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Leis, enunciados normativos e normas

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 42-46)

2. NORMAS JURÍDICAS, MEIO AMBIENTE E LEIS AMBIENTAIS

2.2. Normas jurídicas

2.2.1. Leis, enunciados normativos e normas

Antes de tratarmos das normas jurídicas propriamente ditas, necessário se fazer uma distinção entre lei, enunciado normativo e norma para que não haja dúvida quanto aos conceitos que estão aqui sendo utilizados. Essa distinção se mostra especialmente importante porque, como bem ressalta Julio de Melo Ribeiro, o controle de constitucionalidade exercido pelo Poder Judiciário recai sobre a norma e não sobre a lei propriamente dita:

(...) não parece haver dúvida de que a norma jurídica é que se submete ao controle de constitucionalidade. Isso porque é a norma, e não o texto, que incide sobre a realidade fática, gerando direitos e obrigações, constituindo e declarando situações jurídicas. No processo de aplicação do Direito, o texto é apenas um ponto de partida. O que se aplica, ao final, é a norma

que se extrai do enunciado linguístico. Daí por que é ela (norma) que deve obediência à Constituição.71

Na mesma linha é o pensamento de Gilmar Ferreira Mendes:

Cumpre observar que o objeto da declaração de nulidade é a norma, isto é, um princípio jurídico geral de conduta, de modo que, a rigor, não existe declaração parcial de nulidade de uma norma, mas declaração parcial de nulidade de uma lei. Se a norma inconstitucional encontrou expressão linguística autônoma na lei, ainda que, através de palavras, fragmentos de uma frase, então se verifica, com a declaração de nulidade, também eliminação do texto correspondente.72

Maria Helena Diniz73 registra que há pelo menos três acepções para a palavra lei. Uma, que ela chama de amplíssima, associa a esse vocábulo quaisquer “normas jurídicas”, sejam elas escritas ou costumeiras. Outra, que ela denomina como ampla, liga a essa palavra qualquer “norma jurídica” escrita, podendo ser ela resultado de manifestação do Poder Legislativo ou mesmo de atos do Poder Executivo. Por fim, há a concepção chamada pela autora de estrita ou técnica, que reserva o signo lei para denotar somente a “norma jurídica” elaborada pelo Poder Legislativo. Ou seja, há uma identificação entre lei e norma jurídica.

Miguel Reale74 esclarece que a palavra lei em si pode ser usada para significar qualquer relação necessária estabelecida entre dois fatos, seja de ordem funcional ou causal. Entretanto, no âmbito do direito, para que o vocábulo seja utilizado em seu sentido técnico, deverá significar uma regra ou conjunto de regras que “introduz algo de novo com caráter obrigatório no sistema jurídico em vigor, disciplinando comportamentos individuais ou atividades públicas”. O conceito, como se vê, se aproxima daquilo que Maria Helena Diniz também classifica como sentido estrito de lei, identificando-a com norma jurídica.

71

RIBEIRO, Júlio de Melo. Controle de constitucionalidade das leis e decisões interpretativas.

Disponível em:

http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/242920/000926873.pdf?sequence=3. Acesso em: 1 ago. 2015.

72MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade na Alemanha (A declaração de nulidade

da lei inconstitucional, a interpretação conforme à Constituição e a declaração de constitucionalidade da lei na jurisprudência da Corte Constitucional alemã̃). Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, v. 193, p. 13-32, jul./set. 1993.

73 DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. Introdução à Teoria Geral

do Direito, à Filosofia do Direito, à Sociologia Jurídica e à Lógica Jurídica. Norma Jurídica e Aplicação do Direito. 23. ed. Saraiva: São Paulo, 2012. p. 307-308.

74

Tércio Sampaio Ferraz Jr. 75, após registrar as dificuldades inerentes à obtenção de uma noção do vocábulo lei, define-o como “todo ato de legislação, realizado pelo poder competente e obedecidos os requisitos do ordenamento”. Entretanto, o autor faz questão de esclarecer que leis e normas não se confundem, ponderando que “a norma é uma prescrição. A lei é a forma de que se reveste a norma ou um conjunto de normas dentro do ordenamento” 76. Vê-se, assim, que diferentemente dos primeiros autores, Ferraz Jr. rejeita a identificação plena entre lei e norma jurídica.

Enunciado normativo, segundo Luís Roberto Barroso77, “corresponde a uma proposição jurídica no papel, a uma expressão linguística, a um discurso prescritivo que se extrai de um ou mais dispositivos”. Entendimento semelhante é perfilhado por Eros Roberto Grau78, para quem o enunciado normativo, que também é referido por ele como texto ou disposição normativa, “é o sinal linguístico”.

Norma, por seu turno, é o resultado do processo de interpretação do enunciado normativo. Sobre o tema, registra Luís Roberto Barroso:

Por isso mesmo a doutrina enfatiza que o texto legislado, ou o enunciado normativo, não se confunde com a norma, que é o produto final da interpretação levada a cabo pelo Judiciário, tanto assim que a partir de um mesmo enunciado podem ser construídas várias normas distintas. É até possível, como acontece no caso aqui em exame, que com o passar do tempo normas diferentes sejam extraídas de um mesmo conjunto de enunciados. Embora a interpretação sempre deva respeito aos limites impostos pelas possibilidades semânticas do texto, a verdade é que apenas após a interpretação judicial será́ possível dizer qual é a norma que o texto realmente produz ou, em outros termos, qual o direito vigente no particular.79

75 FERRAZ JUNIOR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão dominação.

7. ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 200.

76Ibidem, p. 95.

76 Ibidem, p.199.

77 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 217.

78 GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os

princípios). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 38.

79 BARROSO, Luís Roberto. Mudança da Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em Matéria

Tributaria. Segurança Jurídica e Modulação dos efeitos temporais dessas decisões judiciais.

Disponível em: < http://www.luisrobertobarroso.com.br/wp-

Entendimento semelhante é sustentado por Eros Roberto Grau, para quem a norma é o resultado do processo de interpretação que parte do texto (enunciado) normativo, mas nele não se esgota, considerando também a realidade social e o caso a ser solucionado. Ensina o autor:

As disposições, os enunciados, os textos, nada dizem. Passam a dizer algo apenas quando efetivamente convertidos em normas (isto é, quando – através e mediante interpretação) sejam transformados em normas. Por isso, as normas resultam da interpretação, e podemos dizer que elas, enquanto disposições, nada dizem: elas dizem o que os intérpretes dizem que elas dizem.80

Também Humberto Ávilla81 defende essa distinção entre textos e normas, ponderando serem estas “os sentidos construídos a partir da interpretação sistemática de textos normativos”. Esclarece, assim, que não existe correspondência entre norma e dispositivo (texto), podendo haver dispositivo sem norma ou norma sem dispositivo; dispositivo do qual resulta várias normas; norma que resulte da combinação de vários dispositivos; e norma sem suporte em dispositivo.

Essa diferenciação é também defendida com vigor pelo alemão Friedrich Muller, que a tem como uma das pedras de toque de sua teoria estruturante do direito. Nas palavras do autor:

A teoria estruturante do direito não é apenas uma nova concepção – é uma concepção inovadora da teoria do direito. Resulta, pela primeira vez, de um conceito pós-positivista de norma jurídica: a norma jurídica não se encontra já pronta nos textos legais; nestes apenas formas primárias, os textos normativos. A norma só será produzida em cada processo particular de solução jurídica de um caso, em cada decisão judicial.82

Assim, como base nos conceitos acima expostos, tomaremos por lei o produto da atividade legislativa que contenha enunciados (textos) normativos dos quais seja possível extrair normas jurídicas. Esse produto pode ter a forma de lei ordinária, lei complementar, medida provisória, lei delegada ou qualquer outra admitida no ordenamento jurídico pátrio.

80

GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes (a interpretação/aplicação do direito e os princípios). 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p. 39.

81 ÁVILLA, Humberto. Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 4. ed.

São Paulo: Malheiros, 2005. p. 22-23.

82 MÜLLER, Friedrich. Teoria estruturante do direito. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 42-46)