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requerente: marcos de oliveira martins e outro requerido: José vicente de oliveira e outros

imóvel: Fazenda paraíso

i – rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

MARCOS DE OLIVEIRA MARTINS e ESPÓLIO DE ÁUREA PEREIRA MARTINS, devidamente representado

por seu inventariante (f. 08), ajuizaram AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE contra JOSÉ VICENTE DE OLI-

VEIRA, GUSTAVO MARCELO ALVES e requeridos incertos ou desconhecidos. Dizem-se possuidores do imóvel

rural Fazenda Paraíso, em Uberlândia/MG, com área total de 603,70 ha, constituído das matrículas nos 6.591, 12.872, 26.060 e 26.071, de cuja posse teriam sido esbulhados pelos requeridos em 29.05.2006, os quais, arrom- bando o cadeado da entrada, teriam ocupado parte da fazenda e devastado área de reserva legal. Destacam que o imó- vel foi classificado pelo INCRA como propriedade produtiva, porquanto ali desenvolvam atividade agropecuária, com plantações de soja, milho e outros cereais, além da criação de gado, direta e indiretamente por meio de contrato de parceria agrícola. Pedem, desde a concessão liminar e sem audiência da parte contrária, a ordem de reintegração (f. 02-06). Juntam documentos (f. 07-59).

Ofício do 32o Batalhão de Polícia Militar – Uberlândia-MG, encaminhando “Relatório” de visita feita à Fazenda Paraíso, em 05.06.2006 (f. 62-64).

Com o deferimento da liminar (f. 62-64), o Ministério Público interpôs Agravo de Instrumento (f. 94-117), ao qual foi negado provimento (f. 203-218).

A P.M.M.G. relata furto e ameaça aos requerentes, praticados pelos requeridos (f. 88-90).

Os requerentes informam a celebração de acordo com os requeridos para desocupação “amigável”, com a devo- lução dos bens furtados (f. 125-127).

A P.M.M.G. informa a desocupação pacífica do imóvel (f. 146 e 154).

Citação ficta (f. 84 e 166-168).

Contestação, por negativa geral, pelo Curador Especial nomeado (f. 184) aos requeridos, revéis citados por

edital (f. 188-190).

Impugnação (f. 194-195).

Da ordem de comprovação do exercício de posse qualificada pelos requisitos constitucionais da função social decisão (f. 198-202), foi interposto Agravo de Instrumento (f. 299-314).

O INCRA informa, em 10.05.2007, que não há procedimento administrativo de vistoria da Fazenda Paraíso, e que, “pelo Sistema de Informações Rurais o imóvel está enquadrado como grande propriedade produtiva” (f. 317 – grifo nosso).

Audiência em 28.08.2007, ouvidas 02 (duas) testemunhas (f. 366-370).

Memoriais finais, pelos requeridos (f. 373) e pelos requerentes (f. 386-390). O Ministério Público é pela im- procedência do pedido (f. 374-385).

É o relatório.

ii – FuNDAmENtAção

* (...) *

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Estabelecidas as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade.

1 – O esbulho possessório vem relatado pela autoridade policial no boletim de ocorrência, ali constando que “em

conversa com dois dos líderes (...) a invasão se deu por volta das 20:00hs da data de ontem” (f. 34-36), e, no “Relatório – Conflito Agrário” (f. 63-64) no qual consta a existência de “250 (duzentas e cinqüenta) famílias”, além das fotos anexadas (f. 65-76).

Lado outro, de nenhuma forma foi contestado o fato do esbulho, sendo de reconhecê-lo por incontroverso.

2 – No tocante ao aproveitamento racional e adequado da propriedade, acompanham a inicial fotografias,

não impugnadas, de rebanho bovino apascentado no imóvel e de áreas de pastagens formadas (f. 39, 42-43, 50-53 e 56). Os contratos de parceria agrícola de f. 17-24 demonstram que eram desenvolvidas culturas de cereais em

217,8 ha da Fazenda Paraíso.

Consta do relatório produzido pela P.M.M.G. que “1) a área de produtos vegetais tem sido cultivada com soja em anos anteriores pelo proprietário, no último ano agrícola sob arrendamento, conforme contratos com Sr. Ednei Forner (108,9 ha) e Sr. Norberto Forner (108,9 ha). (Cópias anexas). A safra foi colhida no mês passado de maio e depositada. Outra parte foi plantada em semente de capim. 2) A área de pastagens é utilizada em parte pelo proprietário Sr. Marcos Oliveira Martins que cria gado leiteiro. Outra parte vinha sendo arrendada pelo Sr. Marco Paulo Teixeira de Paiva, produtor rural vizinho, que ali mantinha 205 (duzentas e cinco) cabeças empastadas. Com a invasão, o arrendatário retirou o seu gado, receoso de prejuízo, por se tratar de gado selecionado. 3) Existem ainda suínos e cavalos” (f. 63-64).

O contrato de abertura de crédito fixo – FINAME, acostado às f. 245-250 dos autos, para a aquisição de plantadeira, adubadeira, plana carregadeira e carreta distribuidora de calcário e adubo, evidencia investimentos em produção agrícola.

As notas fiscais e demonstrativos de depósito (f. 251-287) referentes às safras de soja no biênio 2005-2006 revelam intensa atividade agrícola na Fazenda Paraíso.

A Ficha “Visi Record” fornecida pelo Instituto Mineiro de Agropecuária – IMA (f. 225-226), embora desatualizada com relação à “população existente de bovinos”, como alerta o Ministério Público (f. 374-385), retrata a quantidade de bovinos vacinados contra a febre aftosa no interregno de fev./2000 a nov./2006, sendo que, neste último ano, foram vacinadas 89 (oitenta e nove) reses.

Aduz o Ministério Público a “inexpressiva atividade pecuária”, o subaproveitamento da área utilizável do imóvel rural objeto da lide e a inaptidão dos depoimentos das testemunhas para comprovar a adequação da atividade pecu- ária ao tamanho do imóvel (f. 374-385). Contudo, o conjunto probatório é robusto o suficiente a formar convicção contrária, data venia, revelando a presença de tais elementos à saciedade. Senão, vejamos:

As testemunhas MARCO PAULO TEIXEIRA PAIVA e SÍLVIO SORNA asseveram a existência de contrato de arrendamento rural antes do esbulho, bem como a adequada exploração da área aproveitável:

“o depoente já mantinha contrato de aluguel com o autor da ação desde dois anos antes da invasão (...). Além do gado que o depoente mantinha na área, em torno de 240 (duzentos e quarenta), também na fazenda havia produção de soja por um gaúcho (...). Quando da invasão o depoente visitou o local e, apesar de não ter sido exigido pelos invasores, resolveu retirar seu gado do local, tendo de alugar outro pasto para apascentar (...). Acredita que alugasse mais de 200 (duzentos) hectares, aproximada- mente, e, na seca, o gaúcho cedia alguma área de lavoura colhida” (MARCO PAULO TEIXEIRA – f. 367-368).

“Quando da invasão, havia na fazenda cultura de soja e aluguel de pasto para gado de corte. Também o Sr. Marcos mantinha algumas cabeças de gado de leite (...). Marcos Paulo era um que alugava pasto (...). A fazenda dos autores tem aproximadamente 126 (cento e vinte seis) alqueires. Acredita que explorava-se 50 (cinqüenta) alqueires com soja. O restante da área era utilizada com o gado, seja de corte, seja de leite. Tudo isso, descontada a área de preservação legal” (SÍLVIO SORNA – f. 369-370).

Ora, não é da essência dos contratos agrários a forma escrita, nem necessária a produção de prova documen-

tal para atestar a sua existência. Ao revés, tais contratos podem estabelecer-se também pela forma verbal ou mesmo

tácita, a provam-se por testemunhas, quaisquer que sejam o seu valor ou forma (art. 92, § 8o do Estatuto da Terra

c/c arts. 11 e 14 do Decreto no 59.566/66).

Há ainda nos autos comprovantes de rendimentos com o comércio de leite, embora em pequena escala, a com- provar a criação de gado leiteiro pelo primeiro requerente (f. 288-289).

Além, consta do Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR (f. 25) e do ofício expedido pelo INCRA (f. 317), que a propriedade foi classificada como produtiva.

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Resta suficientemente demonstrado, pois, o exercício de atividade econômica sustentável no imóvel.

3 – Há nos autos indícios da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

As áreas de reserva legal, averbadas à margem das matrículas imobiliárias que compõem a Fazenda Paraíso, to- talizam 177,53 ha, correspondendo a 30% (trinta por cento) da área total do imóvel, percentual superior ao exigido pela legislação ambiental (art. 16, §2o da Lei no 4.771/65) (f. 227-238).

O depoimento de MARCO PAULO TEIXEIRA PAIVA evidencia a preocupação com a proteção ao meio ambiente, sobre- tudo quanto à preservação das nascentes e das matas ciliares:

“(...) próxima ao pasto ocupado pelo depoente, havia uma área de reserva legal. Tem conhecimento de que, na fazenda, existe nascente d’água, e sabe dizer que, próximo, numa represa, há mata ciliar “ (f. 367).

As provas documental e testemunhal sinalizam, pois, o bastante cumprimento da dimensão ambiental da função social, além do que a matéria não foi eficientemente apreciada em contraprova pelos requeridos a sobreviver ao contraditório.

4 – A par de racional e adequada, a exploração econômica não gera conflitos e tensões sociais no imóvel,

conforme se extrai da certidão negativa fornecida pela Justiça do Trabalho (f. 242). As fotografias, não impugnadas, que acompanham a inicial (f. 37-58), revelam que o imóvel é dotado de casa de colono e rede de energia elétrica, atendendo às necessidades básicas do trabalhador.

Ademais, dos testemunhos, respectivamente, de MARCO PAULO TEIXEIRA PAIVA e SÍLVIO SORNA temos que “até a data da invasão, o depoente desconhece a existência de qualquer conflito dos proprietários com quem quer que seja naquela área” (f. 367-368) e, “antes da invasão, na fazenda dos autores nunca houvera qualquer problema de conflito no local” (f.369-370).

Também não há indícios de que ali se exerçam atividades periculosas, penosas ou insalubres, em risco à in-

tegridade física e psíquica de quantos circulem naquele microcosmo social, mostrando-se favorecedora da saúde, educação e lazer dos proprietários, empregados, vizinhos.

Além, a matéria não foi eficientemente apreciada em contraprova pelos requeridos a sobreviver ao contraditório.

5 – No cumprimento da função social, é requisito necessário, embora insuficiente, a observância das disposições

de regência nas relações de trabalho (art. 186, III da C.R.F.B./88).

O Ministério Público, sustentando o inadimplemento dos requerentes com relação às obrigações previdenci-

árias alusivas ao único trabalhador que, formalmente, presta serviços na Fazenda Paraíso, e, ante o fato de que,

somente após o ajuizamento desta ação, ter sido realizado o registro dele, pugna pelo indeferimento do pedido, por, no ponto, descumprida a função social (f. 374-385).

Recomenda-se que, desde a peça de ingresso, seja comprovado o atendimento do cumprimento da função social, na medida do possível (razoável), e sem prejuízo do que será apurado no correr da instrução do feito.

Certo é que, o pedido de reintegração de posse veio despido de provas no tocante ao cumprimento da função social com relação à observância das disposições trabalhistas.

Entretanto, atentos aos atributos constitucionais da posse, os requerentes, no decorrer do processo, diligen- ciaram em inovar o conjunto probatório, acrescendo elementos de cognição necessários à formação do juízo de convencimento da legitimidade de sua pretensão.

Quando da fase de instrução, os requerentes trouxeram aos autos documentos que evidenciam o cumprimento da função social em seus aspectos econômico, ambiental e social (f. 222-297). Entre eles, consta o registro e a

carteira de trabalho do empregado ADAIR TEODORO (f. 239-241).

Indubitável que tal registro e anotação na CTPS foram feitos em momento posterior ao ajuizamento da ação (01.07.2006). Todavia, não podemos desconsiderar a relevância destes registros, ainda que tardios, não só com rela- ção ao cumprimento da função social, mas também, com relação ao aspecto da dignidade, baseada na respeitabilida- de do ser humano, reconhecendo ao trabalhador os direitos sociais decorrentes da relação de emprego.

O valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil e, de modo específico, da ordem

econômica (art. 1o, V e art. 170 da C.R.F.B./88), repercute na função social da propriedade, razão por que, no cum-

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Entretanto, o instituto da função social não foi desenvolvido para perseguir, nem sancionar, ou mesmo coagir os proprietários/possuidores de imóvel rural; ao contrário, o seu objetivo é o de proporcionar um bem-estar geral,

conscientizando os proprietários/possuidores a promoverem um adequado e eficiente aproveitamento do imóvel rural, nos seus elementos econômico, ambiental e social, sendo, pois, obrigação de trato sucessivo.

Na dicção do direito, deve o julgador atentar sobretudo aos efeitos concretos que os valores eleitos pelo sistema produzirão na composição dos litígios, em detrimento da valoração genérica e abstrata ínsita à norma.

Assim, dentro da lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas

coletivamente, de modo compartilhado com aqueles que carecem de trabalho.

No caso concreto, verificada a existência de um único trabalhador dos requerentes no imóvel, foram trazidos aos autos os documentos relativos ao cumprimento das disposições trabalhista, ao menos em seu aspecto formal.

Aqui como aquém, a matéria não foi eficientemente apreciada em contraprova pelos requeridos a sobreviver ao contraditório. O legislador constituinte dispôs que a função social da propriedade rural cumpre-se segundo graus e critérios

estabelecidos em lei (art. 186). O espectro dos bens sociais valorados como indicadores do cumprimento da função

social admite, pois, gradação e escalonamento, sempre sob a ótica da razoabilidade e da proporcionalidade. Na solução dos conflitos, o julgador renunciará a um grau absoluto de certeza, sob pena de infligir às partes

ônus probatório desproporcional e inatingível, em prejuízo da justiça da decisão.

6 – Assim, suficientemente atendidos todos os requisitos da função social, não há razoabilidade em se negar

a tutela possessória aos requerentes, a modo de verdadeira pena por suposta inobservância de específica norma trabalhista ao tempo do esbulho. No deslinde de causa dessa natureza, rejeita-se o rigor do esquadrinhamento

microscópico dos requisitos constitucionais da função social, sob pena de banalizar-se questão tão relevante quanto

a da perda da posse imobiliária.

As lides de alta densidade social, como soem ser as possessórias coletivas, requerem sensibilidade bastante do Poder Judiciário, na pena do julgador, de modo a perceber que a solução do conflito, já a tal distância no tempo, deve cuidar de não reverter o delicado equilíbrio em que os fatos se acomodaram no decorrer do processo. Com- pete ao julgador, na aplicação do direito, orientar-se sempre pelo princípio da estabilidade social, de modo a evitar a perpetuação ou, o que seria pior, a ressurreição do conflito.

iii - DiSpoSitivo

POSTO ISSO, e considerando o mais quanto dos autos consta, JULGO PROCEDENTE O PEDIDO AVIADO NA INICIAL POR MARCOS DE OLIVEIRA MARTINS e ESPÓLIO DE ÁUREA PEREIRA MARTINS contra JOSÉ VICENTE DE OLIVEIRA, GUSTAVO MARCELO ALVES e requeridos INCERTOS ou DESCONHECIDOS, TOR- NANDO DEFINITIVA A LIMINAR CONCEDIDA.

Condeno os requeridos nas custas processuais, além de suportar honorários de R$400,00 (quatrocentos reais)

devidos aos Advogados dos requerentes, tendo em conta o razoável tempo do serviço, a relevância da causa, que trata de um sério conflito social de proporção considerável, e a relativa simplicidade do feito, contestado por negativa geral.

Transitada em julgado, arquivar, com baixa.

Oficie-se ao Desembargador Relator do Agravo de Instrumento no 1.0024.04.06.088432-7/002, remetendo-

lhe cópia dessa decisão. P.R.I.C..

Belo Horizonte, 25 de outubro de 2007. (Publicação Minas Gerais, 1.11.2007) Osvaldo Oliveira Araújo Firmo

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comarca de Belo Horizonte

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