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requerente: uBSB participações S.A reqdos: celito carlos da costa e outros

imóvel: Fazenda Barriguda

i – rElAtÓrio

VISTOS, ETC.

UBSB PARTICIPAÇÕES S.A. aforou AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE c/c REPARAÇÃO DE DANOS

e OBRIGAÇÃO DE FAZER contra CELITO CARLOS DA COSTA, JOÃO RAIMUNDO RODRIGUES MENDES,

MARCOS AURÉLIO DA SILVA, EDÍLSON MONTEIRO DOS SANTOS, ELIEL MARTINS DOS SANTOS, LU- CIANO MONTEIRO DOS SANTOS e requeridos incertos ou desconhecidos. Diz-se possuidora da FAZENDA BARRIGUDA, em Buritis/MG, com área de 2.674,00 ha, de cuja posse teria sido esbulhada pelos requeridos em

25.08.2004. Alega que a referida fazenda é produtiva, ali exercendo atividade pecuária de corte. Pede, desde a con-

cessão liminar, a ordem de reintegração, bem como o desfazimento de eventuais construções e plantações e a reparação dos danos materiais (f. 02-10). Junta documentos (f. 11-86).

O Ministério Público é pela negativa da concessão liminar (f. 90-93).

Citação pessoal do primeiro requerido (f. 111v) e ficta dos demais (f. 103, 180, 207 e 228). Comparecimento espon- tâneo ao processo de EDILSON MONTEIRO DOS SANTOS e LUCIANO MONTEIRO DOS SANTOS (f. 112-114).

Visita em 19.10.2004 (f. 120-124) e audiência em 20.10.2004 (f. 112-114).

Ouvido o Ministério Público, pela concessão (f. 129-131), foi deferida a ordem liminar (f. 134-135),

cumprida (f. 175).

Contestação pelo Curador Especial nomeado aos requeridos citados por edital, com alegação, no mérito, de

ausência de posse, descumprimento da função social e, no mais, por negativa geral (f. 212-218 e f. 234).

Decreto de revelia dos requeridos CELITO CARLOS DA COSTA, EDILSON MONTEIRO DOS SANTOS e

LUCIANO MONTEIRO DOS SANTOS (f. 242).

Em audiência de 22.03.2007, foram ouvidos o primeiro requerido, duas testemunhas e um informante (f. 272-277).

Memorial com razões finais (requerente – f. 297-310 e requeridos – f. 296) O Ministério Público é pela proce- dência do pedido reintegratório (f. 312-317).

ii – FuNDAmENtAção

* (...) *

3 – o cASo NA ESpEciAliDADE

Estabelecidas as premissas a cuja luz decidir-se-á a lide, passamos aos termos do caso na especialidade.

1 – Nos termos do art. 334, II do C.P.C., independe de prova, posto afirmado pela requerente e confessado pela

parte contrária, a perda da posse por ato dos requeridos. Com efeito, o requerido CELITO CARLOS DA COSTA, ao depor em audiência na condição de líder do movimento, confessa a invasão do imóvel:

“Que contribui como liderança no MST; que o grupo que ocupou a Fazenda Barriguda é constituído de excedentes de um projeto de assentamento, ‘Chico Mendes’, do INCRA; o declarante visitou o grupo já quando efetivada a ocupação, vindo prestar solidariedade e orientação” (depoimento pessoal de CELITO CARLOSDA COSTA – f. 273).

Demais disso, a prática de atos de esbulho há menos de ano e dia do ajuizamento da ação vem relatada no bo- letim de ocorrência lavrado em 30.08.2004. A autoridade policial, presente ao local dos fatos, constata a “presença de 10 (dez) indivíduos, pertencentes ao MST, ocupando 03 (três) barracas de plástico. Os invasores entraram na fazenda na

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data de 25/08/04 e lá pretendem permanecer até que o INCRA resolva a situação deles, desapropriando a fazenda invadida ou indicando outra área para ocuparem” (f. 85-86).

2 – Superada a questão dos fatos de esbulho, passamos a apreciar os elementos atinentes ao direito de a ora

requerente vir a Juízo pleitear proteção possessória.

3 – No tocante ao aproveitamento racional e adequado da propriedade, o então juiz oficiante, presente ao

imóvel palco dos acontecimentos tão logo instaurado o conflito, registra já sua convicção “de que são desenvolvidas atividades agropecuárias na fazenda” (f. 120). As impressões iniciais daquele magistrado confirmam-se pelas provas

documental e oral produzidas pela requerente.

Labora já em prol da pretensão da requerente a seguida classificação do imóvel como grande propriedade pro-

dutiva pelo INCRA, nos triênios de 2000/2001/2002 e 2003/2004/2006 (f. 47 e 283). Demais disso, acompanham

a inicial notas fiscais de produtor rural e guias de trânsito animal emitidas entre janeiro e abril de 2004 (f. 52-73), hábeis a comprovar a alegação de exercício de atividade pecuária no imóvel, com criação de gado bovino para corte. O Extrato de Agente Rural fornecido pelo Instituto Mineiro de Agropecuária, relativo ao período de 01.01.2003 a 03.09.2004, registra um efetivo pecuário de 807 (oitocentos e sete) reses ao tempo do ajuizamento da presente ação (f. 74). O demonstrativo da produção rural havida no exercício de 2003 informa o efetivo de 850 (oitocentas e cinqüenta) cabeças de gado no imóvel e a comercialização de 66 (sessenta e seis) reses naquele período (f. 81).

Também a prova oral vai ao encontro da alegação de produtividade do imóvel, havendo as testemunhas e o

informante declarado que na fazenda se exerce atividade pecuária de gado bovino de corte, destacando que a área

do imóvel não é integralmente aproveitável, em razão dos acidentes naturais do relevo (f. 274-277):

“que conhece o local há quarenta e dois anos; (...) a fazenda era ocupada com pastagens e gado de corte, cria e recria. Apascentava-se lá de setecentas a oitocentas cabeças de gado. Apesar de grande, a área não é toda aproveitada, pois tem muita serra, talvez uns mil hectares (...). Atualmente a propriedade apascenta aproximadamente de setecentas e oitocentas cabeças de gado. Todos os pastos são formados” (testemunho de JUSCELINO RODRIGUES NETO – f. 274-275);

“A fazenda trabalha apenas com gado de corte, além de uns cinco hectares de cana para alimentar o gado. Quando entrou, em 2002, a Fazenda possuía aproximadamente umas trezentas e noventa cabeças de gado, mas logo depois subiu para umas oitocentas e noventa cabeças de gado. Que a fazenda é toda ocupada com o gado, sendo que ele inclusive sobe para a serra e também pasta na chapada. (...) A pastagem da chapada é natural, de capim agreste. Apenas o lado de baixo é que é de pasto todo formado. A maior parte de área de pasto é formada de capim andropogon e brachiária. (...) A fazenda sempre teve, nunca esteve largada” (informação de ANTÔNIO MOREIRA SANTANA – f. 276);

“Na época da invasão, a atividade da fazenda era a criação de gado. Nessa época a fazenda teria aproximadamente três funcionários. A partir do Sr. Urias [representante legal da requerente] a fazenda nunca deixou de ser explorada. (...) Acre- dita que hoje a fazenda tenha aproximadamente oitocentas cabeças de gado, mas a fazenda comporta até mais (...) A fazenda mantém aproximadamente mil hectares de pasto formado. De área não aproveitável a fazenda terá uns quinhentos e cinqüenta hectares” (testemunho de SIDNEY RODRIGUES PIMENTEL – f. 277).

Nesta seara, importa a prova de que o imóvel não se encontra em estado de abandono e é aproveitado de modo

adequado, segundo os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Sob pena de infligir às partes ônus probatório desproporcional e inatingível, em prejuízo da justiça da decisão, não nos compete aferir a consecução

dos índices de utilização da terra (GUT) e eficiência na exploração (GEE), utilizados pelo INCRA no procedimento de desapropriação por interesse social, para fins de reforma agrária (Lei no 8.629/93).

No deslinde de causa dessa natureza, rejeita-se o rigor do esquadrinhamento microscópico dos requisitos consti- tucionais da função social, sob pena de banalizar-se questão tão relevante quanto a da perda da posse imobiliária.

Resta suficientemente demonstrado, pois, o exercício de atividade econômica no imóvel, no período imedia- tamente anterior ao ajuizamento da presente ação.

4 – Há nos autos prova da utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente.

De início, verifica-se atendida disposição do Código Florestal (art. 16, §2o da Lei 4.771/65), estando averba-

da, à margem da respectiva matrícula imobiliária, a área de 534,00 ha de reserva legal (f. 50), não inferior a 20% da

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A par da regularidade formal, as testemunhas confirmaram a efetiva preservação da área de reserva legal, onde não se desenvolve atividade extrativa de madeira nem há exploração de pecuária, sem formação de pastos (f. 274-277).

Conquanto possa ter havido no passado desmatamento irregular da área de chapada (1994/1995), segundo o depoimento das testemunhas (f. 274-277) e o expediente encaminhado pela P.M.M.G. (f. 148), certo é que, no perí-

odo anterior próximo ao de ajuizamento da ação, a prova dos autos sinaliza o bastante cumprimento da dimensão ambiental da função social, havendo mesmo notícia da elaboração recente de projeto de exploração sustentável da

área de chapada (f. 275-277).

5 – O valor social do trabalho, fundamento da República Federativa do Brasil e, de modo específico, da ordem

econômica (art. 1o, V e art. 170 da C.R.F.B./88), repercute na função social da propriedade, razão por que, no cum-

primento, hão de se observar as disposições de regência das relações de trabalho (art. 186, III da C.R.F.B./88). Assim, sob a lógica do razoável, a valoração do trabalho há de privilegiar não apenas a observância de direitos trabalhistas em sentido estrito (direitos do trabalho), mas também e principalmente o direito ao trabalho, assim entendida a oportunidade de emprego remunerado e, por corolário, de ascensão social, existência digna e redução

de desigualdades. Sob esse aspecto, cumprirá a função social a posse que se exerça não mais individualmente, mas

coletivamente, de modo compartilhado com aqueles que carecem de trabalho.

No caso concreto, à inicial acompanha cópia do livro de registro de empregados, aberto em 01.12.2001, ali demonstrada a regular contratação de 5 (cinco) trabalhadores, também inscritos no Programa de Integração Social e no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (f. 75-80). Muito embora não exaustiva a prova documental produzi- da, a matéria não foi eficientemente apreciada em contraprova pelos requeridos, a sobreviver ao contraditório, que deixaram passar em branco, assim também o Ministério Público, quanto à oportunidade de a respeito inquirir as testemunhas em audiência.

Pelo contrário, a prova oral corrobora a alegação de regularidade das relações de trabalho mantidas pela reque- rente, no exercício da posse do imóvel:

“que é funcionário da Barriguda há quatro anos. Desde 2002 a Fazenda mantém de quatro a cinco funcionários para o serviço geral. (...) Esporadicamente eram contratados uns dois funcionários, diaristas. Todos os funcionários estão registrados desde que entraram (...) Que é administrador da Fazenda Barriguda, com carteira assinada, mas não tem jornada fixa, aliás, não tem dia e nem hora. Que ocupa, normalmente, dois ou três dias inteiros da semana na Fazenda Barriguda. Nestes dias almoça por lá. Sua carteira é assinada como administrador” (depoimento de JUSCELINO RODRIGUESNETO – f. 274-275);

“é funcionário com carteira assinada. E desde 2002 a Fazenda tem um quadro de aproximadamente uns cinco funcionários. Juscelino é o chefe imediato, mas ele também ajuda no serviço duro. Comparece umas duas vezes por semana na Fazenda. (...) O salário do declarante só aumenta quando o Governo manda aumentar (...). Dos funcionários, somente o declarante, sua mulher e dois filhos moram na fazenda (depoimento de ANTÔNIO MOREIRA SANTANA – f. 276).

Além, sem prova, indício ou alegação nos autos de que no imóvel se patrocinasse trabalho escravo ou de-

gradante, condutas que, por afrontarem a dignidade humana, fundamento do Estado Democrático de Direito, repugnam à Constituição e à lei, tais a embasar a negativa da tutela possessória.

6 – A par de racional e adequada, há indícios de que a exploração econômica se mostra favorecedora da saúde, educação e lazer dos proprietários, empregados, vizinhos, sem notícia de que ali se exerçam atividades periculosas, penosas ou insalubres, em risco à integridade física e psíquica de quantos circulem naquele microcosmo social.

Consta dos autos que o imóvel, onde teria já havido uma escola (f. 274), é servido de água corrente (f. 276) e dotado de rede de energia elétrica (f. 277), sede, casa de empregado, galpão, paiol e outros equipamentos para facilitação do trabalho e atendimento às necessidades básicas dos empregados (f. 120).

Tampouco há prova de que a posse exercida pelos requerentes gerasse conflitos e tensões sociais no imóvel. Mesmo durante o período da invasão, o empregado residente no imóvel, evitando o confronto direto, logrou fazer amizade com os ocupantes (“o único incômodo que os sem terra causaram ao declarante foi pressioná-lo a sair da casa, mas, tão logo o declarante disse que não sairia, eles não o incomodaram mais. O declarante até ficou amigo deles” – f. 276). A via

pacífica trilhada no clímax do conflito deve-se, por certo, à índole tranqüila e tolerante do empregado, mas refletirá

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Assim, havendo a requerente demonstrado suficientemente o atendimento de todos os requisitos da função

social, faz jus à tutela possessória vindicada.

7 – Pede a requerente ainda a reparação dos danos materiais sofridos, propugnando, desde a inicial, pela oportu-

nidade de prová-los no curso do processo. Contudo, a tal respeito, a prova dos autos, seja documental, seja oral, é nenhuma. Ao revés, o boletim de ocorrência que relata o esbulho nos dá conta de que “durante a invasão nenhum dano foi causado à propriedade” (f. 85-86). No tangente ao suposto prejuízo patrimonial, nada conta nas certidões do Oficial de Justiça, que diversas vezes se fez presente no local do conflito (f. 167, 172, 174v e 175). É de se reconhecer que o dano alegado não é fato notório, confessado ou incontroverso, e tampouco se reveste de presunção legal, tal a eximir aquele que o alega do ônus de ao menos indicar como tal se dá (art. 334 do C.P.C.). No caso, a requerente

não se desincumbiu do encargo, ensejando a improcedência do pedido indenizatório.

Prejudicado o pedido de desfazimento, formulado em cumulação sucessiva eventual, para a hipótese, não

verificada, de realização de construções e plantações pelos requeridos, até pela exigüidade do tempo de perma- nência no imóvel.

iii - DiSpoSitivo

POSTO ISSO, e considerando o mais quanto dos autos consta, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE O PE- DIDO AVIADO NA INICIAL POR UBSB PARTICIPAÇÕES S.A. em face de CELITO CARLOS DA COSTA, JOÃO RAIMUNDO RODRIGUES MENDES, MARCOS AURÉLIO DA SILVA, EDÍLSON MONTEIRO DOS SANTOS, ELIEL MARTINS DOS SANTOS, LUCIANO MONTEIRO DOS SANTOS e requeridos incertos ou desconheci- dos, TORNANDO DEFINITIVA A ORDEM DE REINTEGRAÇÃO NA POSSE da Fazenda Barriguda, em Buritis/

MG, concedida liminarmente.

Em virtude da sucumbência recíproca e equivalente, condeno as partes no pagamento das custas processuais, dividindo-as pela metade, na mesma proporção (art. 21 do C.P.C.). Condeno os requeridos em honorários arbitra- dos em R$1.000,00 (mil reais), devidos à Advogada da requerente, tendo em conta o comprido tempo do serviço, a relevância da causa, que trata de um sério conflito social de proporção considerável, e o empenho demonstrado no trabalho da profissional, atuante em todas as fases do processo; e em R$500,00 (quinhentos reais) ao Defensor

Público, considerando, de um lado, o exercício zeloso do munus da curadoria de ausentes e, de outro, a intervenção

em estágio avançado do processo (art. 20, §§ 4o e 3o do C.P.C.). Fica desde já determinada a compensação dos

honorários, até onde possível (Súmula no 306/STJ).

Transitada em julgado, arquivar, com baixa. P.R.I.C..

Belo Horizonte, 14 de dezembro de 2007. (Publicação Minas Gerais, 19.12.2007) Osvaldo Oliveira Araújo Firmo

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comarca de Belo Horizonte

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