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Os reflexos da compreensão do direito ao meio ambiente ecologicamente

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 93-96)

4. O DIREITO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE ECOLOGICAMENTE

4.1. A fundamentalidade do direito ao meio ambiente ecologicamente

4.1.5. Os reflexos da compreensão do direito ao meio ambiente ecologicamente

O reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental acarreta uma série de consequências. A primeira delas diz respeito ao fato de que, como é regra nos direitos fundamentais, ele terá aplicabilidade imediata e plena, independentemente da necessidade de atuação de qualquer dos poderes, em especial do Poder Legislativo.

Uma aplicação prática desse entendimento pelo STF pôde ser vista no julgamento de Recurso Extraordinário que discutia a constitucionalidade da chamada “farra do boi”. Discutia-se a violação do art. 225, § 1o, VII, da Constituição Federal, que tem a seguinte redação:

Art. 225. (…)

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: (…)

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (Grifo nosso.)

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Apesar de inexistir a lei referida no dispositivo, a Corte Suprema aplicou-o diretamente para reconhecer a crueldade dessa prática e decretar sua incompatibilidade com a Constituição. O acórdão ficou assim ementado:

COSTUME - MANIFESTAÇÃO CULTURAL - ESTÍMULO - RAZOABILIDADE - PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA - ANIMAIS - CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado "farra do boi"186.

A segunda consequência é a vinculação (também imediata) de todos os Poderes a esse direito, que funciona como um elemento de limitação e de direção, na medida em que impede que seja restringido de forma desarrazoada e indica que deve ser promovido. No sentido de limitação, o direito ao meio ambiente equilibrado funciona como autêntica garantia contramajoritária, atributo típico dos direitos fundamentais, impedindo práticas abusivas do Legislativo que o desnaturem de acordo com a maioria de momento, como argumenta Ney de Barros Bello Filho:

O que diferencia a compreensão do enunciado normativo que protege o bem jurídico ambiente como um enunciado jusfundamental daquelas outras que o tomam como simples norma programática ou como norma meramente dirigente é também seus efeitos que, no caso em questão, jogam como garantias contramajoritárias que impedem o exercício abusivo do Legislativo, e se impõe malgrado a inércia daquele Poder.187

No sentido de direção, passa a obrigar todos os Poderes, seja ele o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, a atuar para obter a maior eficácia e efetividade possível dos direitos e deveres socioambientais, como sustenta Pery Saraiva Neto:

(...) a inclusão do direito ao meio ambiente sadio e equilibrado, no patamar de direito fundamental, importa em atribuir novos encargos ao Estado, na medida em que “o atual perfil constitucional do Estado (socioambiental) de Direito brasileiro, delineado pela Lei Fundamental de 1988, dá forma a um Estado “guardião e amigo” dos direitos fundamentais, estando, portanto, todos os poderes e órgãos estatais vinculados à concretização dos direitos fundamentais, especialmente no que guarda uma direta relação com a

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RE 153531, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902- 02 PP-00388

187 BELLO FILHO, Ney de Barros. Direito ao Ambiente: da compreensão dogmática do direito

dignidade da pessoa humana. Tal perspectiva coloca o Estado brasileiro, além da proibição de interferir no âmbito de proteção de determinado direito fundamental a ponto de violá-lo, também a missão constitucional de promover e garantir em termos prestacionais o desfrute do direito, quando tal se fizer necessário.188

A importância da atuação conjunta dos três Poderes para uma maior eficácia e efetividade na tutela do meio ambiente é também ressaltada por Consuelo Yatsuda Maromizato Yoshida189. Para tanto, fazem-se necessárias edições de leis adequadas, atuação coordenada e eficaz dos órgãos da Administração e “a intervenção do Judiciário, sempre que necessário, para fazer valer as disposições constitucionais e legais de proteção ambiental, quando não observadas espontaneamente, e não suficiente a atuação do poder de polícia administrativa”.

A terceira consequência está diretamente associada ao fato de entendermos ter a norma de direito fundamental em questão tanto uma dimensão objetiva como uma dimensão subjetiva. Essa segunda dimensão assegurará todos os titulares desse direito a possibilidade de obter um provimento judicial para a obtenção de sua satisfação caso ele venha a ser violado.

A quarta e última consequência diz respeito ao fato de que, na condição de direito fundamental, os enunciados normativos que o asseguram passam a ser considerados cláusulas pétreas nos termos do art. 60, §4o, IV, da Constituição Federal190. Logo, não podem ser alterados para que seu âmbito de proteção seja reduzido.

Em suma, tendo o direito ao meio ambiente sido alçado à categoria dos direitos fundamentais pela Constituição Federal, todos os Poderes devem (vinculação) atuar para concretizá-lo imediatamente (aplicação imediata). O Executivo deve fazê-lo por meio da implementação de políticas públicas e o Legislativo pela edição de leis que regulem condutas que possam, efetiva ou potencialmente, impactar o meio ambiente. Tudo isso deve se dar em respeito aos parâmetros fixados na Constituição (dimensão

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NETO, Pery Saraiva. A prova na jurisdição ambiental. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010. p. 39.

189 YOSHIDA, Consuelo Yatsuda Maromizato. Tutela dos interesses difusos e coletivos. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2006. p. 177.

190SARAIVANETO. A prova na jurisdição ambiental. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2010. p.

objetiva). Entretanto, havendo omissão ou má atuação desses Poderes, o Judiciário tem o dever de, sendo provocado, operar a necessária correção, invalidando atos normativos (inclusive emendas constitucionais atentatórias a cláusulas pétreas) e medidas incompatíveis com a Carta Magna (dimensão objetiva) ou determinando que ações sejam tomadas.

Vale ressaltar, como faz Fernando Reverendo Vidal Akaoui, que ao atuar no âmbito do controle de constitucionalidade das leis, o Poder Judiciário inevitavelmente estará tutelando direitos difusos constitucionalmente assegurados, como é o caso do direito ao meio ambiente equilibrado. Essa tutela se mostra especialmente intensa em casos de controle concentrado, na medida em que impede que uma norma ilegal incida sobre determinadas condutas. Leciona o autor:

Sob nossa ótica, portanto, toda tutela da integridade e superioridade da Constituição se traduz numa tutela de interesses difusos e coletivos, porque, ao extirpar do ordenamento jurídico o ato normativo inquinado de inconstitucional, estará o Poder Judiciário beneficiando não apenas um ou alguns indivíduos, mas todos aqueles que estejam sob a esfera de incidência da norma, que, em se tratando de Constituição Federal, são pessoas indeterminadas ou, se determináveis, pertencentes a grupo, categoria ou classe.191

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 93-96)