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O papel da argumentação na construção da norma adequada e a

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 171-175)

7. INTERPRETAÇÃO E ARGUMENTAÇÃO NO CONTROLE DE

7.4. O papel da argumentação na construção da norma adequada e a

Segundo o Dicionário Houaiss, argumentar é “apresentar fatos, ideias, razões lógicas, provas etc. que comprovem uma afirmação, uma tese”324. No âmbito do direito, a expressão é utilizada em idêntico sentido. Argumentar nada mais é do que fornecer razões para defender determinada conclusão. No âmbito da interpretação e aplicação do direito, é fornecer razões para justificar que a norma extraída para a solução de determinado caso concreto é a mais adequada.

Não se quer com isso dizer que a argumentação tenha exclusivamente essa função prática. Ao tratar do objeto de uma possível teoria da argumentação jurídica, Manuel Atienza325 defende, por exemplo, que essa deve abranger também o estudo das argumentações que se dão nos contextos “da produção ou estabelecimento de normas jurídicas” e “da dogmática jurídica”, onde a argumentação também é fartamente

323 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo.3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 341.

324 GRANDE DICIONÁRIO HOUAISS DA LÍNGUA PORTUGUESA. Disponível em: <

http://houaiss.uol.com.br/busca?palavra=elemento >.> . Acesso em: 3 de ago. 2015.

325 ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. 2. ed. Rio de Janeiro:

utilizada. Entretanto, para o presente trabalho, interessa-nos especificamente os desenvolvimentos da teoria da argumentação voltados para a interpretação e aplicação do direito.

O estudo da argumentação jurídica ganhou força especialmente na segunda metade do século XX, ao lado dos avanços proporcionados pela nova hermenêutica e pela consagração das cláusulas gerais como elemento constante nos enunciados normativos. A abertura proporcionada pelo reconhecimento do papel de protagonismo do intérprete, aliado a enunciados que pouco forneciam para a solução do caso, passaram a exigir mecanismos de controle que evitassem a arbitrariedade. A argumentação veio como um instrumento racionalizador das decisões.

Segundo Luís Roberto Barroso326, a argumentação trabalha com três elementos fundamentais, que devem ser observados por quem a utiliza: a linguagem, as premissas que funcionam como ponto de partida e as regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão. Para ele, o desenvolvimento da argumentação deve se pautar em pelo menos três parâmetros: “i) a necessidade de fundamentação normativa; ii) a necessidade de respeito à integridade do sistema; e iii) o peso (relativo) a ser dado às consequências concretas da decisão”327.

O parâmetro da necessidade de fundamentação normativa significa que o intérprete deve necessariamente buscar apoio nos textos normativos e na dogmática jurídica, abstendo-se de voluntarismos. Não deve ele fundamentar suas conclusões em elementos outros que não jurídicos, como ocorreria, por exemplo, com a invocação de argumentos puramente econômicos, de ideias consagradas pelo senso comum ou com a invocação de um sentido próprio de justiça. O caráter jurídico da argumentação deve prevalecer.

326 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 363.

327

Esse critério aproxima-se daquilo que MacCormick denomina de consistência da decisão em sua teoria da argumentação. Tratando do pensamento desse autor, afirma Manuel Atienza:

Para uma decisão ter sentido com relação ao sistema ela precisa – como já indiquei – satisfazer aos requisitos da consistência e da coerência. Uma decisão satisfaz ao requisito de consistência quando se baseia em premissas normativas, que não entram em contradição com normas estabelecidas de modo válido.328

O segundo parâmetro aponta para o dever de o intérprete em considerar sua decisão não como um corpo isolado flutuando no cosmos normativo, mas como parte de um sistema. Para tanto, essas devem, tanto quanto possível, ser passíveis de universalização e de nova aplicação nos casos futuros que se mostrem semelhantes. Isso não significa que o sistema seja fechado e imune a irrigações externas ou que não possa haver mudanças de entendimento para casos específicos. Isso pode e deve ocorrer, mas tais variações devem ser cuidadosamente justificadas de forma racional e apta ao convencimento do público.

Essa ideia aproxima-se aos conceitos de universalidade e coerência ressaltados por MacCormick em sua teoria da argumentação. Manuel Atienza assim resume a ideia de universalidade:

O requisito da universalidade, como se sabe, também está implícito na justificação dedutiva. Ele exige que, para justificar uma decisão normativa, se conte pelo menos com uma premissa que seja a expressão de uma norma geral ou de um princípio (a premissa maior do silogismo judicial). Evidentemente, quando se justificar uma determinada decisão, d, é preciso oferecer razões particulares, A, B, C a favor dela, mas tais razões particulares não são suficientes; é preciso, além disso um enunciado normativo geral que indique que, ocorrendo as circunstâncias A, B, C, deve-se sempre tomar a decisão de que seja a expressão maior.329

Já o requisito da coerência é assim resumido:

(...) uma série de normas, ou uma norma, é coerente se pode ser subsumida sob uma série de princípios ou de valores que, por sua vez, sejam aceitáveis, no sentido de que configurem – quando tomados conjuntamente

328

ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014. p. 146-147.

329

– uma forma de vida satisfatória. (...) A coerência normativa é um mecanismo de justificação, porque pressupõe a ideia deque o Direito é uma empresa racional; porque está de acordo com a noção de universalidade – como componente da racionalidade na vida prática – ao permitir considerar as normas não isoladamente, mas como conjuntos dotados de sentido; (...)330

O terceiro parâmetro versa sobre a necessidade de o intérprete apurar as potenciais consequências de seu entendimento antes de decidir por um caminho ou outro. Não que ele deva assumir uma postura exclusivamente consequencialista, optando por determinado caminho apenas em razão das potenciais consequências e deixando de lado valores consagrados. O que se deve buscar é um “equilíbrio entre “a prescrição normativa (deontologia), os valores em jogo, (filosofia moral) e os efeitos sobre a realidade (consequencialismo) ”331.

Também aqui encontramos proximidade com o pensamento de MacCormick, que coloca o consequencialismo como elemento central de sua teoria da argumentação. Mais uma vez vale trazer à baila as lições de Manuel Atienza:

Mas, como já vimos, uma decisão – de acordo com MacCormick – precisa ter sentido com relação não apenas ao sistema, mas também ao mundo. E embora MacCormick reconheça que, na justificação de uma decisão em casos difíceis, o que se faz é uma interação entre argumentos a partir de princípios (incluindo-se aqui o uso da analogia) e argumentos consequencialistas, o que é decisivo, na opinião dele, são os argumentos consequencialistas.332

Não basta, no entanto, que o intérprete percorra mentalmente esse caminho e respeite tais parâmetros para uma adequada construção da norma, apresentando ao público apenas o resultado de sua conclusão. É fundamental que todo o caminho percorrido seja explicitado e exposto para que sua racionalidade possa ser controlada. Isso se mostra especialmente relevante quando o processo de construção normativa parte de textos fluidos, de meros reconhecimentos de valores ou fins ou envolva a colisão de princípios ou normas constitucionais que exijam o exercício da ponderação. Sobre a importância da explicitação da interpretação, leciona André Ramos Tavares:

330

Ibidem, p. 147-148.

331 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 367.

332ATIENZA, Manuel. As razões do direito: teoria da argumentação jurídica. 2. ed. Rio de Janeiro:

Contudo, é necessário, aqui, sublinhar a necessidade de que a interpretação seja explicitada pelo Tribunal Constitucional. Ao Tribunal Constitucional é defeso promover uma leitura isolada da Constituição, sem maiores esclarecimentos ou demonstrações. O próprio método utilizado, suas vantagens e as preocupações do Tribunal devem ser, por este, apresentadas no próprio contexto decisório.333

7.5. Dever reforçado de fundamentação racional no controle de

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 171-175)