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O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 87-93)

4. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

4.1. A fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente

4.1.4. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito

168

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 242-243.

169 BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito

fundamental na pós-modernidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 23.

170

Não há dúvida quanto ao reconhecimento constitucional do meio ambiente ecologicamente equilibrado como bem a ser tutelado. A Constituição Federal de 1988 não só consagrou sua proteção como lhe dedicou um capítulo próprio, no qual se encontra o art. 225. No entanto, esse fato por si só não é suficiente para consagrá-lo como um direito fundamental, uma vez que nem todos os direitos previstos na carta magna alcançam semelhante status. Como adverte Ney de Barros Bello Filho171, apesar de sua clareza, o art. 225 “pouco diz acerca da natureza jurídica do postulado e das consequências dessa positivação”. Diante disso, cabe ao intérprete verificar a possibilidade de seu enquadramento na categoria dogmática dos direitos fundamentais, do que resulta consequências de extrema relevância que serão abordadas adiante.

Conforme indicado anteriormente (4.1.1.), o próprio Ney de Barros Bello Filho propõe como mecanismo/critério para o enquadramento de um direito como fundamental a realização do teste de formalidade e de materialidade. O primeiro serviria para verificar se a norma em análise figura do rol explícito ou, ainda que potencialmente, de sua decorrência em razão de cláusula aberta. O segundo teria por objetivo, no caso de direitos decorrentes da cláusula aberta, verificar se os critérios materiais nela previstas foram preenchidos.

Como a Constituição Federal consagrou a ideia de cláusula aberta, é fácil verificar que o direito ao meio ambiente equilibrado previsto no art. 225 não tem dificuldade de passar pela verificação do critério formal, cuja avaliação acaba se mostrando dispensável. Assim, a definição recai exclusivamente sobre a averiguação dos critérios materiais trazidos pela cláusula aberta, já que ele não consta expressamente do rol de direitos fundamentais. Essa, como já demonstrado, trata como fundamentais os direitos decorrentes do regime e dos princípios adotados pela Carta Magna, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte (art. 5o, §2o).

171 BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito

Firme nessa premissa, Ney de Barros Bello Filho conclui que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, decorrente do enunciado normativo encartado no art. 225, deve ser entendido como direito fundamental, pois passaria em ambos os testes. Esse direito seria uma decorrência dos princípios constitucionais da liberdade, igualdade e dignidade da pessoa humana. Leciona o autor:

Por esta razão, é possível justificar a natureza fundamental do enunciado normativo do art. 225 da Constituição Federal, admitindo-se que ele expressa uma norma de direito fundamental que assim o é em razão de ser decorrente dos princípios da igualdade, liberdade e dignidade da pessoa humana. O último constante do catálogo de princípios fundamentais da CF/88, e os dois primeiros insertos no texto fora do catálogo de princípios, mas que nem por isso deixam de ser princípios que fundamentam normas jusfundamentais. 172

Semelhante conclusão é compartilhada por vários outros autores, ainda que invocando razões um pouco distintas.

Em trabalho dedicado à prova na jurisdição ambiental, Pery Saraiva Neto173 apresenta quatro razões que justificariam a aceitação do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado como direito fundamental. Em primeiro lugar, valendo-se de uma espécie de critério quantitativo, sinaliza que a questão parece evidente, tantos são os enfoques e mecanismos dedicados pela Constituição Federal à questão ambiental. Em segundo lugar, argumenta que a sadia qualidade de vida é requisito para se alcançar a dignidade da pessoa humana, sendo esta referida como fundamento do Estado Brasileiro. Em terceiro lugar, sustenta que a própria Constituição, em seu art. 5o, §2o, consagrou uma fórmula ampla de direitos fundamentais que abrangem outros não expressamente previstos em seu rol, tendo até mesmo a Convenção da ONU sobre Meio Ambiente de 1972 reconhecido sua essencialidade. Por fim, como quarto argumento, avalia que, considerando-se um conceito amplo e material de direitos humanos, deve-se considerar como fundamentais todos os direitos que servem para garantir o Estado democrático e a dignidade da pessoa humana, caso do direito em questão.

172

BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito fundamental na pós-modernidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 40.

173 SARAIVA NETO, Pery. A prova na jurisdição ambiental. Porto Alegre: Livraria do advogado,

José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala174 também classificam o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental e lastreiam sua conclusão em dois argumentos principais. O primeiro é o de que a leitura global dos diversos preceitos previstos na Constituição de 1988 relacionados à proteção ambiental levariam ao entendimento de que o constituinte consagrou uma política ambiental e um dever jurídico atribuído ao estado. O segundo se pauta na interpretação gramatical do art. 225, que indica que “todos têm direito” para em seguida impor deveres ao Estado e à coletividade. A menção a “direito” nesse enunciado seria mais uma demonstração de que a Constituição conferiu ao direito ao meio ambiente status de direito fundamental.

Romeu Thomé175 segue o mesmo caminho e fundamenta sua conclusão citando outros exemplos de direitos fundamentais que não fazem parte do rol do Título II da Constituição, caso da anterioridade eleitoral e da irretroatividade tributária, e afirmando que a fundamentalidade estaria associada ao fato de todos “repercutirem sobre a estrutura básica do Estado e da sociedade, caracterizando a chamada fundamentalidade material”.

Ingo Wolfgang Sarlet e Tiago Fensterseifer176 também reconhecem o direito de se viver em um ambiente equilibrado como direito fundamental. Sustentam, com esteio em Perez Luño, que o que justificaria sua classificação como tal seria “a incidência direta do ambiente na existência humana (sua transcendência para o seu desenvolvimento ou mesmo possibilidade) ”.

Vladmir de Passos Freitas177 empresta semelhante tratamento a esse direito. Ele ressalta que sua ausência no rol no art. 5o não impede seu reconhecimento e,

174

LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Dano ambiental: do ambiental ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e Prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. p. 92.

175 THOMÉ, Romeu. Manual de direito ambiental.2a ed. Salvador: JusPodivm, 2012. p. 119.

176 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental:

constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 45.

177 FREITAS, Vladmir Passos. A Constituição federal e a efetividade das normas ambientais. São

invocando as lições do já citado Ingo Wolfgang Sarlet, enquadra-o entre os direitos fundamentais de terceira dimensão.

Édis Milaré178 também reconhece a fundamentalidade desse direito, mas não apresenta os argumentos que embasam seu entendimento, afirmando apenas que, como todo direito fundamental, também esse seria indisponível.

Marco Aurélio Mello179 é igualmente categórico a reconhecer o direito ao meio ambiente sadio e equilibrado como direito fundamental. Para ele, esse direito seria “fundado a partir do valor solidariedade” e seria dotado de “altíssimo teor de humanismo e universalidade”.

No mesmo sentido é o posicionamento de Anizio Pires Avião Filho180. Seus argumentos apresentados em defesa desse enquadramento são a própria literalidade do art. 225, que fala em direito de todos, e o fato de que a norma desse artigo vincula todos os Poderes, o que permite o controle jurisdicional da realização do direito.

Em sentido idêntico entendeu o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 3540, ajuizada pelo Procurador-Geral da República em face do art. 4o e §§ 1o a 7o da Lei Federal nº. 4.771, de 15 de setembro de 1965 (Código Florestal). O Tribunal rejeitou a Ação, mas o voto do Ministro- relator Celso de Melo deixou assentado o expresso reconhecimento do direito ao meio ambiente equilibrado como um direito fundamental de terceira geração. Escreveu Sua Excelência:

Todos sabemos que os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem, na concreção de seu alcance, a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de uma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa, que se qualifica por seu caráter de metaindividualidade, consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente

178 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: gestão ambiental em foco. Doutrina. Jurisprudência.

Glossário. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2009. p.156-157.

179 MELLO, Marco Aurélio. Prefácio. In: CLÈVE, Clèmerson Merlin; FREIRE, Alexandre (coord.)

Direitos fundamentais e jurisdição constitucional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 37.

180 GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Direito Fundamental ao Ambiente. Porto Alegre: Livraria do

ecologicamente equilibrado. Trata-se, consoante já proclamou o Supremo Tribunal Federal (RTJ 158/205-206, Rel. Min CELSO DE MELO), com apoio em douta lição expendida por CELSO LAFER (“A reconstrução dos Direitos Humanos, p. 131/132, 1988, Companhia das Letras”.), de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão) (…) (Grifo nosso.)

Sendo praticamente consenso o reconhecimento desse direito como fundamental, pode-se questionar se ele teria dimensão subjetiva e objetiva ou apenas objetiva. As consequências, como já visto, são relevantes, uma vez a inclusão em uma ou outra empresta mais ou menos força a esse direito, mas não impactam de modo relevante o tema central desse trabalho, que é o controle de constitucionalidade das leis ambientais. Isso porque , como visto, o reconhecimento da dimensão objetiva é por si só suficiente para viabilizar a atuação do Judiciário nessa seara..

Ingo Wolfgang Sarlet, Tiago Fensterseifer181, Anizio Pires Gavião Filho182 e Ney de Barros Bello Filho183 enquadram esse direito entre aqueles que possuem dimensão objetiva e subjetiva. Este último faz uma ressalva apenas quanto às gerações futuras. Nesse caso, entende que a norma estaria tratando apenas de interesses juridicamente protegidos, sendo inviável se admitir subjetividade sem sujeito. Assim, no que concerne às futuras gerações, a norma teria dimensão exclusivamente objetiva.184

O reconhecimento de uma dimensão subjetiva a esse direito nos parece acertada se considerarmos uma configuração alargada da categoria dogmática dos direitos subjetivos que admita também a presença de direitos difusos. Isso que nos parece adequado especialmente em um ordenamento como o nosso em que o indivíduo tem instrumentos processuais para defender esse direito difuso e essencialmente indivisível, como é o caso da ação popular.

181 SARLET, Ingo Wolfgang; FENSTERSEIFER, Tiago. Direito constitucional ambiental:

constituição, direitos fundamentais e proteção do ambiente. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 67.

182

GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Direito Fundamental ao Ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 39.

183

BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito fundamental na pós-modernidade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 53.

184

Por tudo o que foi dito, verifica-se que o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado deve ser tratado como um direito fundamental com dimensão objetiva e subjetiva. Apesar de não figurar no rol contido no Título II da Constituição Federal, ele decorre inegavelmente dos princípios consagrados pela Carta Magna, em especial da dignidade da pessoa humana. Há também, como visto, quem o associe a outros princípios como o da liberdade e da igualdade e até mesmo ao fato de repercutir na estrutura básica do Estado e da Sociedade. Trata-se de um típico direito fundamental de terceira geração, como doutrina Norberto Bobbio:

Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata. O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído.185

4.1.5. Os reflexos da compreensão do direito ao meio ambiente ecologicamente

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 87-93)