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3.2.2 – Do cumprimento da função social

a) – No tocante ao aproveitamento racional e adequado da propriedade, labora em prol da pretensão

dos requerentes a declaração do imóvel como propriedade produtiva pelo INCRA, relativamente ao triênio de

2003/2004/2005 (f. 14).

Demais disso, acompanham a inicial documentos idôneos a evidenciar o exercício de alguma atividade pe-

cuária no imóvel, consistentes em nota fiscal de transferência de 63 (sessenta e três) reses, emitida em 2006,

exercício imediatamente anterior ao de perda da posse (f. 15), e no cartão de controle sanitário fornecido pelo Instituto Mineiro de Agropecuária (f. 17), em que se registra, em 25.11.2006, um efetivo pecuário de 153 (cento e cinqüenta e três) cabeças de gado bovino e 50 (cinqüenta) bubalinos, totalizando 253 (duzentas e cinqüenta e três) animais, apascentados em 690 ha (seiscentos e noventa hectares), que é a área efetivamente medida do imóvel (f. 14).

Muito embora não exaustiva a prova, certo é que, nesta seara, importa comprovar que o imóvel não se encontra em estado de abandono, segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sob pena de infligir às partes

ônus probatório desproporcional e inatingível, em prejuízo da justiça da decisão, não nos compete aferir a estrita

consecução dos índices de utilização da terra (GUT) e eficiência na exploração (GEE), utilizados pelo INCRA no pro- cedimento de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária, muito embora seja importante o cumpri- mento deles. O que se põe em destaque nesta chamada de atenção é a circunstancialidade da análise: se há abandono do imóvel ou descumprimento tal dos índices a caracterizar o abandono; ou, de outro lado, o descumprimento em

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em grau tal que não concretize a função social constitui-se em exercício abusivo do direito de propriedade, desconforme à Constituição e repudiado, como ilícito, pelo ordenamento jurídico (art. 187 do Código Civil).217

No caso concreto, não desconstituída por qualquer prova em contrário, permanece hígida a declaração de

produtividade do imóvel, pela autarquia federal (f. 14), corroborada pelos documentos referidos.

Resta demonstrado, pois, em grau mínimo, o exercício racional e adequado de atividade econômica no imóvel, no período imediatamente anterior ao ajuizamento da presente ação.

b) – O valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil e, de modo específico, da ordem

econômica (art. 1o, V e art. 170 da C.R.F.B./88), repercute na função social do imóvel, razão por que, no cumpri-

mento, hão de se observar as disposições de regência das relações de trabalho (art. 186, III da C.R.F.B./88). Assim, sob a lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos

trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim

entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas

coletivamente, de modo compartilhado com aqueles que carecem de trabalho.

No caso concreto, comprova a requerente a contratação de 01 (um) único empregado, Sr. JOÃO BATISTADA SILVA (f.

69-74), qualificado no B.O. do esbulho como “encarregado da fazenda” (f. 08-10), o qual, todavia, foi incluído no

pólo passivo pela requerente, sob a alegação de que teria articulado a ocupação (f. 10).

Por outro lado, ao que consta da certidão lavrada em cumprimento de ordem de constatação emanada deste Juízo, o Sr. JOÃO BATISTA residiria na fazenda e, ao menos segundo sua convicção, permaneceria prestando serviços à requerente:

“Quanto ao Sr. João Batista da Silva, o localizamos em sua residência, fora do acampamento, ocasião em que fomos por ele informados [de] que é funcionário da requerente e que por isto trafega por toda a área da fazenda para executar o seu trabalho do dia-a-dia” (f. 132).

Todavia, nega-lhe a requerente a condição de atual empregado, admitindo, com isso, a anterior existência do vínculo trabalhista. Assim, cumpria à requerente demonstrar, como fato constitutivo de seu direito e estabelecido como ponto controvertido (f. 151-153), a regularidade da relação de emprego mantida com o trabalhador da terra,

ônus de que não se desincumbiu.

Além, como argutamente observa o Ministério Público, a se admitir a condição de ex-empregado de JOÃO BATISTA, necessariamente haveria a requerente de demonstrar a existência e regularidade de outras relações de trabalho, a menos que nada se produza no imóvel (f. 173). Assim, as alegações da requerente prendem-na em um embaraçoso paradoxo: ou bem o imóvel é produtivo e se descumprem as normas que disciplinam as relações laborais ou bem o imóvel é improdutivo e prescinde de empregados. Em todo caso, uma ou outra proposição desfavorece a pretensão da requerente.

No que diz respeito ao aspecto do exercício de posse como fonte de bem-estar aos proprietários/possuidores e tra- balhadores, traduzido em exploração que ofereça condições materiais capazes de ensejar existência digna, as alegações

contraditórias a propósito do rompimento do vínculo de trabalho entre a requerente e JOÃO BATISTA e a notícia da adesão

do empregado ao movimento social sinalizam uma exploração com potencial de gerar tensões sociais no imóvel. De fato, a ausência de indício ou prova bastante da observância das disposições que regulam as relações de traba- lho (art. 186, III da CF), de um lado, e, de outro, a alegação – solteira de provas – do rompimento do liame empre- gatício entre a requerente e o Sr. João Batista, por ele próprio infirmada, sugerem um ambiente de litígio trabalhista, não se sabe se latente ou manifesto.

Por tudo, sem notícia de observância das disposições que regulam as relações de trabalho.

c) – O exercício da posse da propriedade rural, em consonância com as diretrizes constitucionais, só atenderá

à função social quando, ainda que usada economicamente em aproveitamento racional e adequado, harmonize a exploração e a preservação (incluída a recuperação) do meio ambiente, enfocando o paradigma da exploração

sustentável, baseada em práticas que estimulam a diversidade da fauna e da flora, comprometidas com a conser- vação dos recursos naturais. E nesse paradigma é que cumpre a justiça social prevista no art. 170, III da C.F./88, 217 – Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos

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atendendo, além, ao art. 186 e seus incisos, da C.R.F.B./88.

De início, verifica-se desatendida disposição do Código Florestal (art. 16, §2o da Lei 4.771/65), não se encon-

trando averbada, à margem da matrícula imobiliária, aberta em 1982 (f. 07), a área de reserva legal, correspondente no mínimo a 20% (vinte por cento) da superfície total, que pudesse evidenciar, ao menos em um sentido formal, a preservação do meio ambiente. Cuida-se de obrigação legal cujo inadimplemento tipifica infração administrativa

ambiental, sancionada com multa, nos termos do recente Decreto no 6.514, de 22 de julho de 2008.

Além, em análise teleológica da norma, a mera irregularidade formal não compromete o cumprimento da di- mensão ambiental da função social, desde que o requerente logre demonstrar a existência concreta da reserva legal e sua efetiva conservação ou regeneração. Não é, contudo, o caso dos autos, em que não se produziu qualquer prova nesse sentido, a tanto não se prestando a representação feita pela requerente à Polícia Militar (f. 64-65). Não obstante ali se mencione a existência no imóvel de formação vegetal de Mata Atlântica, cuida-se de documento particular de elabo-

ração unilateral, em prejuízo da força probante. Demais disso, nada noticia a propósito do estado de conservação ou

regeneração da cobertura florística, erigida em patrimônio nacional pela Constituição Federal (art. 225, § 4o).

Por tudo, então, não havendo a requerente demonstrado o exercício de posse conforme à Constituição Fede-

ral, não faz jus à tutela possessória vindicada.

Em atendimento ao preceito constitucional do cumprimento da função social, solicitar-se-á aos órgãos com-

petentes (Ministério do Trabalho e Emprego, IBAMA e IEF) a averiguação da ocorrência de supostas violações,

do que decorrerá, se for o caso, a tomada das providências cabíveis.

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