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Competências legislativas implícitas

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 75-79)

3. COMPETÊNCIA CONSTITUCIONAL PARA EDIÇÃO DE LEIS AMBIENTAIS

3.4. Competências legislativas implícitas

No contexto aqui tratado, entende-se por competências implícitas o poder implicitamente atribuído a determinado órgão para que possa desempenhar uma tarefa que lhe foi expressamente atribuída. Trata-se de doutrina desenvolvida pelo juiz da Suprema Corte dos Estados Unidos John Marshall138 no caso McCULLOCH v. MARYLAND, no qual justificou possibilidade de atuação da União para legislar sobre determinadas questões mesmo não havendo previsão expressa nesse sentido.

A ideia por trás dessa construção é simples. Se a Constituinte impôs ao ente federativo o dever de atuar para alcançar determinadas finalidades, deve-se entender que também lhe outorgou os meios necessários para tanto. O leading case nessa matéria é, como visto, o caso McCULLOCH v. MARYLAND, no qual a Suprema Corte dos Estados Unidos, seguindo o voto de John Marshall, consagrou essa teoria. Os trechos mais significativos desse voto são os seguintes:

(...) o Congresso, pela Constituição, está investido em determinados poderes, e para seus objetivos, e dentro dos limites desses poderes, é soberano. Mesmo sem o auxilio de uma clausula geral na constituição, autorizando o congresso a editar todas as leis necessárias e adequadas para levar esses poderes à execução, a concessão de poderes, por si só́, necessariamente implica na concessão de todos os meios usuais e adequados para a execução do poder concedido.

(...) o Congresso está autorizado a aprovar todas as leis “necessárias e adequadas” para a execução dos poderes que lhe foram conferidos. Essas palavras “ necessária e adequada ” , em tal instrumento, devem provavelmente ser consideradas como sinônimas. Necessariamente, poderes devem aqui significar os poderes que forem adequados e se ajustem ao objeto; como sendo o melhor e mais útil em relação ao fim proposto. Se não fosse assim, e se o congresso não pudesse utilizar outros meios que não os que fossem absolutamente indispensáveis para a

138TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p.

existência de um poder maior, o governo dificilmente existiria; pelo menos, seria totalmente inadequado aos propósitos da sua formação.139

Diferentemente do que se deu com a Constituição de 1891, a Constituição de 1988 não tratou expressamente da competência implícita, mas isso não tem impedido a doutrina e a jurisprudência de reconhecerem a potencial aplicabilidade dessa doutrina em situações específicas. A ressalva que se faz – e com razão – é que o seu reconhecimento deve se dar partir de cuidadosa análise da Carta de 1988, já que inexiste o que se possa chamar de competências implícitas universais. São nesse sentido as palavras de André Ramos Tavares:

As competências implícitas devem ser reconhecidas a partir do estudo específico da partilha de competências de cada Estado. Não existem competências implícitas universalmente reconhecidas, mas se pode afirmar corretamente que a partir de certas competências expressas, mister se faz reconhecer implicitamente outras, salvo vedação expressa da Constituição ou disposição desta em sentido contrário.140

O mesmo autor adverte141 que o reconhecimento de competências implícitas deve ser feito excepcionalmente, sob pena de se desnaturar o sistema de competências engendrado pelo constituinte. Essa advertência tem especial relevância em um sistema como o brasileiro, que outorgou aos Estados a chamada competência residual (art. 25, § 1º). Assim, na falta de atribuição expressa a outro federativo, a regra é que a competência fique a cargo dos Estados142. Por ser excepcional, a competência implícita “deve ser amplamente justificada a partir de competência expressamente reconhecida pela Constituição, diante de realidade viva, de hipóteses concretas que exigem o reconhecimento de um plus em relação àquilo que foi reconhecidamente admitido”.143

139

MARSHALL, C.J., Opinion of the Court. McCulloch v. Maryland. CORNELL UNIVERSITY

LAW SCHOOL. Disponível em:

<http://www.law.cornell.edu/supct/html/historics/USSC_CR_0017_0316_ZO.html> Acesso em: 10 jan. 2016.

140

TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 907.

141

Ibidem, p.907

142

GAVIÃO FILHO, Anizio Pires. Direito Fundamental ao Ambiente. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005. p. 81.

143

O tema das competências implícitas ganha especial relevo em matéria ambiental porque, como se viu acima, não há plena identidade entre as competências legislativa e administrativa atribuídas a determinados entes federativos. Veja o que se dá no caso do Município. Não obstante tenha recebido ampla competência administrativa para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas e para preservar as florestas, a fauna e a flora (art. 23), o constituinte reservou-lhe competência legislativa limitada à suplementação da legislação federal e à regulação questões de interesse local. Assim, é de se perguntar se o reconhecimento dessa competência administrativa resultaria na aceitação de uma competência ampla para legislar.

Paulo de Bessa Antunes reconhece a existência de interpretações do art. 23 que aparentemente chancelariam a teoria dos poderes implícitos:

Existem, no mínimo, três interpretações possíveis para a norma: (i) o ente federativo dotado de competência para legislar sobre matéria firma convênio com os demais para que eles possam atuar; ou (ii) entende-se que, se a Constituição estabeleceu uma obrigação de cuidado, necessariamente autorizou a produção de normas para que o cuidado pudesse ser exercido; ou (iii) os Estados e Municípios atuam diretamente, sem convênio, aplicando a lei federal. (Grifo nosso.)144

O próprio autor, no entanto, entende que a competência tratada nesse dispositivo “não é legislativa”145. Esse entendimento também foi manifestado pelo então Ministro Joaquim Barbosa, do Supremo Tribunal Federal, em voto proferido na Ação Direita de Inconstitucionalidade no 3.338/DF, ocasião em que Sua Excelência consignou o seguinte:

O art. 23, VI, da Constituição não cuida de competência legislativa, e sim de competência dos entes federados para atuação em certas áreas. Como já entendeu esta Corte, por ocasião do julgamento da ADI 2.142-MC (rel. Min. Moreira Alves), embora tais competências devam ser entendidas de modo que não entrem em choque, de maneira alguma se pode afirmar que elas se confundem.146

144

ANTUNES, Paulo de Bessa. Federalismo e competências ambientais no Brasil. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 68.

145

Ibidem, p. 69.

146

ADI3338, Relator(a): Min. JOAQUIM BARBOSA, Relator(a) p/ Acórdão: Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 31/08/2005, DJe-096 DIVULG 05-09-2007 PUBLIC 06-09-2007 DJ 06- 09-2007 PP-00036 EMENT VOL-02288-02 PP-00249 REPUBLICAÇÃO: DJe-106 DIVULG 20-09- 2007 PUBLIC 21-09-2007 DJ 21-09-2007 PP-00021 RT v. 97, n. 867, 2008, p. 101-109

De fato, parece-nos que, ao menos em matéria ambiental, a Constituição foi exaustiva na distribuição das competências legislativas, não havendo espaço para se sustentar a existência de poderes implícitos de legislar a partir do art. 23 ou de qualquer outro dispositivo. Os espaços reservados para cada ente federativo são aqueles previstos nos arts. 24, 30 e 25, parágrafo primeiro.

Não faria sentido que o constituinte fizesse uma rigorosa repartição de competências entre os entes federativos, instituindo regras específicas para que cada um pudesse identificar sua zona de atuação, para em seguida se ignorar tais regras invocando a teoria dos poderes implícitos. Essa só deve ter espaço quando inexista definição clara no texto constitucional sobre o ente federativo que deve atuar, o que não ocorre em matéria ambiental, como visto ao longo deste capítulo.

De todo modo, ainda que se admita essa possibilidade em alguma remota hipótese, é imperioso que sejam respeitadas cautelas recomendadas pela doutrina e indicadas acima.

4. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 75-79)