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O equilíbrio entre os poderes e as potenciais fricções causadas pelo

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 30-33)

1. SEPARAÇÃO DOS PODERES

1.4. O equilíbrio entre os poderes e as potenciais fricções causadas pelo

A manutenção do equilíbrio entre os Poderes constituídos é fundamental para garantir a estabilidade do regime democrático brasileiro e a defesa dos direitos fundamentais50. Tanto é assim que a Constituição erigiu a separação como um dos componentes do seu núcleo essencial, comumente referido como “cláusulas pétreas”. Para tanto, cada um deve manter sua atuação nos limites que lhe são fixados pela Carta Magna. Violações, por menores que sejam, podem prejudicar os relevantes bens jurídicos protegidos por essa engenhosa construção humana.

Um momento de previsível fricção entre Poderes - e potencial fustigação do princípio da separação de poderes - ocorre no controle de constitucionalidade de leis pelo Poder Judiciário. É que, em tais casos, se tem esse Poder avaliando se os atos praticados por outro (Legislativo ou Executivo) respeitaram os limites estabelecidos pela Constituição, como pontua Luís Roberto Barroso:

48 FERREIRA, Antônio Martins. Poder constituinte, federalismo e controle da constitucionalidade de

lei e ato normativo federal ou estadual. Disponível em:

http://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_73/Amauri_Ferreira.pdf. Acesso em: 1 ago. 2015.

49BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. 20. ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p. 159.

A Constituição confere a ele [Poder Judiciário] competência para solucionar os litígios em geral e é disso que se trata. A questão ganha em complexidade, todavia, quando o Judiciário atua em disputas que envolvem a validade de atos estatais ou nas quais o Estado – isto é, outros órgãos de Poder – seja parte. É o que ocorre quando declara inconstitucional a cobrança de um tributo, suspende a execução de uma obra pública por questões ambientais ou determina a um hospital público que realize um tratamento experimental em um paciente que solicitou tal providência em juízo51 (Grifo nosso).

A relação peculiar entre o controle de constitucionalidade e o princípio da separação de poderes também foi observada por Nelson Saldanha, que chega a enxergar aí um verdadeiro atentado contra o esquema clássico da separação:

Cabe mencionar, como área particularmente ligada ao princípio da separação dos poderes dentro da prática constitucional, o problema do controle de constitucionalidade. Trata-se de uma decorrência da supremacia formal das Constituições, e, por outro lado, de um tipo de problema que ocorre com maior frequência dentro do ritmo e do volume das legislações modernas. Qualquer dos sistemas adotados para embasar e cumprir o mencionado controle constitui, porém, no fundo, um pequeno atentado contra o esquema clássico da separação(...)52

É também essa conexão que explica porque alguns países como a França resistem à adoção do controle de constitucionalidade judicial. Segundo Mauro Cappelletti53, a “ideia que está na base de tal exclusão é, principalmente, a da separação dos poderes e a consequente inoportunidade de qualquer interferência do poder judiciário na atividade legislativa das assembleias populares”.

As fricções entre o Legislativo e o Judiciário inerentes ao controle de constitucionalidade podem levar ao aparecimento do fenômeno que André Ramos Tavares denomina de legislador desconfiado. Tal desconfiança se fundamentaria no suposto fato de que o Judiciário, em alguns momentos, age como se fosse um legislador paralelo, autoproclamando-se o direito-dever de, sob o pretexto de exercer o controle de constitucionalidade, rever a justiça ou correção da opção tomada pelo legislativo dentro do seu espaço de conformação. O autor assim descreve esse

51 BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional contemporâneo: os conceitos

fundamentais e a construção do novo modelo. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 418.

52

SALDANHA, Nelson. O Estado moderno e a separação dos poderes. São Paulo: Quartier Latin, 2010. p. 178.

53 CAPPELLETTI, Mauro. O controle judicial de constitucionalidade das leis no direito comparado.

fenômeno:

(...) o legislador pode temer o juiz por estar a magistratura a pretender atuar como um legislador paralelo, numa espécie de revisor universal da justiça das leis e, consequentemente, criador do Direito a ser aplicado. Esse tipo de situação pode originar-se de inclinações ideológicas da magistratura, mas não apenas isso. Pode ser, também, uma espécie de reação da própria magistratura à fraqueza e estagnação legislativas (o que, mesmo assim, não deixará de causar temor aos legisladores) 54.

O legislador desconfiado é muitas vezes uma decorrência do que esse mesmo doutrinador chama de juiz desconfiado55. A desconfiança nesse caso pode decorrer da

inércia do legislador em atuar para garantir direitos constitucionalmente assegurados, obrigando o Judiciário a suprir tais lacunas. Pode também advir da aprovação de leis que claramente não objetivem o interesse público, mas sim o favorecimento de determinados grupos ou até mesmo os próprios legisladores. Ao final, a desconfiança do juiz e do legislador são duas faces de uma mesma moeda e refletem situações de fricção entre poderes.

Parte desse atrito (ou desconfiança) é normal e decorre do simples exercício da função outorgada ao Judiciário pela Constituição. Agindo dentro desses limites, esse Poder em nada prejudica o equilíbrio estabelecido pela separação. Ao contrário, garante sua preservação e promove a estabilidade do Estado e a salvaguarda de valores constitucionais, como ensina Paulo Bonavides:

Não há dúvida de que exercido no interesse dos cidadãos, o controle jurisdicional se compadece melhor com a natureza das Constituições rígidas e sobretudo com o centro de sua inspiração primordial – a garantia da liberdade humana, a salvaguarda da proteção de alguns valores liberais que as sociedades livres reputam inabdicáveis. A introdução do sobredito controle no ordenamento jurídico é coluna de sustentação do Estado de Direito, onde ele se alicerça sobre o formalismo hierárquico das leis.56 Por outro lado, quando, a pretexto de exercer essa função, o Judiciário extrapola os limites constitucionais, coloca em risco o citado equilíbrio e todos os valores por ele garantidos, ofendendo frontalmente o princípio da separação dos poderes. Se isso

54 TAVARES, André Ramos. Paradigmas do Judicialismo Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012. p.

22.

55 Ibidem, p. 15.

acontece, é comum que os demais poderes constituídos ou a própria sociedade civil reajam e ponham em dúvida a credibilidade e legitimidade do órgão jurisdicional, o que resulta na instabilidade do sistema como um todo e atinge a paz e a tranquilidade sempre almejadas pela Sociedade.

Exemplo recente ilustra esses momentos de tensão decorrentes de supostos exageros do Judiciário. Sob a justificativa de tentar conter o excessivo ativismo judicial, a Câmara dos Deputados aprovou, em sua Comissão de Constituição e Justiça, proposta de emenda constitucional57 que pretende submeter determinadas decisões do Supremo Tribunal Federal, exercidas em controle concentrado de constitucionalidade, à chancela do Legislativo para que passassem a ter eficácia vinculante e efeito erga omnes. Medidas dessa natureza sinalizam o incômodo desse poder com os atritos decorrentes da suposta atuação excessiva do Judiciário e os reflexos que podem decorrer dessa fricção58.

No documento João Emmanuel Cordeiro Lima (páginas 30-33)