucionalidade

Várias foram as críticas formuladas contra a legitimidade do controle de constitucionalidade. Dessas, duas em especial merecem ser relembradas em razão da força dos argumentos que carregam e de sua recorrência.

A primeira pauta-se no que doutrina americana convencionou chamar de dificuldade contramajoritária 288 . Essa expressão serve para designar a ideia de que, diferentemente do que ocorre com legisladores e com o Executivo, os magistrados não são em regra eleitos por meio da escolha popular. Assim, não seria razoável aceitar que juízes que não receberam um voto sequer definam o que deve ou não ser lei em determinada sociedade, invalidando atos editados por quem foi democraticamente eleito, sob o argumento de que haveria violação da Constituição. A segunda fundamenta-se na ideia de que o Poder Judiciário e suas decisões, depois de esgotados os recursos previstos no âmbito desse próprio Poder, não estão sujeitos a qualquer controle democrático, uma vez que não podem ser revistas.

Luís Roberto Barroso289 registra que essas e outras críticas vêm sendo contrapostas com argumentos robustos que também merecem ser apresentados. Afirma que o princípio majoritário, não obstante relevante, não pode ser tido como absoluto, sob pena de se permitir violações a direitos fundamentais consagrados nas próprias constituições ou a procedimentos que assegurem a participação livre e igualitária das pessoas no jogo democrático. É por meio da jurisdição constitucional, exercida em parte pelo controle de constitucionalidade, que se pode garantir a realização desses valores. O desempenho dessa função primordial justificaria, assim, a legitimidade desse mecanismo que permite a aparente intromissão do Judiciário em decisões de outros poderes.

Além disso, esse autor arrola uma série de outros argumentos que foram desenvolvidos pela doutrina e vem sendo comumente utilizados na vitoriosa defesa da legitimidade do controle, quais sejam:

- o acolhimento generalizado da jurisdição constitucional representa uma ampliação da atuação do Judiciário, correspondente à busca de um novo equilíbrio de força das funções dos outros dos Poderes no âmbito do Estado moderno;

288

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Controle de constitucionalidade e democracia: algumas teorias e parâmetros de ativismo. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Jurisdição e política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 74.

289BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6. ed. São

- a jurisdição constitucional é um instrumento valioso na superação do déficit de legitimidade dos órgãos públicos eletivos, cuja composição e atuação são muitas vezes desvirtuadas por fatores como o abuso de poder econômico, o uso da máquina administrativa, a manipulação dos meios de comunicação, os grupos de interesse e de pressão, além do sombrio culto pós-moderno à imagem sem conteúdo;

- juízes e tribunais constitucionais são insubstituíveis na tutela e efetivação dos direitos fundamentais, núcleo sobre o qual se assenta o ideal substantivo de democracia;

- a jurisdição constitucional deve assegurar o exercício e desenvolvimento dos procedimentos democráticos, mantendo desobstruídos os canais de comunicação, as possibilidades de alternância de poder e a participação adequada das minorias no processo decisório.290 No momento histórico atual, não há dúvida que os argumentos que justificaram a existência e legitimidade do controle prevaleceram. Tanto é assim que esse mecanismo é encontrado em quase todo o mundo291, ainda que com algumas peculiaridades.

No Brasil, em um primeiro momento, o assunto sequer provocou grandes debates, pois, como visto, desde a Constituição de 1891 o controle na forma difusa e incidental vem expressamente previsto no texto constitucional. Assim, não se teve aqui as mesmas dificuldades enfrentadas nos Estados Unidos, onde a falta de previsão expressa fez dessa ideia uma construção que teve que passar pelo crivo de apaixonadas posições favoráveis e contrárias. Alie-se a isso o fato de que até bem pouco tempo o Poder Judiciário mantinha uma postura mais omissiva do que ativista quando o assunto era o exercício da jurisdição constitucional. E como se não bastasse, é certo que até o fim da ditadura militar sequer fazia sentido discussões envolvendo supostos excessos não democráticos do Judiciário, pois inexistia no Brasil uma autêntica Democracia.

Contudo, nos últimos anos, as discussões em torno da legitimidade do exercício do controle passaram a ganhar força diante da crescente atuação dos tribunais na resolução de questões políticas e sociais relevantes. Questionamentos passaram a

290

BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 79-80.

291

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel. Controle de constitucionalidade e democracia: algumas teorias e parâmetros de ativismo. In: SARMENTO, Daniel (coord.). Jurisdição e política. Rio de Janeiro: Forense, 2015. p. 76.

surgir tanto em relação à aplicação direta da Constituição para resolver tais dilemas como no que diz respeito à forma de se exercitar o controle de constitucionalidade de leis e atos normativos. É o que registram Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza Neto292: “o quadro mudou nos últimos anos, com o crescente ativismo jurisdicional no exercício do controle de constitucionalidade. Nesse contexto, o tema passou a ser objeto de atenção cada vez maior na academia e na sociedade.”

O foco do debate nesse cenário não é a existência do controle em si, que, repita-se, foi expressamente consagrado pela Carta Magna, mas a forma e intensidade em que ele é exercido. Sobre o tema, assim se posicionam os já citados Daniel Sarmento e Cláudio Pereira de Souza:

No Brasil, em que, diferentemente do que ocorre nos Estados Unidos, o controle de constitucionalidade está expressamente previsto em sede constitucional, o debate que tem relevo prático não é aquele concernente à adoção ou rejeição do instituto – afinal, essa questão já foi decidida pelo poder constituinte originário -, mas sim sobre a maneira e intensidade com que os juízes, em geral, e o STF, em particular, devem empregá-lo: de modo mais ousado e ativista; de maneira mais modesta e deferente em relação às opções realizadas pelos poderes políticos; ou de outra forma qualquer.”293

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 148-151)