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Características dos direitos fundamentais

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 83-86)

4. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

4.1. A fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente

4.1.2. Características dos direitos fundamentais

Apesar de reconhecer que inexiste uniformidade nesta temática, a doutrina costuma identificar algumas características que se mostram presentes em alguns direitos fundamentais. As mais comuns são a universalidade, historicidade,

159A previsão não é uma novidade trazida pela Constituição de 1988. A Carta de 1969, forjada em

plena ditadura miliar, já apresentava previsão semelhante no § 36 do art. 153: “a especificação dos direitos e garantias expressos nesta Constituição não exclui outros direitos e garantias decorrentes do regime e dos princípios que ela adota”. No caso da Carta de 1988, o reconhecimento de direitos fundamentais fora do rol taxativo do título II já foi feito pelo Supremo Tribunal Federal em algumas situações. Exemplo disso se deu no julgamento da ADI-MC 939.

160 BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito

inalienabilidade/indisponibilidade, constitucionalização, vinculação dos poderes públicos e aplicabilidade imediata161. A adequada compreensão desses aspectos é relevante, pois daí será possível extrair algumas das consequências decorrentes do reconhecimento do direito ao meio ambiente sadio como um direito fundamental.

Fala-se em universalidade162 para denotar o fato de que a qualidade de ser humano constitui condição suficiente para a titularidade desses direitos. Tal fato não significa que todas as pessoas, independentemente da situação em que se encontrem, sejam titulares de todos os direitos, como bem registra Paulo Gustavo Gonet Branco163. Há situações em que determinado direito se liga a papeis exercidos pelo indivíduo na sociedade, de modo que só aqueles que exerçam tais papeis poderão invocá-los. É o caso, por exemplo, dos direitos voltados aos trabalhadores previstos no art. 7o da Constituição. Quem não desempenha o papel social de trabalhador não poderá invocá- los, não deixando eles, por isso, de serem direitos fundamentais dotados de universalidade.

A historicidade está associada à ideia de que esses direitos são produto do caminhar da sociedade, podendo surgir e desaparecer, o que afasta qualquer conexão ou justificativa de sua existência a partir de princípios de direito natural. Além disso, serve para indicar que a análise do contexto histórico em que surgiram é importante para compreender seu alcance, mas esse pode sofrer influxos do caminhar da história que alterem sua conformação. Sobre a historicidade, leciona Norberto Bobbio:

161MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 7.

ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 210.

162 Apesar de seguir sendo apresentada por parte da doutrina como uma caraterística dos direitos

fundamentais, vale registrar que a concepção universalista desses direitos vem sendo objeto de críticas. Essa ideia, afirma-se, ignora as relevantes diferenças entre os valores morais do Ocidente e do Oriente e tem servido mais à realização de interesses econômicos do que à busca de valores efetivamente comuns aos diferentes povos. Sobre o tema, adverte André Ramos Tavares: “Não obstante essa rala diferença, tanto a teoria da universalidade quanto a da universalização são rechaçadas, quer seja por estudiosos, quer seja, principalmente, pelos países que adotam diferentes direitos e culturas diametralmente opostos, na medida em que almejam uma única e mesma coisa: impor seus valores culturais. A tese de direitos humanos universais seria denotadora, nessa medida, simplesmente, dos ideais morais do Ocidente, em detrimento de uma concepção oriental. (...)Há, como sempre houve, um importante vetor econômico, o qual parece ter motivado, de maneira velada, a maior parte das pretensões universalizantes de expansão” (TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13a ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.370-371)

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Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.164

A inalienabilidade/indisponibilidade refere-se ao fato de que o indivíduo não pode dispor jurídica ou materialmente desse direito, de forma gratuita ou onerosa. Isso não significa que esses direitos não possam ter seu alcance episodicamente restringido em prol de outra finalidade albergada no ordenamento jurídico. O que não se admite é que se abra mão deles de forma ampla, irrestrita e injustificável, já que eles estão associados à própria possibilidade de o ser humano existir como tal.

A ideia de constitucionalização serve para indicar que esses direitos estão consagrados como preceitos de ordem jurídica pela Constituição Federal. Como já visto, por força de expressa previsão contida no art. 5o, §2o, isso pode decorrer tanto de sua indicação no texto constitucional e nos tratados internacionais em que o Brasil seja parte, como decorrer do regime e dos princípios adotados pela Carta Magna. Esse fato traz como principal consequência a vinculação de todos os Poderes a esses direitos.

A vinculação dos poderes, que é uma decorrência da constitucionalização, significa que todos os poderes da república devem respeito aos direitos fundamentais, que se tornam parâmetros de organização do Estado e de limitação desses poderes constituídos. Eles funcionam como um elemento de limitação e de direção, na medida em que impedem que sejam restringidos de forma desarrazoada e indicam que devem ser promovidos. Na verdade, não apenas os poderes estatais, mas até mesmo os particulares são alcançados ou vinculados a esses direitos. É nesse sentido que a doutrina fala em eficácia horizontal dos direitos fundamentais165 e defende que eles têm como finalidade não apenas proteger os indivíduos contra o Estado, mas contra qualquer centro de poder. Sobre o tema, vale registro as lições de Ney de Barros Bello Filho:

164

BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. 9. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004. p. 5.

165TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.

Esta constatação implica a convicção de que os direitos fundamentais na pós-modernidade devem ter a função de proteger os cidadãos não apenas do Estado, mas principalmente de todos os centros que de diversas formas acumulem poder e realizem discursos fortes, cuja tendência seja a subjugação dos fracos.166

Por fim, a aplicabilidade imediata. Esse atributo dos direitos fundamentais expressamente consagrado pelo §1o do art. 5o tem como principal decorrência lógica o fato de que tais direitos independem de outras normas para que possam ser exigidos. Ou seja, independem de interferência do Poder Legislativo para emprestar-lhes o conteúdo necessário para seu exercício. Não obstante essa seja a regra, a doutrina alerta para a existência de situações em que a baixa densidade normativa impede que se identifique um direito subjetivo passível de ser garantido. Nessa direção são os ensinamentos de Paulo Gustavo Gonet Branco e Gilmar Mendes:

Essa característica indicada pela própria Constituição, entretanto, não significa que, sempre, de forma automática, os direitos fundamentais geram direitos subjetivos, concretos e definitivos. Há normas constitucionais, relativas a direitos fundamentais, que, evidentemente, não são autoaplicáveis. Carecem da interposição do legislador para que produzam todos os seus efeitos. As normas que dispõem sobre direitos fundamentais de índole social, usualmente, têm a sua plena eficácia condicionada a uma complementação pelo legislador. É o que acontece, por exemplo, com o direito à educação, como disposto no art. 205 da Lei Maior, ou com o direito ao lazer, de que cuida o art. 6o do Diploma. 167

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 83-86)