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reqdos: Associação dos moradores do Quilombo Brejo dos crioulos e outros imóveis: Fazendas Boa vista e Aurora

i – rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

NÉVIO DE FIGUEIREDO NEVES e ANA MARIA TOLENTINO DE FIGUEIREDO ajuizaram AÇÃO DE MA- NUTENÇÃO DE POSSE c/c REPARAÇÃO DE DANOS contra ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO QUILOM- BO BREJO DOS CRIOULOS, FRANCISCO CORDEIRO BARBOSA, vulgo TICÃO, VALDIVINO SILVA, vulgo

VALDIVINO, por si e na condição de presidente e vice-presidente da associação; SENHORINHO FERNANDES e

CIRIACO CARDOSO, ditos membros do MST e conhecidos como JOAQUIM TOCO, CIRIACO, EDIM e/ou AL-

CIDES; JOÃO PINHEIRO DE ABREU, MANOEL PEREIRA DA SILVA, AMELICIA CARDOSO DE OLIVEIRA e

requeridos incertos ou desconhecidos. Dizem-se possuidores dos imóveis rurais Fazendas Boa Vista e Aurora,

com áreas de 484,00 ha e 112,20 ha, respectivamente, em Varzelândia/MG, de cuja posse teriam sido turbados pelos requeridos em 19.10.2004, os quais, derrubando cercas, teriam ocupado parte da fazenda. Destacam que o imóvel cumpre sua função social, porquanto ali desenvolvam atividade pecuária, com um rebanho de 880 reses; mantenham empregados e encontre-se averbada a reserva legal. Pedem, desde a concessão liminar e sem audiência da parte contrária, a ordem de manutenção (f. 02-08). Juntam documentos (f. 09-69).

O Ministério Público é pela emenda à inicial e justificação da posse (f. 73-75).

Citação pessoal e comparecimento espontâneo ao processo (f. 108, 110, 112, 114, 116, 122 e 124, 126-129); citação ficta dos requeridos incertos ou desconhecidos (f. 84, 137-138 e verso).

Visita (f. 132-133) e audiência em 21.12.2004, com homologação de acordo para desocupação em até

19.10.2005, termo final da vistoria do imóvel pelo INCRA, e suspensão do processo (f.126-129). Decorrido o prazo de suspensão, os requerentes reiteram o pedido de concessão liminar (f. 147).

O Ministério Público se põe, sucessivamente, pela extinção do processo sem julgamento de mérito, por inépcia

da inicial; determinação de emenda à exordial e indeferimento da concessão liminar (f. 149-156).

O INCRA informa, em 19.01.2006, a medição do imóvel (f. 160-161).

Rejeição das alegações de vício no processo, suscitada pelo Ministério Público, e indeferimento da concessão liminar (f. 163 e verso).

Os requeridos nominados são revéis. Contestação, pelo Curador Especial nomeado (f. 163v) aos requeridos incertos ou desconhecidos, revéis citados por edital. Alegam inexistência de posse anterior; inserção da área ocupada em terras per- tencentes a comunidades de quilombolas; descumprimento da função social; exercício de posse por si, requeridos, dando destinação social à propriedade; direito subjetivo às condições mínimas de vida digna e à proteção dos elementos culturais afro-brasileiros das coletividades remanescentes de antigos quilombos. No mais, contestam por negativa geral (f. 169-177).

Impugnação (f. 181-182).

O INCRA informa, em 19.06.2006, não haver vistoriado o imóvel (f.188).

Instados a fundamentar o pedido de provas (f. 192), os requerentes nada manifestaram (f.192v), incidindo a san- ção de indeferimento expressamente cominada (f. 193). Os requeridos não especificaram provas.

O M.P. é pela improcedência do pedido (f. 194-200). É o relatório.

ii – FuNDAmENtAção

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3 – o cASo NA ESpEciAliDADE

Estabelecidas as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade.

1 – De início, consigno que, na espécie, a revelia dos requeridos nominados não induz os respectivos efeitos

materiais, haja vista o oferecimento de contestação pelo Curador Especial nomeado aos litisconsortes necessários. Aqui se pleiteia a proteção à posse dos imóveis rurais Fazenda Boa Vista, em São João da Ponte/MG, e Fazenda

Aurora, em Varzelândia/MG. Depreende-se do conjunto probatório que os requeridos se encontram nas proximida-

des de lagoa existente na Fazenda Aurora (f. 12-13, 15, 130, 132-133 e 161).

O esbulho vem relatado pela autoridade policial no boletim de ocorrência lavrado em 19.10.04: “Diante da solicitação, comparecemos à Fazenda Aurora, onde constatamos a invasão e fomos informados pelos invasores que os mesmos pertencem aos quilombolas e que são os mesmos que saíram da Fazenda de Raul A. Lerário por ordem judicial e invadiram o lo- cal posteriormente. No local, verificamos aproximadamente 150 pessoas, entre homens mulheres e crianças e aproximadamente 50 barracas de lona e palha” (negrejei – f. 12-13).

Não é certa, nos autos, a data da invasão. Contudo, é de conhecimento geral, ante a publicidade dos processos, e deste juízo, em particular, que a ordem de desocupação de imóvel vizinho à Fazenda Aurora, referido no boletim de ocorrência, foi proferida em 06.05.2004 e cumprida em 15.09.2004 (proc. no 0024.04.334.044-7), corroborando a alegação de esbulho.

2 – Porém, no tocante aos atributos constitucionais da posse, a prova dos autos vai de encontro à pretensão

dos requerentes. Mesmo em sede de cognição sumária, por ocasião da apreciação do pedido liminar, os requerentes já não lograram demonstrar bastante o exercício de posse em cumprimento à função social. Àquela oportunidade, consignou o então Juiz oficiante:

“Até aqui, inexiste nos autos comprovação efetiva do cumprimento da função social da posse que se afirma exercida sobre o imóvel” (f. 163 v).

Olvidando-se de que a ordem jurídica já não mais tutela a posse clássica, apartada da função social, os requeren- tes, no decorrer do processo, descuraram de inovar o conjunto probatório, que ficou restrito aos documentos que arrimam a inicial. Causa mesmo perplexidade o fato de os requerentes deixarem passar em branco a oportunidade de acrescer elementos de cognição necessários à formação do juízo de convencimento da legitimidade de sua pretensão, depois de pôr em marcha a dispendiosa máquina do Poder Judiciário, submetendo-lhe à apreciação fatos que, em tese, quebrantam a ordem jurídica.

Ora, a insubsistência da prova da função social, mesmo em sede de cognição sumária, ensejou a decisão – irre- corrida – de indeferimento da concessão liminar; agora, quando da entrega da prestação jurisdicional definitiva, o fato de permanecer inalterado o raso conjunto probatório obsta, de modo intransponível, o aprofundamento da

cognição, imprescindível à formação do juízo de certeza que se exige nesta fase do processo.

Assim, cumpria aos requerentes demonstrar que o imóvel invadido é explorado de modo racional e adequado, com utilização correta dos recursos naturais, preservação do meio ambiente e observância das normas de regência das relações de trabalho, de modo a trazer bem-estar a quantos circulem naquele microcosmo social.

Contudo, consta da declaração de produtor rural que instrui a inicial que na Fazenda Aurora, onde efetivamente se encontram os requeridos, não se exerce qualquer tipo de atividade econômica, seja pecuária, seja agrícola, ine- xistindo ali animais apascentados e área plantada ou colhida (f. 32).

Note-se que, muito embora a posse lhe tenha sido formalmente transferida em 1989 (f. 16-17), o requerente só cuidou de se cadastrar como produtor rural depois da ocupação, em 26.10.2004. E, de modo sintomático, quando da inscrição, declarou que a Fazenda Aurora “está toda em mata, constituindo-se em reserva legal” (f. 31-32), como que para escusar o não-aproveitamento. Muito embora os requerentes sustentem a anterior averbação do imóvel como reserva legal (f. 3, item I), nada carrearam aos autos bastante a comprovar a alegação.

Destarte, a declaração – unilateral e não corroborada por outras provas – de que o imóvel se erige em reserva

legal é insuficiente, por si só, a legitimar a concessão da tutela possessória. Com efeito, a satisfação do requisito ambiental da função social requer se demonstre a prática de ações positivas de uma posse especial, orientada à pre-

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preservação permanente e outros atos semelhantes, que revelem um inequívoco cuidado com o meio ambiente, para além da tão-só enunciação de constituição formal da integralidade do imóvel em reserva legal, isolada atrás de cercas e porteiras fechadas. Inexistente a prova, no caso, forçoso concluir que os requerentes não demonstram sequer o exercício da posse civil clássica sobre a Fazenda Aurora.

De mesma sorte, relativamente à Fazenda Boa Vista, tanto a declaração de produtor rural (f. 33-34) quanto o

cartão de controle sanitário (f. 28) só foram confeccionados depois de invadido o imóvel. Considerando o caráter

de trato sucessivo da obrigação de cumprir a função social, na solução do conflito coletivo possessório importa a qualidade da posse que se exerça no período imediatamente anterior à ocupação. Nessa linha de raciocínio, conclui-se que os requerentes tampouco se desincumbem do ônus de comprovar o aproveitamento racional e ade-

quado da Fazenda Boa Vista, no período anterior próximo à invasão.

Demais disso, o imóvel situado em São João da Ponte (Fazenda Boa Vista), confessadamente, não tem área de

reserva legal. A legislação específica autoriza a recomposição da reserva, mediante aquisição de gleba contígua

ou compensação por outra área pertencente ao mesmo ecossistema e localizada na mesma micro-bacia (art. 17,

III e IV da Lei 14.309/02). Tais procedimentos de recomposição, contudo, não prescindem da estrita observância

das normas impostas pela autoridade competente, vez que já pressupõem o prejuízo ambiental da tão-só inexis- tência de reserva legal no imóvel. Assim, ficam condicionados à vistoria e aprovação do Instituto Estadual de Florestas, conforme critérios estabelecidos em regulamento próprio. Nada há nos autos que sinalize a adequação da eleição voluntária da Fazenda Aurora como área de reserva legal da Fazenda Boa Vista e tampouco a aprovação desse procedimento pelo órgão competente.

Insuficiente, pois, a prova do cumprimento da função social nos aspectos econômico e ambiental.

3 – A função social da propriedade repercute o valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do

Brasil e, de modo específico, da ordem econômica (art. 1o, V e art. 170, ambos da C.R.F.B./88).

Dentro da lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas coletivamente, de modo compartilhado com os carentes de trabalho.

Por óbvio, o imóvel que não se utiliza como fator de produção tampouco se habilitará à geração de trabalho e

emprego, à distribuição de renda ou ao favorecimento da saúde, educação e lazer (bem-estar) de quantos circulem

naquele microcosmo social.

No caso, ausente já o antecedente lógico do aproveitamento econômico adequado da Fazenda Aurora, onde de fato se encontram os requeridos, também não resta provado o exercício de posse orientada à satisfação do elemen-

to social (observância das normas que regulam as relações de trabalho e exploração que favoreça o bem-estar dos

proprietários e trabalhadores rurais), em reforço da convicção de abandono do imóvel.

É certo que há nos autos comprovante de pagamento de salário a empregado da Fazenda Boa Vista (f. 35-57). Contudo, a concessão da tutela possessória não se compraz com meros indícios de satisfação isolada de um dos requisitos da função social, que o legislador constituinte quis cumulativos.

4 – Não sendo de se acolher o pedido de tutela possessória, prejudicado o pedido de reparação de danos, for-

mulado em cumulação sucessiva eventual.

iii - DiSpoSitivo

POSTO ISSO, e considerando o mais quanto dos autos consta, JULGO IMPROCEDENTE O PEDIDO AVIADO NA INICIAL POR NÉVIO DE FIGUEIREDO NEVES e ANA MARIA TOLENTINO DE FIGUEI- REDO contra ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES DO QUILOMBO BREJO DOS CRIOULOS, FRANCISCO CORDEIRO BARBOSA, VALDIVINO SILVA, SENHORINHO FERNANDES, CIRIACO CARDOSO, JOÃO PINHEIRO DE ABREU, MANOEL PEREIRA DA SILVA, AMELICIA CARDOSO DE OLIVEIRA e requeridos incertos ou desconhecidos.

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Condeno os requerentes nas custas processuais, além de suportar honorários de R$800,00 (oitocentos reais)

devidos ao Advogado e ao Curador Especial, na proporção de ¼ (um quarto) e ¾ (três quartos), respectivamente, tendo em conta o comprido tempo do processo, a relevância da causa, que trata de um sério conflito social de

proporção considerável, e a atuação de cada profissional no feito, aquele, sem contestar nem produzir provas, e

este, pelo exercício zeloso do munus da Curadoria Especial (art. 20, §§ 4O e 3O do C.P.C.).

Altere-se a classe da ação para REINTEGRAÇÃO DE POSSE e anote-se a prioridade na tramitação (art. 71 da

Lei no 10.741/ 2003).

Transitada em julgado, arquivar, com baixa. P.R.I.C..

Belo Horizonte, 19 de outubro de 2007. (Publicação Minas Gerais, 25.10.2007) Osvaldo Oliveira Araújo Firmo

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comarca de Belo Horizonte

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