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Noção de direitos fundamentais e os critérios para sua identificação

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 79-83)

4. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

4.1. A fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente

4.1.1. Noção de direitos fundamentais e os critérios para sua identificação

O surgimento dos direitos fundamentais está intimamente associado às Revoluções Americana e Francesa do século XVIII147. Esses movimentos são fruto da ascensão da

147MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7.

burguesia e do descontentamento com as bases em que se estruturavam o Estado absolutista. Germinou nesse contexto a ideia de que alguns direitos nascem com os indivíduos e precedem o próprio Estado, que não pode restringi-los. Eles seriam fundamentais para a realização do homem como homem. São documentos representativos dos ideais dessa época a Declaração de Direitos de Virgínia (1776) e a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (1789), que arrolam alguns desses direitos como forma de garanti-los.

Para Norberto Bobbio148, a doutrina dos direitos fundamentais nasce de uma inversão de perspectiva ocorrida no período de formação do Estado moderno. Há aí uma transição de um modelo soberano/súdito, com ênfase nos direitos do soberano e deveres dos súditos, para um modelo Estado/cidadão, no qual se sobressai os direitos dos cidadãos. Essa inversão decorreria de uma visão individualista da sociedade, que busca compreendê-la a partir do indivíduo, no que se opõe à concepção orgânica tradicional. Em passagem na qual explicita esse entendimento, Bobbio assim se expressa:

Concepção individualista significa que primeiro vem o indivíduo (o indivíduo singular, deve-se observar), que tem valor em si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo indivíduo e este não é feito pelo Estado; ou melhor, para citar o famoso art. 2o da Declaração de 1798, a conservação dos direitos naturais e imprescindíveis do homem ‘é objetivo de toda associação política’. Nessa inversão da relação entre indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever. Em relação aos indivíduos, doravante, primeiro vêm os direitos, depois os deveres; em relação ao Estado, primeiro os deveres, depois os direitos.149

Do século XVIII até a atualidade, a doutrina aponta o surgimento e consagração de uma série de direitos fundamentais. Tomando em conta essa evolução, convencionou- se dividi-los em gerações, o que ressalta a historicidade a eles associada. Fala-se, assim, em três150, quatro e até cinco gerações151. A primeira está relacionada a direitos associados à preservação de uma esfera de autonomia pessoal e refratária às expansões do Poder. É o caso dos direitos à intimidade, à liberdade de locomoção e à

148

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 4.

149

Ibidem, p. 57.

150

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 205-206.

151

propriedade. A segunda representaria os direitos relacionados à busca por justiça social e igualdade, como é o caso do direito à saúde, à educação ou à melhoria nas condições de trabalho. À terceira geração associa-se direitos não voltados à proteção dos indivíduos, mas a toda a sociedade ou a determinados grupos. Estariam aqui os direitos difusos e coletivos por excelência, como é o caso direito ao meio ambiente equilibrado. A quarta geração, para aqueles que a admitem152, está vinculada à globalização política na esfera da normatividade jurídica, sendo dela representativos o direito à democracia, à informação e ao pluralismo político. Por fim, a quinta e última geração teria como único representante o direito à paz153.

Apesar de a doutrina não vacilar em reconhecer a existência de direitos fundamentais e os classificar de forma detalhada nas categorias indicadas acima, questão fundamental e que permanece muito debatida diz respeito à definição de critérios aptos a qualificar um determinado direito como fundamental, independentemente da geração da qual faça parte. O assunto apresenta interesse prático inquestionável, especialmente para a análise das situações em que o direito em debate não se encontra expressamente classificado como tal pelo ordenamento jurídico, ou seja, que não tenha sido formalmente reconhecido como parte dessa categoria dogmática. É exatamente esse o caso do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado previsto na Constituição Federal, que não consta do rol dos direitos e garantias fundamentais indicado no seu Título II.

Após reconhecer as dificuldades inerentes ao tema, Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes 154 identificam os direitos e garantias fundamentais como as “pretensões que, em cada momento histórico, se descobrem a partir da perspectiva do valor da dignidade humana.” No entanto, os próprios autores reconhecem que essa proposta não resolve o problema da identificação desses direitos de forma definitiva, pois deixa a cargo do interprete definir as pretensões que poderiam ser associadas como exigências desse valor (dignidade da pessoa humana) em determinado momento.

152BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 26. ed. Malheiros: São Paulo, 2011. p. 570-

572.

153 Ibidem, p. 579-594.

154 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7. ed.

Vários autores definem o que entendem por direitos fundamentais, ressaltando em tais definições as características necessárias para que um direito seja assim classificado. Uadi Lammêgo Bulos, por exemplo, define os direitos fundamentais da seguinte forma:

(...) conjunto de normas, princípios, prerrogativas, deveres e institutos, inerentes à soberania popular, que garantem a convivência pacífica, digna, livre e igualitária, independentemente de credo, raça, origem, cor, condição econômica ou status social.155

Como se vê, assim como os já citados Paulo Gustavo Gonet Branco, esse autor também identifica seu fundamento com a proteção da dignidade da pessoa humana.

José Afonso da Silva156 entende por direitos fundamentais do homem “situações jurídicas, objetivas e subjetivas, definidas no direito positivo, em prol da dignidade, igualdade e liberdade da pessoa humana”.

André Ramos Tavares, citando Peces-Barba, apresenta o seguinte conceito de direitos fundamentais:

‘Faculdade de proteção que a norma atribui à pessoa ou que se refere à sua vida, a sua liberdade, à igualdade, a sua participação política ou social, ou a qualquer outro aspecto fundamental que afete o seu desenvolvimento integral como pessoa, em uma comunidade de homens livres, exigindo respeito aos demais homens, dos grupos sociais e do Estado, e com possibilidade de pôr marcha o aparato coativo do Estado em caso de infração.’157

Em trabalho dedicado a investigar a fundamentalidade do direito ao meio ambiente equilibrado, Ney de Bello Barros Filho158 propõe o uso de um teste formal e um teste material para identificação de determinado enunciado normativo como de direito fundamental. Um possível critério puramente formal, alerta, seria identificar como tais apenas os direitos expressamente arrolados no Título II da Constituição de 1988.

155 BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de direito constitucional. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. p. 225. 156 DA SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo.25. ed. São Paulo: Malheiros,

2005. p. 179.

157

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.357

158 BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito

Essa ideia é desde logo afastada por ele porque o próprio texto constitucional a desabona ao indicar que “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte” (art. 5o, §2o)159.

Em razão disso, propõe o autor que para passar pelo teste de formalidade eleito pelo constituinte, um direito fundamental deve estar no rol aí previsto ou decorrer do regime e dos princípios adotados pela Constituição. Caso conste no referido rol, não há que se falar em teste de materialidade, uma vez que a opção pelo reconhecimento de um direito como fundamental já terá sido feita de forma inquestionável pelo constituinte. No entanto, não havendo expressa indicação, faz-se necessário a aplicação do teste de materialidade.

Ainda segundo Ney de Barros Bello Filho, o teste de materialidade “tem relação com a justificação jusfundamental para a decorrência de tal norma do regime ou dos princípios fundamentais”.160 Em outras palavras, a verificação de materialidade se dará sempre que for possível demonstrar que a norma fonte do direito fundamental investigado decorre desses princípios ou do regime escolhido pela Constituição. Adiante nos valeremos desses critérios para exame da fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 79-83)