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Espécies de inconstitucionalidade

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 134-138)

5. O CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO ORDENAMENTO JURÍDICO

5.4. Espécies de inconstitucionalidade

A constituição contém tanto normas que delimitam o conteúdo das leis que serão produzidas, como que regulam a forma de produção dessas. Exemplo da primeira é a previsão contida no art. 225, IV257, no sentido de que o poder público deve exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade. Trata-se de norma que delimita claramente o conteúdo da lei a ser produzida. A partir desse comando, o legislador sabe que a lei deve exigir o estudo em questão para empreendimentos dessa natureza. Se não o fizer, violará a Constituição.

Por outro lado, o art. 22, XXII258, da Constituição, é um típico caso de norma que regula não o conteúdo, mas a forma da produção das leis. Esse dispositivo estabelece que cabe privativamente à União legislar sobre jazidas, minas, outros recursos minerais e metalurgia. Isso significa que, em regra259, Estados, Distrito Federal e Município não poderão editar leis que versem sobre o assunto, independentemente do conteúdo que venham a ter. Veja-se que nesse caso a lei eventualmente editada pode não violar qualquer regra constitucional que verse sobre jazidas, minas e outros recursos minerais, mas mesmo assim será incompatível com a Constituição, pois violará uma norma que regula a produção das leis.

257Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (...) IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

258Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…)XII - jazidas, minas, outros recursos

minerais e metalurgia;

259Exceção a essa regra ocorrerá se for editada lei complementar autorizando os Estados a legislar

Também violarão normas que regulam a produção das leis os atos normativos que resultarem de processos legislativos que desrespeitem as regras procedimentais previstas na Carta Magna. Imagine-se, por exemplo, uma situação em que determinado projeto de lei apresentado na Câmara tenha seu texto aprovado nesta Casa, mas seja alterado pelo Senado, sendo em seguida remetido para sanção presidencial. A rigor, nesse caso, o texto alterado deveria retornar para a Casa de origem antes de ser remetido para sanção presidencial, nos termos previstos no art. 65, parágrafo único, da Lei Fundamntal. Como isso não ocorreu, desrespeitou-se o procedimento nela previsto, sendo a lei resultante inconstitucional.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4757, ajuizada pela Associação Nacional de Servidores do IBAMA, relata-se situação muito semelhante ao exemplo acima. Segundo a autora dessa demanda, no processo de elaboração da Lei Complementar Federal nº. 140, de 8 de dezembro de 2011, que versa sobre o exercício de competência comum dos entes federativos em matéria ambiental, o texto aprovado no Senado teria promovido uma alteração substancial do art. 17, § 3o do projeto que havia sido objeto de deliberação pela Câmara dos Deputados. Não obstante isso, em vez de remeter novamente o projeto a esta casa, esse foi diretamente enviado para sanção presidencial, sendo promulgado e publicado. Se os fatos realmente se deram dessa forma, teríamos aí um exemplo de inconstitucionalidade por violação a normas de produção260.

Com base no tipo de norma constitucional violada, o controle de constitucionalidade pode ser classificado como formal ou material (substancial)261. Ambos são, como visto, relevantes em se tratando do controle de constitucionalidade de leis ambientais e nortearam a organização deste trabalho, razão pela qual vem a calhar sua adequada distinção.

260As manifestações apresentadas em defesa do ato inquinado sustentam que houve mera alteração

redacional, razão pela qual não haveria necessidade de retorno do texto para a Casa de origem. A ação ainda aguarda julgamento.

261 Mauro Cappelletti registra experiências de países que, não obstante admitissem controle de

constitucionalidade, o fizerem exclusivamente sob o aspecto formal (CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado. Tradução de Aroldo Plínio Gonçalves. 2a. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992.p.127) . Não é esse, porém, o caso do Brasil.

Por controle formal entende-se aquele que avalia a violação de normas constitucionais que regulam a competência e o processo de elaboração das leis. No caso de violação às primeiras (regras de competência), há o que a doutrina denomina de inconstitucionalidade orgânica, ao passo que em caso de ofensa às segundas (regras sobre o processo de produção legislativa) estaria a inconstitucionalidade formal propriamente dita. Sobre as diferentes modalidades de inconstitucionalidade formal, leciona Uadi Lammêgo Bulos:

A inconstitucionalidade formal propriamente dita é aquela que contamina o procedimento de elaboração das espécies normativas pela inobservância dos pressupostos técnicos, exigidos para a feitura delas. Por isso, acarreta a nulidade de emendas constitucionais, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. (...) Já a inconstitucionalidade formal orgânica é praticada por órgãos que não detêm a competência constitucional para elaborar certos atos normativos, e, mesmo assim, o fazem. Gera, portanto, vícios de competência.262

Esse mesmo autor identifica ainda uma terceira espécie de inconstitucionalidade formal, que denomina de temporal263. Essa se daria em caso de edição de uma lei durante um período em que isso não fosse possível por força de norma constitucional. Seria caso, por exemplo, de edição de uma emenda constitucional no período em que estivesse decretado intervenção federal, estado de sítio ou estado de defesa, o que violaria o art. 60, §1o264, da Constituição. Trata-se, porém, de hipótese remota e de menor interesse, como ele mesmo reconhece.

Já o controle material (também chamado de substancial ou intrínseco) é aquele realizado por meio da análise da compatibilidade entre o conteúdo da norma e o da Constituição. É o que ensina Clèmerson Mèrlin Clève265: “a inconstitucionalidade material reporta-se ao conteúdo do ato normativo. Importa verificar se ele é compatível com o conteúdo da Constituição. Em não sendo, o ato normativo será materialmente inconstitucional”.

262BULLOS, Uadi Lâmmego. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.144.

263 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p.145.

264Art. 60. (…) § 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de

estado de defesa ou de estado de sítio. (…)

265CLÈVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata da constitucionalidade no direito brasileiro. 2.

O controle material pode ser manifestar de duas formas diferentes: pela incompatibilidade direta entre o conteúdo da lei e o da constituição ou pelo excesso do ato de legislar. A incompatibilidade de conteúdo é mais fácil de verificar. Estará presente sempre que houver previsão em lei contrária à previsão encartada na Constituição. Já a inconstitucionalidade por excesso ou desvio de poder se dará sempre que o Poder Legislativo, apesar de não violar norma expressa da Carta Magna, desviar-se dos fins da Constituição e/ou daqueles por eles declarados. O exercício dessa segunda modalidade de controle é campo especial de atuação dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, como ensina Luís Roberto Barroso:

Diversos autores incluem no estudo da inconstitucionalidade material a questão do desvio ou excesso de poder legislativo, caracterizado pela edição de normas que se afastam abusivamente dos fins constitucionais e/ou dos fins declarados. A ascensão e difusão do princípio da razoabilidade, com sua exigência de adequação entre meio e fim, de necessidade da medida (com a consequente vedação do excesso) e da proporcionalidade em sentido estrito, de certa forma atraiu o tema para seu domínio, tornando-se, na atualidade, um dos principais parâmetros de controle da discricionariedade dos atos do Poder Público.266

Diferentemente do que ocorre no caso do vício formal, que permite a edição de uma nova lei, até mesmo idêntica, desde que se respeite as normas de competência ou processamento, se o vício é material tal procedimento provavelmente resultará no mesmo resultado: o reconhecimento da inconstitucionalidade da lei. Isso porque não se tem nesse caso simples desvios procedimentais, mas autêntica desarmonia entre a o conteúdo do ato resultante do processo legislativo e o conteúdo da Constituição Federal.

A distinção entre inconstitucionalidade formal e material tem como principal função permitir a organização do pensamento e, com isso, auxiliar o intérprete na solução dos casos que lhe forem submetidos. A partir dessa bipartição, pode-se identificar os problemas mais comuns em cada tipo de inconstitucionalidade e os critérios adequados para resolvê-los, como fizemos neste trabalho. Entretanto, é importante frisar que o fato de a norma constitucional violada ser de produção (controle formal)

266BARROSO, Luís Roberto. O Controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 6. ed. São

ou de conteúdo (controle material) não tem diferença quanto à sua consequência. Seja em um caso ou no outro, a lei que a ofender deverá ser declarada nula.

A única mitigação dessa regra apontada pela doutrina267 se daria em caso de conflito entre uma nova Constituição e uma lei que a preceda. Nessa hipótese, havendo incompatibilidade de conteúdo (material), a lei não seria recepcionada. Contudo, se a incompatibilidade for formal, decorrente de alteração da regra de competência ou da espécie normativa adequada para tratar da matéria na nova Constituição, o entendimento majoritário é no sentido de que a lei será considerada recepcionada, passando a se sujeitar à nova forma apenas para suas alterações. Ou seja, apesar da aparente inconstitucionalidade formal, a lei permaneceria no sistema. Mas mesmo nessa aparente exceção a questão não gira em torno do exercício do controle de constitucionalidade, que não se opera sobre leis anteriores à Carta Magna, e sim sobre a verificação ou não da recepção do ato normativo questionado.

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 134-138)