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requerente: Fazendas da prata S.A FAprASA reqdos: João crisóstomo de oliveira e outros.

imóvel: Fazenda da prata

i - rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

Cuidam os autos de AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE c/c REPARAÇÃO DE DANOS aforada por FAZEN-

DAS DA PRATA S.A. – FAPRASA contra JOÃO CRISÓSTOMO DE OLIVEIRA, ELIAQUIM BATISTA LIMA, MST –

MOVIMENTO DOS SEM TERRA (sic) e requeridos desconhecidos ou incertos. Diz-se a requerente proprietária e

possuidora da Fazenda da Prata, em Pirapora/MG, com área de 2.937,88 ha, de cuja posse vem sendo esbulhada

pelos requeridos, com última invasão em 05.08.2003. Alega que o imóvel fora classificado pelo INCRA, em vistorias anteriores, como grande propriedade produtiva. Pleiteia, desde a concessão liminar, a ordem de reintegração bem como a reparação dos danos (f. 02-07). Junta documentos (f. 08-105 e 144-252).

Em audiência de 13.08.2003 (f. 130-138), foram ouvidas três testemunhas.

Citação pessoal (f. 258v) e ficta (f. 496 e 581-583).

Concessão liminar de reintegração parcial, permitida a permanência dos requeridos em uma área de 150 ha

(f. 274-277), do que interpuseram agravo de instrumento o M.P. (f. 287-316) e a requerente (f. 335-348). Houve concessão de antecipação da tutela no AI no 425.142-7, para reintegração na totalidade do imóvel (f. 353-356), bem como efeito suspensivo ao AI no 425.429-9, mantendo os requeridos no imóvel e determinando a coleta do nome dos grupos familiares ali instalados (f. 357-360), o que restou cumprido (f. 519-522).

Contestação (f. 320-331).

Em razão da notícia do agravamento da tensão no local do conflito, com pedido providências e juntada de

documentos (f. 377-401), realizou-se visita em 07.10.2003 (f. 402-403).

Parecer da procuradoria do INCRA pelo arquivamento do processo administrativo de desapropriação (f. 411-418). Por acórdão (f. 560-579) o TJMG determina a manutenção dos requeridos na posse até o exame do mérito desta ação (f. 443).

A requerente noticia a prática de ilícitos pelos requeridos (f. 455-459), com ciência ao M.P. e à P.M.M.G.

Juntada de cópia de: a) – termo de vistoria realizado nos autos de ação de manutenção de posse (Proc. no

0024.03.060.226-2), já arquivada; b) – acórdão do AI no 425.429-9; e c) – sentença de indeferimento da inicial de

ação cautelar, ao fundamento de litispendência com este feito (f. 484-494).

Visita em 15.04.2004 (f. 530-531).

Por “impasse nas negociações” o INCRA não fez vistoria (f. 547), mas nos autos constam laudos de anteriores

vistorias do INCRA (f. 696-719, 720-738, 739-758 e 759-798).

Audiência em 29.11.2005, com oitiva de três testemunhas (f. 838-847).

O M.P. junta documentos (f. 855-928) vistos pela requerente (f. 932-933), e se põe pela nomeação de Curador

Especial aos requeridos incertos ou desconhecidos, citados por edital (f. 945v).

Contestação, pelo Curador Especial, argüindo, em preliminar, a nulidade da citação editalícia (f. 964-969). Impugnação às f. 970-981.

Memorial, com razões finais, pela requerente (f. 938-944). O M.P. é pela improcedência dos pedidos iniciais

(f. 984-1.005).

A requerente junta cópia de laudo pericial de avaliação do imóvel, extraído dos autos de execução de sen- tença da 2a Vara Cível da Circunscrição Judiciária de Brasília (f. 1.014-1.036), visto pelas partes (f. 1.044) e pelo M.P. (f. 1.062).

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Rejeição da preliminar levantada pelos requeridos (f. 1.041-1.044).

Memorial, com razões finais, pelo Curador Especial nomeado em substituição (f. 1.055-1.058). O M.P. ratifica

o parecer de f. 984-1.005.

Em apenso os autos de ação de vistoria (proc. no 0024.03.090.377-7) e ação de reintegração de posse (proc. no 0024.04.285.582-5).

É o relatório.

ii – FuNDAmENtAção

* (...) *

3 – o cASo NA ESpEciAliDADE

Estabelecidas, pois, as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade. O imóvel rural cuja posse é objeto da demanda tem área de 2.937,88 ha e classifica-se como grande pro-

priedade. Na inicial, a requerente alega tratar-se de imóvel produtivo, ancorada em vistoria do INCRA nos idos

de 1.996 (f. 56). No mesmo sentido, a conclusão de laudos realizados pela autarquia em 1.989 e 1.998 (f. 696- 719 e 739-758). O cumprimento da função social, contudo, é dever de trato sucessivo, por assim dizer, não se salvaguardando de demonstrá-lo aquele cuja posse foi, em alguma ocasião, declarada cumpridora da função social. No deslinde da causa, portanto, importa a análise qualidade da posse imediatamente anterior à invasão, esta ocorrida em 05.08.2003.

1 – Há de se considerar, ainda, na análise do desempenho da atividade econômica, o potencial de produtivi- dade do imóvel, em razão até mesmo da própria estrutura física. No caso concreto, a fazenda é dotada de diversos

galpões, fábrica de ração, laboratório de sêmen, instalações cobertas para bovinos, 8 (oito) currais, 14 (quatorze) casas de empregados, escritório, 3 (três) silos, palco para leilões e campo de aviação, entre outros equipamentos (f. 783- 789). Trata-se de imóvel que, por sua magnitude, foi oferecido em décima quarta hipoteca para garantia de dívida consolidada em US$8,616,000,00, contraída com o Banco do Brasil S.A. em 10.02.1982 (f. 31-32).

Não se olvide também que a requerente é sociedade empresarial cujo objeto social, constante dos respectivos atos constitutivos, é a “exploração de atividades agropecuárias e de outros gêneros de negócios ou indústrias correlatas” (f. 38-52). Na lógica do regime capitalista, aceito entre nós, espera-se das empresas ao menos a eficiência lucrativa, sob a premissa de que, na livre persecução desse objetivo, a sociedade como um todo será beneficiada.

O baixo rendimento da propriedade, comprovado no depoimento do empregado da fazenda (f. 165-166), sina- liza certa insuficiência de utilização, em prejuízo da geração e circulação de bens e serviços. Contudo, a questão é saber se o imóvel objeto da posse atende a um grau mínimo de exploração e utilização da terra, conforme prescreve a lei, sob pena de ofensa ao princípio da legalidade.

Na casuística, a aparente inadequação da exploração econômica não consubstancia uma situação de comple-

to abandono. Com efeito, o conjunto probatório é apto a demonstrar ao menos a existência de alguma atividade

econômica no imóvel, mediante a formação de pastagens e arrendamento rural. Nesse sentido, os depoimentos testemunhais são convergentes:

“que trabalha na Fazenda há treze anos; que a fazenda mantém a atividade de pecuária de corte e leite; que atualmente quem resolve as coisas na fazenda é o depoente; que a fazenda tem hoje gado de corte e de leite, de diversas pessoas; que o proprietário arrenda as instalações na pastagens da fazenda para diversas pessoas; (...) que atualmente existem dezesseis ar- rendatários na fazenda; que a capacidade da fazenda está quase totalmente tomada e está ela toda formada; que a fazenda tem capim braquiara, provisório, colonião e cetali; que a fazenda tem cinco empregados fixos e sendo necessário contrata mão de obra esporádica” (depoimento de ADEMILSON FRANCISCO RAMOS – f. 135);

“que arrenda pasto na fazenda da Prata há dois anos e meio e ali empasta cerca de duzentas e cinqüenta reses; que a fa- zenda da Prata sempre aluga pasto para pecuaristas, até o limite de sua capacidade; que quem zela da fazenda e administra é Denilson, gerente; que Denilson quem administra todos os interesses da fazenda; que conhece Vani, proprietário da fazenda, mas não tem relacionamento com o mesmo; que não sabe dizer há quanto tempo Vani não vem à fazenda da Prata; que lá na

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fazenda não existe gado de propriedade dos autores; que ali ocorre plantações, principalmente de milho; que quem promove a roça de milho é o próprio gerente, mas não sabe dizer a área; que o depoente já remeteu contrato escrito para formalizar o arrendamento, mas não recebeu de volta” (depoimento de VILSON SANTANADA ROCHA – f. 137);

“que arrenda pasto na fazenda da Prata há dois anos; que ali mantém cerca de 210 reses de corte; que não conhece o pro- prietário; que qualquer coisa que alguém precisar na fazenda é Adenilson; que não sabe se o proprietário tem reses ou planta na fazenda; que nunca teve contrato escrito de arrendatário da fazenda” (depoimento de ANSELMO LUÍS MAIA CAIRES – f. 138).

Além da prova oral, os diversos recibos de pagamento (f. 164-252) comprovam a exploração do imóvel, cujas pastagens foram arrendadas a dezenove pessoas (WALTER ALVES PEREIRA, MESSIAS FERREIRA, OSMAR JOSÉ JOAQUIM, WILSON L. CORREIA FILHO, WALTER ALVES PEREIRA, IVAN BALBINO CORREIA, DALVIODE PAIVA OLIVEIRA, ROBSON FERNANDES VELOSO, EDICILMAR LOPES, VALÉRIO MAGNO, GENILSON JUARES SANTOS, GEREMIAS MARÇAL SOUZA, ANTÔNIO PEREIRA OLIVEIRA, ANSELMO L.M. CAIRES, WILSON SANTANA, IDEMAR CORDEIRO, ROSELY GUEDES MOTA, JOSÉ LUIS PEREIRA SILVA e PEDRO MILTON CARDOSO). É prova documental idônea, não desconstituída pela parte contrária.

No cumprimento da função social, não se exige que a exploração seja feita direta e pessoalmente pelo proprie- tário, idéia que representa harmonia com o próprio instituto jurídico de desmembramento da posse em direta e

indireta. Demais disso, no caso dos autos, o arrendamento do imóvel é atribuição de empregado da requerente,

ficando evidente, da própria relação de subordinação, o ânimo do proprietário em usar e explorar o bem, dando-lhe alguma destinação econômica.

De outro lado, irrelevante a questão da forma verbal dos contratos de arrendamento rural, vez nem mesma a lei específica (Estatuto da Terra) condiciona sua validade à forma escrita ou solene:

Art. 92 – “A posse ou uso temporário da terra serão exercidos em virtude de contrato expresso ou tácito, esta- belecido entre o proprietário e os que nela exercem atividade agrícola ou pecuária, sob forma de arrendamento rural, de parceria agrícola, pecuária, agro-industrial e extrativa, nos termos desta Lei” (negrejei).

Assim, da presença dos requisitos do art. 104 do CC/2002 (agente capaz; objeto lícito, possível e determinado; forma pres- crita ou não defesa em lei), decorre a higidez dos contratos de arrendamento celebrados pela requerente. Eventuais suspeitas de vícios ou defeitos do negócio jurídico permaneceram no âmbito das ilações, solteiras de provas quaisquer.

A questão da produtividade não foi suficientemente explorada nestes autos, sob o crivo do contraditório. Com efeito, aqui não se aferiu atingir o imóvel o patamar legal mínimo de utilização da terra e de eficiência na explora-

ção econômica. Lado verso, extrai-se do parecer do procurador do INCRA, a propósito da última vistoria ali realizada,

que nem mesmo naquela ocasião os técnicos da autarquia procederam à contagem física dos animais lá encontrados (f. 793-797). Por tal motivo, entre outros, o procurador opinou pela produtividade, amparado na presunção de ve-

racidade de que gozam as fichas de controle do IMA.

O conjunto probatório autoriza, pois, a conclusão de uso econômico do imóvel, ainda que aparentemente não na medida de todo o seu potencial. Mas a prova dos autos não é conclusiva a respeito da extensão do grau

de subutilização e, por conseqüência, de sua aptidão para caracterizar o descumprimento da função social nesse

aspecto. Inequívoco, de outra sorte, o fato de que a atividade exercida no imóvel não revela uma situação de ab-

soluto abandono.

Com esteio na prova oral, o Ministério Público aponta a inadequação da exploração do imóvel, onde

clandestinamente teria funcionado um abatedouro de gado, ao arrepio das normas de saúde pública e vigilância sanitária:

“que é comum açougueiros da cidade que compram gado empastados na fazenda lá mesmo fazem (sic) o abatimento, tra- zendo para a cidade ossada, couro e cabeça” (f. 135-136);

“que antes da invasão era comum o abate de gado na fazenda, abate esse feito por pessoas que arrendavam o pasto; que tinha o costume de fazer sabão com o sebo do abate do gado” (f. 843-844);

“que o arrendamento era apenas para criação, mas quando precisava de uma rês matava lá”. (f. 845-846).

No contexto, a infração, se existiu, nada representou no âmbito da verificação do uso econômico do imóvel e desafia, antes, medidas de ordem pública, a cargo das autoridades de saúde e vigilância sanitária. Acaso relevante, a irregularidade haveria de ser sanada e mesmo sancionada – fosse o caso – em via própria. Não há nos autos no-

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tícia sequer de que o Ministério Público tenha requerido ou adotado alguma providência entendida necessária ao

saneamento de irregularidade que sabia existente, em prejuízo da gravidade que vem atribuir à questão no parecer

de f. 984-1005, data venia.

O legislador constituinte dispôs que a função social da propriedade rural cumpre-se segundo graus e critérios

estabelecidos em lei (art. 186). O espectro dos bens sociais valorados como indicadores do cumprimento da fun-

ção social admite, pois, gradação e escalonamento, sempre sob a ótica da razoabilidade e da proporcionalidade,

princípios constitucionais.

Na solução dos conflitos, o julgador renunciará a um grau absoluto de certeza, sob pena de infligir às partes

ônus probatório desproporcional e inatingível, em prejuízo da justiça da decisão. Nessa perspectiva, a posse sub

judice atende bastante ao aspecto econômico da função social.

Releva apontar que eventual impossibilidade de desapropriação de imóvel dado por produtivo não vincula o

juízo possessório nem configura questão prejudicial à apreciação da tutela, visto ser a produtividade requisito

necessário, mas não suficiente, do cumprimento da função social. Imperioso, pois, o exame analítico da posse em questão, sob o aspecto de cada requisito da função social, que o legislador constituinte quis cumulativos.

2 – Contudo, a requerente não logrou comprovar o cumprimento da função social da posse no que tange a

um de seus mais relevantes componentes estruturais: a dimensão ambiental.

O exercício da posse da propriedade rural, em consonância com as diretrizes constitucionais, só atenderá à função social quando, ainda que usada economicamente em aproveitamento racional e adequado, harmonize a explo-

ração e a preservação (incluída a recuperação) do meio ambiente, enfocando o paradigma da exploração susten- tável, baseada em práticas que estimulam a diversidade da fauna e da flora, comprometidas com a conservação dos

recursos naturais. E nesse paradigma é que cumpre a justiça social prevista no art. 170, III da C.F./88, atendendo, além, ao art. 186 e seus incisos, da C.F./88.

Nesse diapasão, o poder público consagra a reserva legal e as áreas de preservação permanente como espa- ços territorialmente protegidos, inserindo-os na concepção de bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida, visando ao bem maior que é o meio ambiente ecologicamente equilibrado (florestas e demais

vegetações). Nunca é demais lembrar a expressão do Texto Constitucional:

Art. 225 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do

povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.”

A forma jurídico-institucional encontrada pelo legislador ordinário para democratizar a fruição indistinta, no todo do meio ambiente, assim como distribuir ônus da manutenção desde direito essencial aos diversos proprietá- rios privados de qualquer quinhão de área rural foi instituir a Reserva Florestal Legal, onde não se permite o corte raso, e as Áreas de Preservação Permanente. E, para garantia e real efetividade do comando, impôs a averbação da reserva legal à margem do registro dos imóveis rurais, como obrigação indeclinável.

No caso, a abertura da matrícula do imóvel em nome da requerente deu-se nos idos de 1.977 (f. 30-33). Sem prova nos autos, necessariamente documental, de superveniente averbação da reserva legal.

Tampouco se evidenciam, nos diversos laudos de fiscalização juntados pela requerente, o uso responsável das áreas de preservação permanente nem a regular destinação de área de no mínimo 20% da propriedade para a reserva legal. Assim, em vistoria realizada em dezembro de 1.989, já sob a égide da Lei no 7.803/89,

que incluiu o § 2o no art. 16 do Código Florestal, constatou-se a destinação de apenas 1,03% da área para

reserva legal e 91,49% para pastagem artificial (f. 706). Idêntica situação registra o laudo de vistoria realizada

em 15.05.1996:

“Observa-se no imóvel o descumprimento da legislação ambiental em aspectos referentes às áreas de reserva legal e preser- vação permanente.

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As áreas de preservação permanente ao longo dos cursos d´água apresentam mata ciliar bastante rala, estando ocupadas, em sua quase totalidade, por pastagens artificiais.” (f. 726)

No mesmo sentido, conclusão do relatório de vistoria realizada em 17.04.1998 (f. 755):

“Deixa de ser cumprido o quesito referente à utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente, inexistindo no imóvel área de reserva legal averbada além de estarem sendo utilizadas como pastagens artificiais áreas legalmente destinadas à preservação permanente.”

E, por fim, o relatório de vistoria de 02.02.2001:

“Podemos afirmar que a proprietária vem descumprindo a legislação ambiental vigente pois, ao longo dos cursos d’água, a mata ciliar praticamente foi devastada, estando atualmente ocupada com pastagens plantadas não respeitando a faixa de pre- servação permanente exigida na referida legislação (Leis 4.771/65 e 7.803/89). Também no que refere-se a (sic) reserva legal, a mesma não foi devidamente preservada e averbada à margem da matrícula do imóvel no CRI.”

As conclusões técnicas, quase tautológicas, revelam à exaustão a constante inobservância e reiterada violação, pela requerente-proprietária, das normas ambientais no exercício da posse.

O Código Florestal, ao classificar como “bens de interesse comum a todos os habitantes do País” as florestas existentes no território e as demais formas de vegetação, impõe limitações ao exercício dos direitos de propriedade. Considera, ainda, uso nocivo da propriedade as ações ou omissões contrárias às suas disposições, na utilização e exploração das coberturas vegetais (art. 1o e § 1o da Lei 4.771/65), merecendo tal desabonadora qualificação a posse exercida

pela requerente.

3 – Quanto ao aspecto da regularidade das relações trabalhistas mantidas com os empregados que labo-

ram no imóvel, limita-se a requerente a exibir cópia da carteira de trabalho de quatro empregados (f. 156-159), havendo indícios, contudo, de que o salário ali anotado não corresponda ao efetivamente pago, consoante se extrai do depoimento de f. 135-136. Isso, porém, no contexto probatório, mesmo não determinante, milita

desfavorável à requerente.

O laudo de fiscalização do INCRA, de elaboração mais próxima à época da ocupação, registra a existência no imóvel de oito empregados assalariados, quatro dos quais sem carteira assinada (f. 789-790).

Demais disso, jejuno o processo de prova do regular pagamento dos salários e eventuais vantagens trabalhistas nem do recolhimento do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço e das contribuições previdenciária e sindical.

Registre-se que, muito embora garantida a ampla produção de provas, havendo este Juízo fixado, como ponto

controvertido, o cumprimento da função social, designando perito para o mister (f. 589), à realização da prova

técnica se opôs a requerente, entendendo-a, desavisadamente, incabível (f. 602-603).

A par de não haver a requerente se desincumbido a contento do ônus de provar o cumprimento da função

social, advém do conjunto probatório a certeza do uso anti-social do imóvel, do que decorre a ilegitimidade da concessão da tutela possessória aqui pleiteada.

4 – De mesma sorte, os danos materiais restaram tão somente alegados.

Não obstante tenha a requerente especificado prova pericial (f. 586), o subseqüente pedido de julgamento ante- cipado do feito (f. 628-652), importou preclusão lógica da oportunidade de realização da prova.

Assim, reduzida a instrução às provas documental e oral, nenhuma delas se prestou a comprovar os alegados

danos, aquela, pela unilateralidade da produção, ao largo do crivo do contraditório, e esta, pela inaptidão de de-

monstrar o necessário nexo de causalidade entre os supostos prejuízos e a ação dos requeridos, sem o que não exsurge dever de indenizar. Confiram-se, a propósito, os depoimentos testemunhais:

“que, quando da invasão, alguns móveis da sede da fazenda foram colocados dentro de um caminhão e descarregados em outro local, dentro da própria fazenda; que não pode afirmar, com certeza, se os móveis mencionados anteriormente eram da Fazenda da Prata ou de Admilson Francisco Ramos; que não sabe informar as pessoas que retiraram a fiação” (f. 845-846);

“que ontem houve um incêndio na fazenda, mas não sabe quem ateou fogo” (f. 137).

Não há nos autos elementos suficientes a formar um juízo positivo de convencimento a respeito de prejuízos

porventura experimentados pela própria requerente. Mesmo alegando a perda de inúmeras reses, consta do de- poimento de f. 135-136 que a requerente apascentava ali duas cabeças de gado leiteiro. Ao que se extrai do caderno

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processual, animais eventualmente abatidos e bens móveis ditos danificados pertenceriam a terceiros, falecendo à requerente interesse de pleitear em nome próprio direito alheio. Nesse sentido depuseram as testemunhas:

“que só o depoente perdeu 20 cabeças de suínos, além de reses bovinas; que o depoente conferiu e deu falta de 20 reses bo- vinas” (ADEMILSON FRANCISCO RAMOS – f. 135-136);

“que nesses dois anos que ali está perdeu duas reses abatidas a tiro, mas não conseguiu saber o autor (ANSELMO LUÍS MAIA CAIRES – f. 138);

“que, inclusive, o carro do depoente foi todo quebrado, sendo que foi dado parte à polícia” (SILVIO PEREIRADOS SANTOS – f. 845-846).

Assim, a inexistência de prova dos pressupostos do dever de indenizar, a saber, a ocorrência de danos, a

ação ou omissão ilícita dos requeridos e o nexo de causalidade entre um e outra, conduz forçosamente à im- procedência do pleito.

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